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DE BENGUELLA
AS
* TERRAS DE lÁCCA
DESCRIPÇÂO DE UMA VIAGEM
NA
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AFRICA CENTRAL E OCCIDENTAL
Comprehendendo narrações, aventuras e estudos importantes
sobre as cabeceiras dos rios Cu-nene, Cu-bango,
Lu-ando, Cu-an^a e Cu-angv, e de grande parte do curso dos dois últimos;
alem da descoberta dos rios Hamba, Cauali, Sussa e Cu-gho,
e larga noticia sobre as terras de Quiteca Nbungo,
Sosso, Futa e lácca
POR
H. CAPELLO E R. IVENS
^ OFTICUES DA ARMADA REAL
EXPEDIÇÃO ORGANISADA NOS ANNOS DE 1877-1880
EDIÇÃO ILLUSTRADA
I VOLUME II
I —
LISBOA
IMPRENSA NACIONAL
1881
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DE BENGUELLA
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TERRAS DE lÁCCA
DESCRIPÇÃO DE UMA VIAGEM
NA
AFRICA CENTRAL E OCCIDENTAL
Comprehendendo narracScs, aventuras e estudos importantes
sobre as cabeceiras dos rios Cu-nene, Cu-bango,
Lu-ando, Curan^a e Cu-ango, e de grande parte do curso dos dois últimos;
alem da descoberta dos rios Hamba, Cauali, Sussa e Cu-gho,
e larga noticia sobre as terras de Quiteca Nbungo,
Sosso, Futa e lácca
POR
H. CAPELLO E R. IVENS
^ OFTICIAES DA ARMADA REAL
EXPEDIÇ\0 ORGANISADA NOS ANNOS DE 1877-1880
EDIÇÃO ILLUSTRADA
VOLUME II
LISBOA
IMPRENSA NACIONAL
1881
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DE BENGUELLA
AS
TERRAS DE lÁCCA
VIII índice dos capítulos
XVII
o Hungo e seus habitantes. Penteados e enfeites— O tabaco c seu emprego — Feal-
dade das mulheres. Pouco interesse no fato — O amor ás vaccas e o desprezo pelas espo-
sas — O monarciía do Congo— Aprestos de partida — Discussões com os naturaes — Ora- .
çâo proferida pelos auctores, no intuito de commoverem os indigenas. Exigências d'estes
e encerramento tempestuoso de uma sessão — Senxalas abandonadas — Exploração cen-
surável — Tibre, a lagoa encantadora — Transe poético e escandaloso procedimento do
cozinheiro— A cozinha do campo e a gallinha do estylo— As maxillas em acção e a ses-
ta interrompida — Novamente cercados — Fugida da caravana — Entre ladrões c modo
de resolver litigios — Singular decisão — A noite e o fogo das florestas — Os bosques e a
vegetação- Quadnimanos e reptis— Luctas e solTrimentos- Descoberta do Cu-glio— Va-
riantes de arvoredo. As palmeiras — Passagem de um rio e traições indigenas — Ultimas
pendências — Abalada — A sós com a natureza 71
XVIII
Partida do Cu-gho— Lúgubres presentimentos — Os mu-chilos e o deserto— A sós
com a natureza— Uma tarde angustiosa com sede devoradora — Momentos supremos da
existência no mato — Um acaso providencial — Novos muchitos e trabalhos— Presos no
bosque — Estado nervoso dos auctorcs e o receio de enlouquecer— Perdidos inteiramen-
te— Pesquizas por caravanas organisadas em procura de caminho — Duas linhas do diá-
rio— Uma noite sombria no meio de queimadas — Apparecimento de José. Sua missão
— Encontro feliz- Dois caçadores furtivos — Promessas e abalada — Outra vez perdi-
dos— Um tropel de palancas— Approxima-se a noite- Ultima decisão 91
XIX
Perigos do laconismo na dcscripção dos sofTrimentos, c receios dos auctorcs sobre
similhante assumpto— A noite de 27 de maio — Apprehensóes — Pelo escuro da noite
rondavam vultos— Visões e insomnias —Descoberta inesperada — As raparigas da cara-
vana e um casamento no mato— Não ha fome que não dê em fartura — Satisfeito o cor-
po, distrahiamos o espirito— A ar\ore perigosa — As gan\as de maluvo e uma aprecia-
ção espantosa — Quizengamo, o primeiro dos quiloloi — Duas paginas do nosso diário —
Insistência dos guias em levar-nos ao Quianvo — A nossa opinião e uma manhã por aquel-
las terras — O Cu-ango e as curvas caprichosas do seu leito— Medonhos effeitos da dy-
senterla— A fermentação pútrida c a falta de alimentos— Um baile nos raa-iácca— Aban-
donados na floresta — Febres, ulceras c dyscntería — LHtimas exigências do guia. Fugida
d'estc— No meio de misérias, a sós com os nossos recursos — O deserto— Fragmento do
diário— A lua no minguante e uma confidencia a medo — O Cu-gho Ii3
XX
A fome, o estômago e uma opinião dos auctores— Succinta idéa sobre o rio Cu-ango
—No Cu-gho— Epocha feliz e epocha fatidica — O arraial transformado em matadouro —
O maluvo c a sua colheita — O lago Aquilonda supprimido do mappa— A palmeira e as
zonas climatológicas— Abalada das terras do norte — O Pussa c o Cauali— A vegetação
— Catuma Cangando, o soba bordado— Consequências da curiosidade- Uma copla gen-
tílica— Ceremonia notável entre os roa-hungo— Um enterro nos bosques— Danje, Lu-
amba, Matamba e Pacaça Aquibonda— Os Caculo-Cabaça— Assassinato de um compa-
nheiro—Valor da vida entre os negros— V^unia-ia-Ebo e a ultima sepultura— Os valles
do Lu-calla e a historia de um crocodilo— Nova cosmogonia— A mesa, e satisfação es-
pecial que aos auctores inspirava- Passagem do Lu-calla— Lista dos restantes no dia
do regresso iBg
índice dos capítulos IX
XXI
Duque de Bragança— Sua importância e fertilidade — Mais um jantar com o chefe—
Coordenadas astronómicas e magnéticas respectivas— Um soba compadre— As crean-
ças africanas e duas considerações acerca d'c1las— Os infantes e os adultos — Curiosida-
de bem comprehendida e resposta que a deve satisfazer — Como da fortuna se p>óde pas-
sar á miséria — O dia 24 de julho e um capitão avesso ao raciocinio — O acampamento
cm chammas— Os papeis dos expedicionários e as munições do armamento— Carrega-
dores e ladrões — As cinzas brazeadas e felicidade providencial — Otubo e o ajudante ob-
servador— O ^i-^on^/e e a ultima noite do mcz de julho 161
XXII
Definitiva partida do Duque de Bragança — Mestre José, o Luchilo e as patrulhas —
O Ptyelus olivaceus e o capitão Silvério— Macaco agonisante e gato em liberdade— As-
sombroso protesto— Pássaro original e novo tio do interprete — Samba-Cango, o Hango
e o Lucalla — Breve noticia sobre o rio, terrenos e vegetações — Cariombo e o Porto Real
— Canoas desconhecidas e novo systema de propulsão — Uma visita a Pamba, quatro con-
siderações sobre ella e um elephante do reino vegetal — A caminho das Pedras Negras
— Mestre Zé e os basaltos— Uma batota pregada á sciencia— A seda indígena— Pungo
N'Dongo, seu aspecto e constituição— Notáveis pegadas impressas nos penedos — Factos
dignos de menção— O porto Hunga e um Iwsque de laranjeiras — Philosophicas consi-
derações dos auctores— .Va terra dos olhos, quem tem um cego é rei! A cachoeira Ca-
ballo — O Cu-anza, obstáculos, peixes, cataractas. Breves reflexões sobre estas— Malanje
Calundo, Pungo N'Dongo 177
XXIII
Novamente acampados— O /»M/t»>:/?^e/rdrn5 e um ento\oarto notável —Variabilidade
dos ventos em Pungo-N*Dongo — O bordão do expedicionário e a penna do escriptor —
Ultimo adeus a Silvério- Cabeto e as moscas do Cu-anza — O pára-raiosnomato — Ca-
panda e a vegetação para oeste. Noticia sobre a sua ornithologia — O sangue c o Nhan-
gue-ia-Pêpe — Cataracta no Cu-anza — O soba Dumba — Cassoque — Von Mechow e oseu
mau portuguez — O Bango e as variantes climatológicas— O Cu-anza e a cataracta Ca-
bullo — Ultimo olhar para as terras do interior— O Dondo. Recepção e obséquios feitos
aos auctores n*aquelle ponto— Viagem pelo rio — Luanda. Distincções, amigos ali resi-
dentes— Mossamedes— A caminho da pátria 3o5
Conclusão , 227
índice das gravuras
Domingos ao despedir-se 2
Catraio, o ajudante observador 3
Construcção do quilombo opp. a 7
Em alongada linha avançámos 10
Cambollo, ojagga 11
Engolfando-nos no adusto capim 18
O atalho serpeia nos flancos da quebrada 19
Boceta 21
Fumando a fatal liamba 27
As lughias colossaes 3i
Campo de sepulturas 35
Um cavalheiro de Ambaca 39
Chegada do dr. Max Buchner 42
Cataracta Lianzundo opp. a 44
Ninho de capata-ièu 45
Ao meio estiveram para arriar opp. a 48
Typo jinga 5i
Cateco, o guia 59
Uma chuva torrencial caiu opp. a 62
Perdidos no rio Mucuna ^
A manada de bois 67
Sharpia Angolensis 69
Senhoras do Hungo opp. a 73
Lagoa Tibre 79
Typo do Holo 81
Estávamos em pleno tribunal 84
Formava emmaranhado macisso opp. a 86
Os pilotos do Cu-gho 88
Cynocephalus porcarius 90
O mu-chito opp. a 92
Descendo uma encosta 96
Chegada do guia Zé io5
As palancas 108
Coracias espatulata 1 1 1
XII índice das gravuras
Lemba, a mulher de Mutu
As duas fugitivas
Penteados iáccas
O cu~ango em lácca ,. opp. a
Dansas dos ma-iácca .'
Mulher do Congo
Que ermos, que solidão sem igual opp. a
Qui-vuvi, a aranha da seda
Era uma faina indescriptivel
A curiosidade castigada
Imprevidência funesta
Cosmetornis vexillarius (Quimbamba)
Era um soba compadre
O perigo era immenso opp. a
Seda africana . . •
A patrulha de Samba Cango
É um systema de hélices parallelos opp. a
Pedras de Pungo N'Dongo
Cachoeira Caballo opp a
Telphusa Anchietae
Telphusa Bayonianna
Euprepes Ivensi (espécie nova)
Chromis sparramanni
Dembe, Mormyrus Lhuisi 200
Muaca, Hemicromis Angolensis 200
Chromis Mossambicus 200
Rana ornatissima . 201
Caranguejo do Cu-anza 2o3
Empacaceiro da Quissama *. 212
As tipóias de Angola 220
A caminho do oceano 225
J7
21
25
28
29
33
34
37
45
49
53
60
65
72
73
81
84
89
93
96
96
97
97
Carta de Malanje opp. a 40
Carta do Duque de Bragança opp. a 1 56
Fac-simile de uma folha do registo das observações meteoroló-
gicas opp. a 174
Carta de Pungo N'Dongo opp. a 198
Carta de Capanda ao soba Dumba opp. a 216
Curvas meteorológicas opp. a 338
Carta magnética 352
Carta do curso do Cu-anza, do Dondo ao oceano — fim do volume.
CAPITULO XIV
Ultima tarde na feira e derradeiras considerações sobre os velhos sy-
comoros — Deserções e despedidas ao abalarmos para oeste — Aperçu
geral do paiz, temperatura c inlluencia da humidade — Um fun-
damento e um cemitério — Rápida idca sobre o modo dos auctores
acamparem no mato — Cambollo o jagga — Etiquetas na banza —
O chapéu do soba — Um boi por um cão. As margens do Lu-i e os
primeiros bao-babs — Conselhos dos guias — Um momento de ancie-
dade— A cobra de agua e feitiços preservativos — Duas sanguesu-
gas e debandada vergonhosa — Ojas^ga dos Bondos e quatro lagoas
salgadas — Um palmipede preto victima da sciencia — Comitivas in-
digênas — Tendência dos africanos para o negocio. Vantagens que
d ahi lhes provém — A peste dos bosques e uma formiga sem igual —
Tala-Mogongo. Seu aspecto e vegetação — Vingança dos auctores.
A vcspera da partida de uma caravana para longa via-
gem é sempre acontecimento notável, a que o leitor po-
deria assistir, se comnosco estivesse em Cassanje na tarde
do dia i8 de fevereiro do anno da graça de 1879, no amplo
terraço da nossa residência, onde tal espectáculo se exhibia.
De dentro dos armazéns haviam saído os artigos de ba-
gagem, que os rapazes azafamados puxavam em todos os
sentidos.
voL. n i
AFRICA CENTRAL
[CAP.
O trabalho começara com afan, acompanhando-o conver-
sação calorosa, animada, jovial, que alguns mais matreiros
sentados nas respectivas malas, excitavam com ditos facetos.
Trocas de cargas, protestos contra o peso excessivo, sub-
stituição de armas, furtos de cordas e correias, emfím a
perda da chave de uma caixa importante, que se tomava
necessário abrir, e que o cabeçudo portador, depois de insa-
nas pesquizas, subitamente inspirado, veiu correndo para nós
a exclamar ttatvez esteja dentro», foram os incidentes ge-
raes.
O sol, avançando, serviu de signat de remate, reunindo-
se em pilha as cargas enumeradas.
Ao chegarmos aos fataes sycomoros sentámo-nos.
Cada um de nós accendeu o seu cachimbo, e dirigbdo
mutuamente enormes baforadas de fumo ao nariz, espeta-
Xiv] B OCCIDENTAL 3
vamos o queixo, conchegando o occiput á gola do casaco,
depois de bem arqueadas as costas, posição procurada por
quem tem para cadeira apenas uma pedra!
Quarenta dias aqui passámos, dizíamos, olhando para a
palhoça, e quarenta planos nos falharam.
O homem põe e Deus dispõe, é um bem certo provérbio
que em Cassanje teve constante comprovação.
Encurralados n'esta misera cubata, onde os fardos e as
caixas jaziam em semi-pittoresca desordem; presos umas ve-
zes pela febre, outras sujeitos a ella, e alem d'isso em per-
manente lucta com os ferozes ma-n'cuba (carrapatos) que
comnosco viviam em commum, não houve contrariedade
que nos não succedesse.
A viagem para leste foi impedida pelos ban-gala, encar-
regando-se a febre de frustrar a outra para o norte; a chuva
impediu as divagações nos arredores; emfim, as entrevistas
com os naturaes cansavam-nos a ponto de ultimamente nos
aferrolharmos para não os receber, porque o orgulho atre-
vido dos chefes se tornava insupportavel.
Cada dia é um aranzel, cada visita uma discussão!
AFRICA CENTRAL [CAP.
Por isso, apesar de Cassanje nSo reputar-se dos peiores
logares em assumpto de recursos, foi justamente o sitio de
que nos apartámos sem saudades, votando-o ao olvido, con-
tentes com esta vingança.
José, um precioso guia que engajámos nos últimos dias,
propunha-se levar-nos por diíferente caminho, através da
Jinga, até encontrar de novo o Cu-ango.
Muitos dos carregadores, porém, que nao sentiam o me-
nor interesse ou admiração por similhantc arrojo, deserta-
ram, e com elles os cabindas que nos serviam.
O guia pôde, apesar d^isso, conseguir vinte e cinco novos
portadores, que foram um proveitoso auxilio.
Ao sol de 1 8 de fevereiro succedera-se a noite, a esta os
primeiros alvores do decimo nono dia, quando uma voz
amiga nos despertou.
— Senhores, sao cinco horas.
Saltando ligeiros aprestámo-nos todos, em seguida a suc-
colenta refeição- em casa do nosso bom amigo Narciso A.
Paschoal, a quem aqui deixamos um voto de indelével re-
conhecimento, após muitos apertos de máo, recommenda-
çoes de prudência e de sentidos adeuses a algumas deze-
nas de jovens, que tristonhas viam com a partida dos seus
esvair-se em fumo os dourados sonhos da véspera, dando
logar a verdadeiros improvisos, como o seguinte:
Umba-ri-amé muene n* dengue la-oendè.
Umba-ri^amé muene n* dengue lo-oendè.
Moi N^jinji.
Era a chorosa despedida que Domingos, carregador, di-
rigia á sua diva Umba, e na qual n dengue (o coração) en-
trava com a maior parte, como o leitor poderá julgar pela
seguinte traducção approximada:
«Umba, senhora e coração meu, vou-me. . . eu N'jinji.»
Depois da vigésima fuga da esposa de Catraio ;o ajudan-
te observador], que, sentado no solo, de cachimbo em pu-
nho, se não decidia a partir, soltou a caravana o seu ru-
V^oi^
(
xiv] E OCCIDENTAL
mo ao oeste, desfilando em longa linha, de cargas ás cos-
tas, apoiadas nas respectivas armas.
Abandonemos pois Cassanje, e seguindo o tortuoso atalho
que primeiro atravessa as ondulantes planicies até ás ser-
ras do oeste, o qual, embrenhando-se nas vertentes d^aquel-
las, se desenvolve na parte superior do vasto planalto, per-
corramos as terras dos ban-gala e dos ban-bondo, no dis-
tricto elevado, até ao concelho portuguez do Duque de
Bragança.
O corpo expedicionário cortava directamente para a
quebrada de Tala-Mogongo, que dista cerca de sete jor-
nadas do ponto em que nos achávamos.
Atravessando perpendicularmente ao seu thahveg nume-
rosos riachos, na maioria aflluentes do Lu-i, uns de curso
impetuoso, margens abruptas de rochas schistosas a des-
coberto, e outros de leito plano alagado em muita extensão,
occultos por capim resistente e cortante, fetos, Papfriis,
Typhas, Nenuphares, VictoriaSy mariangas^ povoados de
rãs que faziam enorme ruido, á similhança do grasnar dos
patos, e de sapos que produziam um tilintar, lembrando
muitos guisos, achava-se a caravana n^uma das mais pitto-
rescas regiões doesta parte de Africa.
Que pena, acrescentávamos mentalmente, que os nossos
poetas e pintores, vendo tantas cousas com os olhos do es-
pirito, não viessem aqui gosar realmente similhante pano-
rama!
Que recursos encontraria n^estas selváticas scenas a ar-
dente e insaciável vontade do artista e do. . .; mas não sa-
bendo de momento se o poeta é artista, suspendemos as
philosophicas considerações, introduzindo-nos pelas estevas
com paladinica resolução!
Sob esta latitude os mezes de fevereiro e marco são os
mais quentes do annb, chegando o thermometro a marcar
3i° á sombra. '
O ar quente e cheio de humidade é então um verdadei-
ro perigo.
•, •^
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"Mjl/^^
AFRICA CENTRAL [CAP.
No mais basto da floresta, o meio saturado de vapor
torna-se quasi irrespirável, e é preciso um verdadeiro esfor-
ço para conseguir os movimentos normaes da caixa thora-
cica.
Sob a sua influencia até os próprios vegetaes soffrem,
encontrando-sc por toda a parte troncos de robustas ar-
vores invadidos por cryptogamicas, em perfeito estado de
podridão. Como consequência d^isto os metaes oxydavam-
se com uma rapidez que espantava, e os canos das armas,
as facas, as agulhas das bússolas, em poucas horas estavam
de todo enferrujados.
O couro amoUecia, a madeira dos instrumentos empena-
va, o papel tomava-se pastoso, as fazendas escorriam agua,
sendo necessário abrir e pôr ao sol os fardos de algodões
e riscados, inteiramente cobertos de bolor.
No homem este desequilibrio da natureza manifesta-sc
então pela dysenteria permanente.
As doze horas do dia 25 o caminho conduzia-nos á frente
da barita do soba CamboUo, chefe de uma das familias a
quem pertence o jaggado.
Momentos antes passámos perto de gigantesco sycomoro,
onde parecia estar funccionando um tribunal.
Era o fundamento.
Julgava-se um assassino, para ser remido a dinheiro, in-
demnisando a familia da victima. Choviam aqui um mu<a-
no^ ali um quttuche, a propósito das causas do crime, e o
accusado ia pagar irremediavelmente.
Deixando a ban:{a ao oeste, dirigimo-nos para uma emi-
nência, que, coroada por botiquet de elegantes arvores, se
nos afigurou o sitio mais apropriado á construcçâo do qui-
lombo.
Começando porém os indigenas a gritar, soubemos en-
tão que ali era o cemitério, facto notável mais de uma vez
comnosco succedido e que nos levou de futuro a fugir dos
logares pittorescos, vista a especial mania dos indigenas em
os escolherem para dominio e residência dos mortos.
Xiv] E OCODENTAL
Desde o começo da viagem adoptámos o systema de
acampar no mato, em arraial feito pela nossa gente.
Era de toda a vantagem esta disposição, porque assim
ficávamos relativamente independentes, e sobretudo livres
da visita e incommodos provenientes da residência nas //-
batas dos sobas.
Entretanto mais de uma vez tivemos sérias questões com
estes senhores para conseguir similhante resultado, ao cabo
porém viam-se elles coagidos a ceder, em presença de tanta
obstinação.
»
N^esse intento, depois de percorrermos a libata, perto da
qual era nosso desejo ficar, avançávamos cerca de meia
milha, e, logo que obtinhamos agua, arriavam-se as cargas
junto da arvore mais alta.
Começava então a faina, que se repetiu tantas vezes
quantas as marchas que fizemos em Africa.
A nossa gente, já habituada e dividida para esse fim,
partia em varias direcções.
Uns, em procura de adequadas arvores, cortavam-lhes
os troncos, e, voltando com elles, construíam os esqueletos
das cubatas, n^um logar previamente limpo. Outros, ageita-
vam os ramos para a primeira cobertura, sendo coadju-
vados por um grande numero, que já ao tempo havia reu-
nido os feixes de capim, para revestimento exterior d'aquel-
les.
Quatro muleques entretinham-se no arranjo das camas,
compostas de capim e folhas soltas, sobre que se assenta-
vam duas pelles de panthera.
Defronte das duas cubatas, Otubo dispunha sobre dois
troncos de arvore, assentes parallelamente, todas as cargas,
em seguida cobertas por encerados que para isso leváva-
mos.
Terminado este trabalho tratavam todos da construcção
dos próprios fundos^ que eram dispostos n^uma circumfe-
rencia de circulo, em derredor das cargas arriadas.
Em duas horas estava tudo concluído.
8 AFRICA CENTRAL [CAP.
Ao tempo já Capulca havia dado começo d installação
da sua cozinha de campo, e cercando-se de dois ou tres
pequenos muleques, no meio de pancllas, cafeteiras, facas,
pratos de ferro, chávenas, etc, procedia á sua limpeza.
Nós, entretanto, determinávamos por diversas observa-
ções as cordenadas geographicas, com suas variantes, fazía-
mos o levantamento da região em que nos achávamos e os
registos e cálculos meteorológicos.
Passava-se tudo isto á carta até ás tres da tarde, hora
geralmente escolhida por nós para a refeição mais importante
do dia.
A pequena caixa que conduzia as chávenas e pratos ser-
via alternadamente de mesa para comida e trabalho.
Sobre esta eram então coUocados dois pratos e dois
talheres, e no chão, em derredor, uma grande travessa de
ferro cheia de infundi, um prato com carne guisada, nos
dias felizes, peixe do rio fumado, nos peiorcs, e cousa ne-
nhuma nos aziagos.
Meia dúzia de pimentas do Chili, jindungo, dispunham o
paladar para similhantes manjares, tornando-o pela sua
forca indifFerente á sensação.
Uma chávena de café e um cachimbo cheio dava remate
a esta scena diurna.
Chegava então o momento das magnas considerações e
do descanso.
Um céu anilado, uma temperatura agradável, a paiza-
gem brilhante e o estômago repleto, convidava-nos a re-
costar na fofa alfombra do capim que por toda a parte
se nos ofierecia, deixando ás auras galernas (na phrase do
poeta) o cuidado de nos rociar as frontes!
Estirados, com a face apoiada no braço, o cotovelo as-
sente na terra, ora scismavamos, admirando o panorama
que se nos ofFerecia, ora discutíamos, quando não nos do-
minava o somno!
As duas horas da tarde fomos introduzidos na habitação
>
do jagga Cambolio.
1
XIV] E OCCIDENTAL
Formosa residência, pela maior parte construida de ma-
rianga junta, perfeitamente entrelaçada de capim, tinha um*
cercado da mesma espécie a resguardal-a.
Os macotas, abrindo e fechando portas, foram successi-
vamente introduzindo-nos.
A medida que avançávamos, parecia que se complicava
a questão, com uma etiqueta mais exagerada.
Olhava-se para os cantos, diziam-se segredos, affirmando-
se com a cabeça, emfim nada se percebia.
Mais dois compartimentos percorridos nos levaram á sala
da recepção, ao meio da qual estava o velho chefe.
Acocorados n'um pequeno banco, observámol-o, deixan-
do proseguir o extenso j{mbolaj7iento com aquella paciência
evangélica de que tantas vezes temos fallado.
O soba c grande, muito poderoso, tudo governa, só elle
manda, pódc matar e fazer a guerra, tem numerosos vas-
sallos, e mil outras prerogativas que os panegyrisias repetem
para grande satisfação e gloria dos respectivos monarchas !
Cambollo é homem de idade avançada.
Envolto n'um longo panno de riscadinho debruado de
zuarte, manilhas nos pulsos e tornozelos, coUar de mis-
sanga e cabeça rapada, tinha um aspecto que não desagra-
dava.
O enorme chapéu de soldado de infanteria portugueza
do século XVIII, mettido ate ás orelhas, dava-lhe um ar bas-
tante grutesco!
Triste, segundo dizia, de nos não poder gratificar ampla-
mente como desejava, fez-nos o pequeno presente de um
enorme boi preto, que, mimoseado com uma bala, não se
decidiu a succumbir, fugindo pelas campinas ad perpetuam
fei memof^iam.
Retribuído com uma dadiva de fazenda, e um pequeno
cão filho de Cassai que nos acompanhava, o qual s. ex.^ o
jagga manifestara desejos de possuir, abandonámos as ter-
ras de Cambollo-Cangonga, proseguindo para oeste.
Defronte cstendia-se a azulada linha das terras alterosas,
IO AFRICA CENTRAL [CAP.
terminando ao norte pelo morro Bango e os cerros do
N'guri, e perdendo-se ao sul nos extensos horísontes, aonde
em Cajinga, Bumba, outro jagga, tem a sua residência.
Ao sueste divisava-se um elevado cabeço.
Era o Cassalla, cuja ascensão só conhecem determinados
indígenas, que encontrando agua na parte superior, d^elle
têem feito em tempos de guerra um verdadeiro baluarte,
considerado como posição inexpugnável.
Transposto o Lu-i, de margens cobertas pelas largas fitas
de Arundo phragmites^ de verdes fetos, de eschinomenes
EH ALONCAIU UHIU AViIHÇÍHO)
e de edemonas, continuámos as marchas por planicies ala-
gadas.
No penúltimo dia do mez de fevereiro, ao noroeste da
senzala Lu-argo, a expedição, acampada, bebia agua do
riacho Muhamba, profunda ravina que as torrentes das
serras conduzem ao Lu-i, saudando o apparecimento de nu*
merosos bao-babs, os quaes desde Quillengues deixáramos
de ver.
A altitude era então de 1:012 metros.
As avalanches de agua, despenhando-se, interrompiam
todo o trabalho de campo.
XIV] E OCCIDENTAL 1 1
Depois de coUocar os instrumentos meteorológicos, ba-
rómetros, thermometros ao ar livre, psychrometros para
avaliar a humidade, observávamos do interior da palhoça
o quadro que diante de nós se desenrolava.
Acabrunhados de fadiga não tínhamos esperança de ver
terminar as chuvas.
Fervilhava-nos na mente a idéa de proseguir ainda a nor-
deste para ver se, illudindo os ban-gala, passaríamos pelo
Holo para o Cu-ango.
Os guias, porém, não cessavam de protestar, asseverando
que tal tentativa não podia ter resultado.
— Em todo ò Cassanje, diziam, se espalhou a noticia
de que os povos do Cu-ango impedirão a passagem dos
brancos.
— Ha pouco um fcbindelle (e referiam-se a Otto Schutt)
12 AFRICA CENTRAL [CAP.
esbarrou no longo com o Calandula do Ca-quilo e o banza
Quitumba-Caquipungo; vós, mais ao sul, estivestes presos
pelo Banza-e-Lunda, em risco de perder os haveres; lan-
çar-vos, pois, outra vez entre esses selvagens, c vontade de
tudo comprometter.
Isto, porem, em nada podia influir no momento em que
um, ficando no campo, o outro buscasse perquirir as in-
tenções dos indigenas.
Organisado assim o projecto, tratava-se de o pôr em
pratica.
No dia seguinte de manhã largava pois um na direcção
dos morros do N'guri, que ao norte se avistavam, e perto
dos quaes o jciggci dos Bondos tem a sua residência.
Transpondo o pequeno plateau do Lu-ango, começámos
a subir e a descer as terras accidentadas que se nos defron-
tavam no meio das maiores difficuldades.
As correntes que vinham da serra pelas brechas feitas
na encosta, saltavam impetuosas aqui e acolá, ora produ-
zindo riachos de leito profundo, ora alagando as planuras
intercaladas e construindo verdadeiros pântanos, onde a
agua nos chegava ás curvas.
Saindo de um vallado profundo, erguiamo-nos ao morro
seguinte; breve, porém, nos engolfávamos no adusto ca-
pim e Papfrus de terceiro, luctando assim com a floresta
e baixa vegetação que tudo envolvia.
Estas marchas em subidas e descidas tinham alem d'isso
muito de insípidas e monótonas, porquanto as paredes das
montanhas nos interceptavam completamente a vista, e só
nas cumiadas descobríamos alguma cousa.
Na margem direita do rio Bale, quando com agua pela
cintura o atravessámos, um dos carregadores esteve a pon-
to de perder-se.
Foi un\ momento de cruel anciedade, a que só os nossos
gritos e a energia dos companheiros pozeram termo.
O infeliz, assentando o pé n^um poço circular e lodoso
de terreno falso, muito frequente nos leitos dos rios panta-
XIV] E OCCIDENTAL l3
nosos, enfiara por ellc, immergindo até ao pescoço e ver-
gando ao peso da carga, via-se em risco de morrer asphy-
xiado.
Pouco depois, mais adiante, idêntico incidente se repro-
duziu, sendo necessárias extremas precauções para avan-
çar um passo sem perigo de ser inhumado vivo.
Os bosques que íamos atravessando eram desertos.
Apenas se encontravam n'uma ou n'outra clareira vestí-
gios de passagem de comitivas, pelos troncos carbonisados
e pedras calcinadas.
Como nos embrenhássemos por meio de uma mata, ver-
dadeiro dédalo de cipós e ramos, onde todas as arvo-
res assentavam os troncos cm raizes descobertas, vimos
com grande espanto os primeiros portadores da vanguarda,
abandonando as suas cargas, partir a correr para junto de
nós.
— Uta-Utãy bradavam todos. Uma cobra, senhor, uma
boa enorme!
Querendo assegurar-nos do facto, avançámos na direcção
indicada, torneando cautelosamente o tronco de uma colos-
sal Hervúniera E„ que jazia em terra decomposto, junto
da escarpa limitativa do riacho de corrente espumante. Pre-
paravamo-nos para observar, quando de improviso saiu por
entre o capim, n''uma ondulação, gigantesca cabeça, depois
enorme corpo, e, revolvendo-se em duas voltas espiraes,
metter-se pela agua. Isto produziu desagradável efleito nos
circumstantes, como sempre succede a quem ve próximo
de si qualquer animal de terrível aspecto.
Era uma uta-ia-maia (cobra de agua), um Najaf?) talvez,
a qual, saltando rápida, se abysmára no fluxo que cobria
o lameiro.
Mas agora ninguém ousava vadear o rio.
Todos viam o monstro apparecer, de guela escancarada,
prompto a feril-os.
Para afastar o reptil, e destruir de alguma forma as in-
fluencias secretas e nefastas do repugnante bicho, asseveran-
14 AFRICA CENTRAL [CAP.
do O successo da nossa passagem, mestre José (Zé assim
lhe chamávamos), recolhendo-se para o bosque, permittíu-
se obsequiar-nos, afastando o animal por um systema com-
binado de feitiços, só d'elle conhecido.
Ao termo de cinco minutos, volvendo da ceremonia, que
terminara por dois estrondosos assobios, declarou poder-
mos entrar n^agua. A meio caminho, porém, um movimento
de refluxo se opera inopinadamente, dois gritos ferem os
ares, todos debandam, e nós mesmos, aterrados, fugimos
também.
Um dos homens gritava:
— Estou perdido ! estou . . . morto !
Mas ninguém queria acreditar que um morto estava de pé;
e passado o pânico, voltámos envergonhados, íingindo-nos
distrahidos, em vista do exemplar castigo que tivera a ridi-
cula retirada.
Duas sanguesugas agarradas ao tornozelo do nosso he*
roe haviam sido a causa da medonha confusão !
A 2 de março, passando na base da serra Catanha, um
portador foi enviado acima, á senzala do jagga, com o
presente do costume, seguindo nós para o nordeste, em di-
recção ás terras do N'ganga N^Zumba.
Este soba não se achava ali, e as informações dos natu-
raes abalaram logo as nossas phantasias, no sentido de pro-
seguir a viagem pelo Cu-ango.
cOs ban-gala não deixam passar», diziam todos; alem
d^isso, o terreno é coberto de agua, onde serpeia o rio Lu-
handa, e tem quatro lagoas salgadas, propriedade do ai-
ludido N^ganga, as quaes impedem a marcha, aíiançando-se
que d^ali para diante o trilho se tomava intransitável, pois
ao longo das escarpas da serra tudo era alagado.
Na descida o portador, na companhia de um bondista,
trouxe-nos uma quinda de fubá, com que nos mimoseavam,
e enorme pássaro (attento o ilosso gosto pela ornithologia),
dadiva aos museus da Europa, fazendo a interrogação:
— No calunga conhecem este bicho?
XIV] E OCaDENTAL l5
Era um grande palmipede preto, de immenso bico como
os tucanos; os olhos lembrando os do camaleão, circulares,
proeminentes e moveis; o corpo como o do pato, mas muito
maior.
Não sabendo se similhante creatura tinha relações natu-
ralistas, suspendemos a replica.
E como a duvida nos salteasse o espirito, não vimos me-
lhor meio, para resolver o problema, do que torcer-lhe o
pescoço em nome da sciencia, e substituindo-lhe as vísceras
por algodão em rama, aguardar tranquillos a resposta dos
mestres.
Conformando-nos pois, tomámos o expediente da prom-
pta retirada, e rodando sobre os calcanhares, partimos por
onde tínhamos vindo.
O nosso organismo empobrecido começou também a pro-
testar.
A 3 prostrava-nos a febre, manifestava-se a dysenteria,
e a ulceração da parte inferior das pernas resistia a todo o
tratamento, de forma que as ultimas jornadas foram um mar-
tyrio.
As scenas precedentes repetiram-se.
Ao terceiro dia de viagem encontrámos uma comitiva de
ma-songo, que se dirigia para oeste com muitas cargas de
borracha e cera, enviadas de Cassanje.
Uma longa fila de homens e creanças, pela maior parte
com um singelo trapo suspenso de cordel que lhes cingia
os rins, e no qual iam mettidos cachimbo, machado, faca,
etc, avançava entoando tristonha cantiga.
De ordinário os rapazes coadjuvam os mais velhos, e é
notável que, recebendo estes cargas de 90 libras, quasi sem-
pre dividem metade com aquelles, chegando um pequeno
a pegar ás vezes em 40 libras.
Triste situação a do negociante por ali.
Apenas acampados, choviam as bolas de borracha, sub-
trahidas dos fardos pelos portadores, que tudo nos que-
riam comprar.
i:) aí"iii«:a «:entral ':ap.
.^xdiain em dcseiori de permutação, e crnno nada conse-
guiirseiii- dispersavam, indo fazer ne;ii:'CÍo peias ríenzalas pró-
ximas, onde loizo sura;iram muitas questões.
Um. que quizera trocar uma espintzarda sem feci:os por
outra no\a, dando cera ou borracha-, alterca'-. a com o com-
prador; outro, pretendendo adquirir :íarapa. era victima dos
componiieiros que lhe bebiam m.etade, e fujpa de cabaça em
punho para não perder o resto; o b«:rb>:'rinho dos p^^ucos
que, tendi) comprad«> tabaco, não pt:diam di\id:l-o entre
si, e accusavam os vendedo-res de cj/::.j;7ir'/ò' ladrões , in-
vestindi;. izrit^uido. correndo, tudo ci}m o rim de tra.icor,
eis o que entJiD se pas:ír.u.
O africani:), na i^eneraiidade. mostra tendência innata para
neiíociar. Bin-bund(^. ban-;j;a!a. ba-iunda. ban-bocdo. todos
sJíD a porrla commerciantes. ^uprondo-íe n'isto tonto mais
perfeitos, quanto mais ladinos e ladrões, considerondo-se
indispensável esta uitima quaiidade.
VL\endo peio ne:zocio e para o nei^oci-:. corre em todos
os sentid-xs en: priícura de mercad-^rias. enviííve^e nas mais
comp-icadas ji:ntri'y. er^ias, em --erios contratos, a que umas
vezes falta, «surrai nlo satisfaz, prodi:^alisando dias e pa-
lavras, o'ATí 'j que náo se embaraça.
As feiras --.u mercad«;s ^i) os iiT.ptjrtantes cenn^os, em que
elle desen- oive tijda a sua presteza e e!«:quencia» e para
onde se dirige em izrandes expedições commerciaes.
Peio caminho pij':v:m vae .sempre negociando.
As mercadorias variam muitij de preço e vendas, confor-
me os terras a percorrer, sendt) fácil por este ou aquelle ar-
tigo determinar appro limadamente o sertão a que se des-
tina qualquer cijmidva.
O indigena tem no negocio tudo a .uianliar, e p<.>ue bem
dizer-sc que sem tai recurso nada seria.
O ci^mmercicí- obrigando-<)s a repetidas ^ iaj;ens* traz co-
mo consequência necessária os relações e contratos com
pov-3s distantes.
F«jrçados a procurar local onde lhes oôereçam os g;eneros
-^
XIV] E OCCIDENTAL I7
mais baratos, para maior proveito tirarem, resulta d"'ahi o
gosto pela especulação e o immediato conhecimento dos va-
lores.
A competência dá-lhes a esperteza atrevida e a dissimu-
lação ladina, que elles, principalmente com europeus, empre-
gam sempre.
É na verdade curioso observar a satisfação com que o
preto entra em negocio á mais leve proposta. Um lenço ou
panno por elle comprado, é logo cedido, se n'isso vir qual-
quer lucro.
No nosso acampamento tivemos occasião de ver, no curto
espaço de vinte e quatro horas, i metro de baeta vermelha
passar por seis possuidores successivos.
Na Africa emfim, ao sul do equador, o commercio é todo
feito ás costas de homens, que juntos em numerosas comi-
tivas denominadas nibjcas no sul, quibiicas no norte, diri-
gidos por um quissongo^ marcham em linhas extensas pelos
matos.
Era uma d''estas comitivas que se achava ali, a qual breve
partiu, deixando-nos a sós e livres de tanta inferneira.
Construído o acampamento, o nosso primeiro cuidado
foi accender fogo para enxugar o fato e prepararmos re-
feições.
As três horas, estando tudo concluído, começaram a dis-
por-se* os instrumentos das observações diárias, thermome-
tros normaes de máxima e minima, barómetros, etc, quan-
do Catraio (a ave agoureira da expedição e encarregado
dos mesmos instrumentos), appareceu declarando que desde
aquella data podíamos considerar-nos sem thermometro
para a terra, porquanto lhe havia esquecido em Casssanje o
tubo de ferro, assim como dois pares de botas! Attribuia
a culpa á esposa, que lhe dera desgostos ao partir, e com
este pretexto se desculpava.
Parecia que todos os nossos artigos (para a terra), seriam
condemnados á eliminação, se a infelicidade de Catraio
continuasse.
voL. n 9
AFWCA CENTRAL
Sid>5titumdo a pnmdrs perda com um tbermometro
para o ar. pensávamos em intlifnr correcnvo ao le^iaDO, se
não podessemos resolver o transtorno da Fcjninda^ qaan>
do vigoroso vespão, frequente □os*bos(]ucs, cujas poderosas
E OCCIDENTAL
'9
mandíbulas causam terror aos indígenas, se lembrou de
apparecer e dissuadir-nos do propósito em que estávamos
de castigar o esquecido, picando o ajudante observador !
É um pouco similhante á Capambo (Dasypogon Capam-
bo?) mosca de boi, mas muito maior.
Ás suas mordeduras, muito venenosas, succedem logo a
inflammação e dores agudas, que incommodam seriamente.
Chamam-lhe os naturalistas Synagris comuta e nós ficâ-
mol-a conhecendo por peste dos bosques!
A 7 de março achavamo-nos reunidos nas margens do
riacho Gamba.
20 AFRICA CENTRAL [CAP.
Um cheiro horriv.el enchia o ar, levando-nos a suppor
ser proveniente da carne em decomposição que já ha dias
transportávamos.
Interrogados, porém, mostraram-nos a causa.
A infecção era devida á espécie original de formigas pre-
tas, de I centimetro de comprido, que por todo o acampa-
mento puUulavam, exhalando horrível fétido ao tocar-lhes.
Ainda náo despontava o dia quando partimos.
Defrontavam-nos as vastas serras de Tala-Mogongo, que
para a planície lançam verdadeiros promontórios, cujas ra-
vinadas espaldas, coloridas pelo oxydo de ferro, similhavam
enormes paredes.
Seguindo o Íngreme e desigual atalho, serpeiando nos
flancos da quebrada, ora seguros a um musgoso tronco, ora
a ramos que se fendiam, conseguimos elevar o nosso redu-
zido peso, através das asperezas que medeiavam entre o
valle e as cumiadas superiores.
No alto das serranias parávamos no intuito de gosar do
esplendido panorama que diante se desenrolava.
A inclinação da encosta era de 45^ approximadamente.
Espessa floresta, verde escura, vestia-a por modo que
nem um palmo de terreno se descobria.
Os próprios troncos dos tamarindos, acácias, mafumei-
ras ou taculas eram invisíveis sob a cobertura da folhagem.
A partir da base da montanha apparecíam, táo longe
quanto a vista podia attingir, as vastas planícies que em
gradações parallelas passavam do verde ao azul, cobertas
ao principio de um labyrintho de troncos, recortadas de
riachos, pairando sobre ellas as ultimas manchas do cacim-
bo, no momento de díssipar-se.
Alguns morros, como o Bango e as serras do longo,
destacavam-se doeste meio, e o sol, elevando-se no azul,
dourava tâo estranha paizagem com as suas ondas lumi-
nosas e transparentes.
Durante meia hora contemplámos em profundo e me-
lancólico silencio os longíquos horisontes.
XIV] E OCCIDENTAL 21
Estávamos, graças ao delicioso panorama, em suave e
feliz disposição de espirito.
O que havia pois a fazer era sustentar-nos quanto po-
dessemos n'essa esphera de satisfação ideal e doce tranquil-
lidade.
Enchia-nos a alma um sentimento indefinivel, e não des-
viávamos a vista das longiquas perspectivas, com receio de
que alguma impressão inferior nol-a destruisse.
Lá ao longe o Cu-ango, as terras do Shinge, os montes
do Peinde, abundando em problemas curiosos e gentes des-
conhecidas, eram por nós observados com saudade.
Assim se passaram dois quartos de hora, que tanto du-
rou a agradável emoção, até se succederem as más dispo-
sições, sempre nascidas de uma natureza revolta.
Ah! ban-gala, infames!
Como se pôde admittir que tantos milhares de individuos
vivam e se conservem avessos a todo o principio civilisado !
Será forçoso acreditar que esta raça miserável é insus-
ceptivel de aperfeiçoamento, e ficará eternamente condem-
nada á miséria, á escravidão, a um meio deletério e rebel-
de, hostilisando todas as tentativas para civilisal-a?
Quem poderá sabel-o?
E erguendo nervosa a dextra, como quem declama, pro-
ferimos do alto da serra uma feia apostrophe!
BOCETA
CAPITULO XV
Limite de Cassanje e uma lucta entre indígenas — Modo de pensar
dos auctores sobre as dissensões africanas — A nascente do Cambo
e a entomologia por estas terras — O erguer do mato e scenas con-
sequentes — Lembrança lamentável do cozinheiro e as maravilhas
naturaes do sertão dos Bondos —A lagoa Utumba e queda desgraça-
da — Fructo inesperado — De como os auctores, de limpos que esta-
vam, se transformaram em dois sórdidos infelizes — Preâmbulos de
fome — O Chiça e N*Dala Samba — Um almoço em companhia — Jo-
sé do Telhado e a mortalidade pelas terras de Africa — Cu-ango
e Cu-anza. Linha divisória de suas aguas — Cha-Landa e exigên-
cias dos pequenos sobas — O ambaquista, traços distinctivos, seus
hábitos, importância, perigosos protestos e recursos — O morro Ban-
go e a ascensão d'este. Max Buchner, o explorador allemão — Uma
celebridade ecclesiastica — O Lu-calla e a cataracta Lianzundo —
Duque de Bragança.
Estávamos pois fora do districto dos jaggas de Cassanje.
Longe dos importunos ban-gala e do terrível clima, por-
quanto, se por estes parallelos a Africa não ganha pela sa-
lubridade, a bacia do Cu-ango deve ser considerada como
pestilencial, havíamos mudado de opinião, e, imaginando-
nos resarcidos das fadigas, occorria-nos a idéa de retroceder.
Breve, porém, renunciámos a similhante plano, convictos
de que não era o momento para valentias, e voltando as
costas proseguimos.
24 AFRICA CENTRAL [c\P.
Todos exprimiam um vivo sentimento de satisfação ao
verem-se livres d'aquelles cuja cobiça e crueldade os tinham
embaraçado por longo tempo, e tremendo pelo regresso ca-
minhavam ligeiros.
€ Vamos ás cabeceiras do Cambo», diziam; e Capulca na
frente, nós na retaguarda, cortávamos pelos macissos de
verdura.
A abundância de planícies pantanosas e de grandes char-
cos é a verdadeira calamidade d''este districto, cujo chefe
principal se denomina N'Dala Quissua.
Ainda não tínhamos andado 3 milhas quando corremos
pelo caminho, em consequência de aíBictivos gritos que
cchoavam na floresta.
Cassai (cadella), adiantando-se ligeira, tomou por um ata-
lho.
Nós, seguindo-a, em poucos momentos encontrámos um
quilombo, pela parte de fora do qual se accumulava nume-
roso gentio.
Era uma quibuca de funantc, que não estava presente,
segundo disseram.
Inquirida a rasão dos gritos, soubemos, após algumas pa-
lavras de preambulo, que os carregadores se divertiam a
infligir castigo a um desgraçado, por não poder pagar certa
divida.
O mais interessante era não ter elle a culpa, pois nos
constou, ao resgatal-o, que um parente ou habitante da sua
senzala, passando pela do credor, havia comido e não sa-
tisfizera a despeza.
O infeliz tinha as costas cm miserável estado, mas ao ver-
nos redobrou de furor, e, correndo para um d^^elles de faca
em punho, travou-se a lucta, ferindo-o seriamente.
A final, apaziguado o motim separámo-nos, trazendo-o
comnosco, como guia, para o ponto aonde nos destináva-
mos, e que elle dizia não ser longe d^^ali.
Nota-se por muito raro ver-se entre os indígenas cicatri-
zes que provem dissensões individuaes entre cUes.
XV] E OCCIDENTAL 2
Ao principio parcceu-nos este caso abonatorio do seu ca-
racter, evidenciando-se a exigua tendência para o crime.
Mais tarde modificámos similhante juizo, após estudo
attento, e convencemo-nos que é um signal da sua inferior
situação.
O indigena pouco pensa nos outros.
O interesse pessoal é tudo, resolvido elle, por qualquer
meio, de nada mais se importa.
D^ahi a circumstancia de haver só rivalidades cm casos
muito especiacs.
O estimulo da dignidade não existe.
Os jogos, as luctas de destreza, que na Europa são causa
de tanta querela, o prurido da distincção, a vaidade de ser
admirado, tornam-se para elles questões à pcu prcs desço
nhecidas.
Doesta forma, achando -se estanques as principacs fontes
d'onde saem os grandes males que envenenam as paixões
e originam crimes, as consequências desapparecem.
O preto pois, sentindo natural horror pelo sangue, qua-
si nunca aggride o seu similhante, não só por falta de affe-
ctos superiores, mas por medo e cobardia.
Submettido porém ao contacto da civilisaçáo, creados os
interesses e estimulos, faz-se muitas vezes assassino peri-
goso.
É por isso que os grandes facinoras derivam principal-
mente das tribus, vivendo entre europeus e nos grandes cen-
tros commerciaes.
A uma hora e trinta minutos do dia 8 de marco de
1879 chegávamos a um vasto juncal, indicado pelo guia
como a nascente do rio que procurávamos.
Installando o abba á beira do charco, dispozemos os ele-
mentos para a longitude e variação, e rilhando uma raiz de
mandioca (invariavelmente exclamávamos «muito se assi-
milha á castanha»), escrevemos o seguinte em nosso diário.
Nasce o Cambo na encosta da serra Catanha, n^^uma
planície encharcada que recolhe as aguas d'esta parte do
20 AFRICA CENTRAL [CAP.
plan'alto superior, e cortando para o norte por entre as
terras de Quifucussa e Catalla Canjinga, penetra na Jinga,
indo a final precipitar-se no Cu-ango, na latitude de 7® 40',
cerca de 7 milhas abaixo da grande cataracta de Suco-ia-
muquita ou Suco-ia-n^bundi^, nas terras do Tembo Aluma,
e acima de duas outras que o mesmo rio possue.
É o segundo affluente do Cu-ango depois do Lu-i, e que
na velha carta está erradamente representado, correndo nas
baixas planuras do longo e Holo com uma direcção média
de nomordeste.
Preparavamo-nos para fazer uma serie de observações
magnéticas no interesse da sciencia (que tanto exige hoje
do viajante), quando a chuva nos demoveu do propósito,
deixando sem muita pena esse cuidado a futuros explora-
dores que por ali transitem e a quem desejámos melhor tem-
po.
Surprehendidos por uma medonha trovoada, seguida de
chuva diluviai, conservámo-nos acampados, com grande sa-
tisfação dos nossos, que, em meio de uma nuvem de espes-
so fumo, enchendo completamente os fundos, passavam de
boca em boca o cachimbo carregado de tabaco, muito abun-
dante nas terras dos Bondos; substituindo-lhes pouco de-
pois a mu-topa, em que se consome a fatal liamba (Canna-
bis sativa).
Os fumantes sentam-se em derredor de um amplo bra-
zeiro, d^onde tiram com pequenas tenazes os carvões para
começar a operação.
O primeiro que a conduz aos lábios, depois de ter quatro
ou cinco vezes aspirado o precioso fumo, estendendo os bei-
ços e chupando sôfrego, desata n'um vivo accesso de tosse,
o qual parece tanto mais satisfactorio quanto mais próximo
esteve da suffocacão.
O cachimbo é logo entregue ao immediato, que continua
o processo e fica estatelado, roncando de modo singular.
^ Suco-ia-n*bundi parece exprimir perturbação da vista.
E OCCIDENTAL
A agua dentro do chifre borbulha, deixando passar as
bolhas de fumo, que produzem ruído especial.
Em breve um vacarme de urros nada permltte ouvír-se.
Os círcumstantes, com a b6ca cheia de saliva, que expel-
tem a niíudo, proseguem na faina, rindo, fallando, excitados
pela acção perturbadora do cânhamo.
Inspira na verdade dó ver similhante scena.
Mas como impedil-a, se para elles é isto um dos maiores
deleites em que podem empregar o tempo?
Ao principio intentámol-o; mas infructifero esforço, por-
que, fogindo para o mato, faziam-no clandestinamente!
Um entomologista n'esta região teria farta colheita.
28 AFRICA CENTRAL [CAP.
Ao terminar da chuva esvoaçavam milhares de maripo-
sas, cujas azas multicores, desafiando a attenção, nos lem-
braram quanto desejaria vel-as o illustre director do museu
de Lisboa.
Ah! se o dr. Bocage o soubesse, nunca nos perdoaria;
e recostando-nos, diziamos :
— A falta de alfinetes será a desculpa.
De um para outro lado perseguiam-nos as já alludidas
Sfiiagris comuta, e os ma-ciinhapamba ligeiros, Odonata
(tira olhos).
Pelos ramos verdes do capim os miKurnliimbia Mautis
(louva a Deus), de mais de i decimetro de comprido, tre-
pavam vagarosos em procura dos próprios ninhos, de en-
volta com os quaes se viam os dos Capata-iéu (borbole-
tas?), construídos de pequenos paus sobrepostos e juntos
pelo animal n'uma bem entretecida teia, que, depois de quei-
mados, apontam-se como bom remédio para os dentes, e
isso mesmo se deduz do nome gentílico, pois iéii significa
dente.
No terreno os gongôlo (Spirostreptus gongolo) arrasta-
vam-se lentamente ao lado de Capricórnios e diversos Sca-
rabeos, entre os quaes viamos os ma-tiitatimoi (Ateuchus
africanus), que em laboriosa tarefa transportavam as enor-
mes bolas feitas da matéria dejectada pelos herbívoros, on-
de guardam os ovos.
As térmites diligentes reconstruíam as habitações.
Arachnidios exóticos como as aranhas de seda ma-vuvi
(Nephita bragantina) balouçavam-se de ramo em ramo, li-
gando com a fina teia amarella as extremidades superiores.
Os activos e obscuros Xylophages minavam até ao âma-
go os nodosos troncos de velhas arvores.
Colossaes tnbangarala (Cicadas)^ cigarras africanas, em
movimento contínuo, atordoavam-nos os ouvidos com o
seu susurro especial, interrompido de quando em quando
pelos estridentes gritos do ngumbe^ pássaro celebre que
julgamos ser o mesmo Corythaix paulina.
XV] E OCCIDENTAL 29
Os originaes ma-ribiindo ou ma-libundo (Pelopceiís spirí-
fexjy cujos ninhos de argilla se vêem por todas as traves
de antigas e modernas casas, onde elles, depois de deposi-
tarem um ovo e o respectivo fornecimento para o futuro
animal, o fecham e abandonam, e que entre varias singula-
ridades têem a de nao se lhes conhecerem fêmeas, pois
quantos se encontram são machos, viam-se esvoaçar por
entre as abdhas c umas pequenas moscas fabricadoras de
mel, verdadeiro flagello dos acampamentos, as quaes acom-
mettem o viajante suado, invadindo-o por toda a parte, de
forma que em pouco tempo o triste assoa-se e cospe mos-
cas, tendo de fugir para não endoudecer no meio da perti-
naz insistência de similhantes bichos.
As seis horas, desapparecendo o sol, a terra em que nos
achávamos immergia na sombra, os insectos rctiraram-se
e tudo entrou em silencio.
Tratando de procurar um sitio enxuto dentro das cuba-
tas, onde podessemos estender os membros fatigados, invo-
cámos o divino Morpheu, solicitando-lhe tranquillo somno.
Accommodados nas pellcs que envolviam o capim, bar-
rete até ás orelhas, cerrando as pálpebras, principiámos a
invariável cantata de roncos, diapasão pelo qual os nossos
companheiros afinavam com decidido gosto, continuando
noite adiante sem notável desharmonia.
Ao ruborisar dos céus, concluindo o innocente passatem-
po, de olhos meio arregalados, dêmos ordem para erguer,
e rcpetiram-se as scenas pittorescas da partida de uma co-
mitiva, cheia de peripécias e mesmo de selvagens encantos
para o viajante, que é d''clles parte integrante.
Primeiro foram os esprcRuiçamentos c os bocejos acom-
panhados de diálogos e risadas a que se seguiu, acto con-
tínuo, o atiçar das fogueiras meio amortecidas, para aquecer
refeição previamente preparada e o enrolar das esteiras-ca-
mas, que com tiras de carne e saccos de fubá compunham
a bagagem do carregador.
O café dos chefes fervia.
3o AFRICA CENTRAL [CAP.
As cargas, tiradas dos montes, eram conduzidas pelos
respectivos donos, que tratavam de as ligar aos tnangos,
amarrando-lhes facas, panellas, etc.
Todos trabalhavam então; susurro geral ouvia-se pelo
vasto campo.
Depois eram dois a discutir, mais um a participar qual-
quer complicação, e emfim o guia, que, chegando-se para
os chefes, vinha receber as ultimas ordens e dar as derradei-
ras informações.
Sobrevindo á ultima hora uma ou outra disputa, tinha de
resolver-se.
A claridade era já intensa.
Milhares de aves enchiam os ares com os seus melodio-
sos cantos.
A cacimba que envolvera o horisonte, agora em largos e
estirados farrapos, começava pelos intervallos a deixar aper-
ceber os contornos das terras distantes, detraz das quaes
se viam os primeiros clarões do astro rei, que n'aquellas la-
titudes, conforme ao norte ou sul do equador, são appro-
ximadamente seis e dez ou seis menos dez minutos.
Tudo estava prestes.
Tomado o café e de estômago quente, nós, no meio do
quilombo, apertávamos as correias da cinta, d'onde pendiam
a cartucheira e a faca de mato.
O cozinheiro entregava os últimos artigos ao carregador
respectivo, as raparigas curvadas, tendo no chão e defronte
as enormes cestas que transportavam á cabeça, punham
ás costas os filhinhos, apertando-os com os pannos.
O sol, galgando pelo cume das arvores próximas, enviava
os primeiros raios, que subitamente illuminavam o acam-
pamento e quanto n'elle se via.
Destacavam-se já alguns vultos em movimento.
Eram os primeiros carregadores que rompiam a marcha
com o guia.
Bem depressa outros se succederam ; uns curiosos ainda
esquadrinhavam o campo com receio de não esquecer ali
IVJ
E OCCIDENTAL
algum artigo ; e em poucos minutos, no local onde tanta gen-
te se agitava, existiam apenas duas dúzias de cubatas meio
derrocadas e uns madeiros reduzidos a carvão, dos quaes
se despedia íiimo azulado.
Embrenhando-nos nos bosques, refeitos de forças, devo-
rávamos o caminho de cajado em punho, fazendo phíloso-
phicas considerações sobre as originalidades da creacão, e
as vantagens de um adhesivo inglez que possuiamos para
os calios!
Estes passeios matutinos por meio das gramíneas carre-
gadas de agua e do gottejar constante das folhas da vegeta-
ção alta, que se transforma em verdadeira chuva quando ha
vento, são pouco agradáveis.
Continuámos porém, alimentando-nos a esperança de ver
em breve tudo enxuto pelo sol, quando) occorreu a Capulca
32 AFRICA CENTRAL [CAP.
uma circumstancia digna da mais seria ponderação; isto é,
que a respeito de jantar para esse dia, tinhamos a escolher,
entre i libra de fubá para dois, ou quantas quizessemos do
embalsamado ar que nos cercava!
— Pois só agora te lembraste? dissemos.
— Só agora! respondeu muito naturalmente.
Que descoberta tão pungente, no meio da floresta, por um
caminho tortuoso!
E a paizagem tornava-se subitamente bella.
O capim desenvolvido, cobrindo o terreno, deixava ver,
brotando do seu seio, os negros troncos das ultimas quei-
madas, onde cousa alguma viamos que se ingerisse.
As lughias colossaes, cujo saboroso fructo verde é muito
apreciado, verdadeiro pára-sol, ao abrigo do qual se po-
deriam recolher centenas de homens, ao lado da mU'an\a
(leguminosa), cuja casca serve para tingir o couro, mas não
para comer, e de exóticas espinhosas á feição da esponjei-
ra, accumuladas de flores, produziam um pittoresco eífeito,
furtando-nos ao menos com a sombra da sua desenvolvida
folhagem á influencia directa dos raios solares.
Pequenos lagos em sítios diversos, cobertos de convol-
vulaceas, liliaceas e outras flores, acrescentavam encantos
á formosura do paiz.
Similhantes curiosidades, poréríi, já não entretinham.
Todas estas maravilhas, mais vivazes, mais frescas que
nunca, eram para nós indiffercntes, absorvidos como está-
vamos na questão de satisfazer o estômago.
Maldita lembrança a de Capulca, diziamos nós, em ar
de conclusão; e emquanto os companheiros se occupavam
a encher os cachimbos, nós, abandonando a paizagem que
deslumbrados admirávamos, tratámos de estudar o meio
de resolver o assumpto, comprimindo o cinturão que em
consequência do vazio ameaçava cair.
O tempo corria a unha de cavallo; não havia que hesitar.
O sol, avançando, dava-nos o exemplo.
A caminho pois.
XV] E OCCIDENTAL 33
Em marcha os negros pensamentos dissiparam-se com a
constante mudança de panorama, e illudindo a fome cami-
nhávamos pelo trilho plano e horisontal ladeado de flores-
tas, distrahidos, attendendo ora ao cachimbo, ora ás aspere-
zas do terreno, onde uma topada era sempre presagio da
banal exclamação.
Que excellentes botas!
Não duraram por muitas horas estes passatempos: suc-
cesso inesperado nos apanhou de súbito.
Uma milha adiante encontrámos immensa campina en-
charcada, verdadeiro lamaçal, que o guia disse chamar-se
Utumba.
Quando chegámos ali, um atascou-se até aos joelhos e o
outro, falhando-lhe o pé, caiu estatelado, sujando a figura
toda.
Que desagradável situação, caro leitor, é moldar a cara
na lama!
Narinas, boca, tudo em misero estado!
Soprando pelas ventas para sacudir o lodo, limpávamos
a boca litteralmente cheia, e abrindo um pouco os olhos,
por onde descobríamos as risonhas caras dos companheiros,
desesperámos primeiro, suspirando depois por uma banheira
no hotel Central!
Emfim salta aqui, escorrega acolá, fomos proseguindo.
Nada havia de comer, pois nem sequer encontrávamos
uma senzala.
As quatro horas acampámos abatidos pelo cansaço.
Apenas installados, Capulca (o homem das descobertas)
dirigir a-se meditativo para a margem do riacho próximo.
Não tinham decorrido dez minutos quando o vimos vol-
ver radiante de alegria.
De nariz no ar, mostrava-nos alguma cousa, que a dis-
tancia não permittia reconhecer.
A final approximou-se, e arriando um volume deixou-nos
ver no amplo bonet uns fructos amarellos, á similhança da
nespera da Europa.
VOL. II 3
34 AFRICA CENTRAL [CAP.
Maravilhas do acaso.
Sem dizer sequer uma palavra, lançámo-nos a elles e de
boca cheia apontávamos para a arvore mãe, indicando
aos muleques uma nova recolte, o que foi executado prom-
ptamente.
Estes, por cada três que apanhavam, comiam dois, de for-
ma que, a meio caminho de encher o estômago, só encon-
trámos os despidos galhos.
Entretanto sobreveiu a noite, accenderam-se as fogueiras.
Seriam oito horas, accommodámo-nos nas palhoças, para
repousar, quando uns estranhos ruidos nos chegaram aos
ouvidos.
Eram ais afflictivos e suspiros como de quem faz um
esforço, depois sons roucos, tumultuosos, originaes; dir-
se-ía estarmos junto de vasos que se enchiam ou despeja-
vam, emfim de cousas inexplicáveis.
De pescoço espetado e ouvidos attentos, não podiamos
atinar com a causa; mas levando as mãos ao ventre, soltá-
mos dois enormes gritos, partindo quasi ao mesmo tempo
pela cubata fdra.
O escuro envolvia tudo.
Proseguiamos desvairados na vertiginosa carreira quando
tropeçámos com dois vultos de cócoras. Nem tempo houve
de exclamar «quem está ahi», e dando uma viravolta esten-
demo-nos no chão!
Um cheiro atroz enfrascava o ambiente; das nossas mãos,
casacos, etc, exhalava-se inqualificável fétido.
Terrivel noite!
Foi então que se nos aclarou o mysterio.
O cozinheiro (um dos vultos com que esbarráramos), os
muleques e alguns dos carregadores, eram victimas da in-
gestão excessiva do fructo descoberto, e em vasto circulo,
em derredor do acampamento, viam-se obrigados a depor
um alimento com que o tubo digestivo não sympathisava !
D'ahi o coro de suspiros e ais, os rumores estranhos que
tanto nos espantaram.
XV] E OCCIDENTAL 35
D^ahi também esses desagradáveis odor e tombo, cujas
consequências, pouco aromáticas, por muitas horas se fize-
ram resentir.
Nefasto dia, que devíamos marcar com uma cruz preta,
resultando augmento da fome, e vigilia durante a noite, na
laboriosa tarefa de nos beneficiarmos.
Uma corrida bastara para operar esse contratempo, e
dos dois chefes, mediocremente limpos, fazer dois pobres
diabos em lamentável estado !
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Repetindo as abluções até ao romper do dia, partimo'^
estonteados de mão no nariz e outra no ventre, amaldi-
çoando a frondosa arvore, que, ^aciosamente debruçada
sobre o curso de agua próximo, fora causa de tanta desgraça,
e depois de classificarmos sitio funesto o rio Gu-iji, desappa-
recemos no espesso dos bosques.
Agora, porém, decididos a encontrar pousada, apertáva-
mos a marcha, conformando-nos com as disposições do Al-
tíssimo.
3b AFRICA CENTRAL [CAP.
José, cujo estômago, por necessidade ou sympathia, ron-
cava como os nossos, afiançava- nos que n^^essa tarde se en-
contrariam os estabelecimentos de N'Dala Samba, onde elle
tinha até um . . • tio, revelação extraordinária com a qual
nos redobrou as forças!
Effectivamente assim foi, e após 7*/^ milhas de marcha
passámos no Chiça, levantando a final o bivouac em N^Dala
Samba, junto de duas feitorias, e ahi se compraram logo
mantimentos.
Tínhamos emfim de comer, a questão era preparal-o.
Para mitigar o aborrecimento da espera, e bem dispor
o appetite excitado pelo jejum das vinte e quatro horas an-
tecedentes (se não fossem os fructos), sentámo-nos, cortando
pausinhos emquanto o tio do nosso guia, a quem previamente
fomos apresentados, nos contava umas historias semeadas
de episódios da vida do mato, que por extremamente fres-
cas não reproduzimos aqui.
Depois Gapulca soltou o brado « está prompto » .
Costas ao narrador, observámos attentos.
Com que emoção nós viamos, no meio dos cachões da
fervente agua em redemoinhos e voltas, duas brancas e bem
depennadas gallinhas, apparecendo e mergulhando!
Ah! estômago, estômago, quão exigente és!
Mas como são grandes também as sensações que nos pro-
porcionas, as quaes apesar de ligadas á matéria, em nada
cedem ás do espirito!
Em dez minutos tudo havia desapparecido, com grande
espanto de José e seu respeitável tio, que de olhos arre-
galados, alongando o pescoço, olhava para o fundo da pa-
nella, a qual maliciosamente lhe ofFerecemos vazia!
No trajecto ate õ ultimo arraial encontrámos frequentes
sepulturas de portuguezes e africanos, attestando por aqui
evidente dificuldade de existir, não longe de uns poucos
estabelecimentos, onde agentes das casas, de Malanje se
adiantam á porfia no caminho, com o fim de serem os pri-
meiros encontrados pelas comitivas.
XV] E OCCIDENTAL Sy
No Chiça, em meio de uma pequena aldeiola, visitámos
o tumulo do notável facinora portuguez José do Telhado,
cuja reputação de valentia ainda hoje se conserva nos indi-
genas. A sepultura, cuidadosamente tratada pelos últimos
dos servos, achava-se cheia de flores e coberta de artigos
diversos.
A mortalidade n'esta quadra é espantosa.
A influencia miasmatica não parece influir com a mesma
intensidade em todas as epochas, e isso bem se compre-
hende.
No tempo das chuvas a temperatura elevada não só faz
que as emanações do solo sejam maiores, mas transpira-
se abundantemente, bebe-se mais e a absorpção é conside-
rável. Perturbado assim o organismo, manifesta-se a doen-
ça mais enérgica e perigosa.
Em Gassanje, durante a demora ali, vimos succumbir
três negociantes, dos quaes um europeu.
Em Malanje, uma casa com delegação em Gassanje, que
tinha sido fundada por três associados, fechara pelo mo-
tivo da morte de dois.
É triste, mas convém dizel-o : as condições de habitabili-
dade por aqui não satisfazem as exigências europêas.
Estávamos nas linhas divisórias das bacias do Cu-ango
e Gu-anza.
Ao norte Camicungo despeja as aguas no Gongo-Zaire,
a leste o Gamoaxi corre pelo Mucari para o Gu-anza.
Fornecida a caravana, e depois de uma digressão feita ao
Sanza, seguimos a sudoeste.
Estávamos no concelho de Malanje, que queríamos atra-
vessar para ir ao Duque de Bragança, d'onde tencionáva-
mos internar-nos de novo nos sertões.'
Bosques totalmente fechados, appareciam a espaços, co-
bertos de agua, com pequenas clareiras ás vezes alagadiças.
Abundavam pistas de caça, mas não se via uma peça;
as perdizes e rolas, comquanto frequentes, eram em extre-
mo desconfiadas.
38 AFRICA CENTRAL [CAP.
Os pequenos sobetos visitavam-nos aos milhares.
Um d^elles, Cha-Landa, teve comnosco séria questão.
Por mero capricho phantasiou este senhor possuir um
casaco dos nossos, e em marchas e contra-marchas exigiu
do interprete que lhe fizéssemos a concessão.
Irritado com a recusa, esbracejava no quilombo, sendo
necessário pol-o fora pouco airosamente.
Ninguém pôde imaginar a serie de pequenas dificulda-
des e exigências com que o explorador tem de reagir por
aqui.
A vista das fazendas, despertando geral cobiça, dá livre
curso a todo o género de tentativas enganadoras.
Mal surge a comitiva n'um ponto qualquer, apparecem
logo sobetos, séculos, delegados doestes, parentes d^aquelles,
com dadivas insignificantes, como por exemplo dois ovos,
pedindo peças de fazenda.
Muitas vezes o soba, que entra com uma farda de capi-
tão do exercito, é um simples soldado com baixa da se-
gunda linha que o governo de Portugal tem em Africa.
Sem embargo apresenta-se vaidoso, possuindo-se do seu
papel, cercado de grande caterva, e invariavelmente segui-
do por uma espécie de secretario ou rufião, ladino e esper-
to, que sempre se escolhe entre ambaquistas.
E agora que chegámos a este ponto, digamos duas pala-
vras sobre esta notável tribu, laia de bohemios de Afi^ica,
os quaes se encontram por todo o interior, continuando a
caminho de Malanje. •
O ambaquista é a alma damnada do sertão.
Um dos modos seguros para o conhecer consiste na toi-
lette sempre extravagante; outro, nas marcas de bexigas que
geralmente tem no rosto, as quaes então fazem d'elle ver-
dadeira peste.
Um ambaquista bexigoso é mais ladino que uma raposa.
O que apresentamos ao leitor é endinheirado, negociante,
velhaco encanecido em batotas.
Profundo conhecedor das tendências do indígena, entra-
XY] E OCCTDENTAL $9
lhe pela senzala, cría-se uma posição, capta as boas graças
de todos e principalmente dos régulos, decide questões,
sustenta o conceito de sábio que d'elle fazem, contando-
Ihes historias sobre os costumes e hábitos dos europeus, dá^
lhes uns lampejos sobre religião e manifestações externas do
culto doesta, e fazendo volver todas estas circumstancias
em seu proveito, escreve-lhes cartas como complemento.
O ambaquista escreve !
40 AFRICA CENTRAL [CAP.
É tal a mania pela leitura e escripta (resultado indubi-
tavelmente de influencias missionarias), que em marcha leva
sempre dentro da pequena mit-hamba um tinteiro, uma
penna e duas ou três folhas de papel, servindo-lhe isto no
interior para escrever a mit-canda (carta) a um soba, pela
qual exige 2, 3 e 4 jardas, e junto das auctoridades para
lavrar protestos e manifestações contra elles.
Chega isto a extremos de verdadeiro furor.
Seis ambaquistas, reunidos em conselho, fazem pelo me-
nos um protesto cada semana.
A propósito, ouvimos contar algures uma historia digna
de mencionar-se.
Cinco d'estes, havendo redigido extensa representação
contra certa auctoridade, trataram de assignal-a.
Suscitando-se grave debate, pois que nenhum queria ser
o primeiro a firmar por seu punho tal documento, com re-
ceio de ser preso como iniciador, pensaram elles no modo
de resolver a intrincada questão por forma que nenhum
apparecesse em cabeça de rol.
Reunidos pois, matutando, discutindo, entrechocando-se
alvitres (porque ninguém como estes senhores tem mais fácil
loquela), estavam para annullar o protesto, pela difticuldade
de encontrar o a: do problema.
Emfim, após maduras considerações, acharam solução
satisfatória: inscrever as assignaturas em circumferencia de
circulo!
Estanrios juntos á villa de Malanje.
Ao sul ficava-nos o morro Bango, perto do qual estabe-
lecemos arraial, para gosarmos algum tempo de descanso e
fazer a ascensão do cerro, no intuito de operar um tour
d^horison.
Como o denso mato da encosta impedia o transito, os
dois primeiros dias foram destinados a abrir caminho para
a parte superior, faina em que se empregou toda a nossa
gente.
Mais desembaraçados e tranquillos, preparámos a baga-
XV] E OCCIDENTAL 4I
gem scientifica que havia a transportar, para depois se pro-
ceder aos trabalhos necessários.
Ao terceiro escalou-se.
No cimo sentámo-nos estafados.
O peito soprava-nos como o folie de uma forja.
Admirando o espectáculo que sempre encanta quem,
achando-se n"'uma planície, se eleva em poucos momentos
de 800 a 900 pés, contemplávamos as verdejantes planu-
ras onde serpeia o Cu-anza, do meio das quaes viamos
erguer um morro que torneia pelo norte.
No horisonte de oeste projectavam-se altivos os pene-
dos de Pungo N^Dongo, similhando as cúpulas de gigan-
tesco edifício, ao noroeste os montes de Ambaca, ao norte
a serra Muhunzo, ao sul a villa de Malanjc, tudo successi-
vamente marcado pela agulha azimuthal e recebido pelo
papel quando esta desceu.
Na manhã seguinte, 19 de março, achavamo-nos á porta
da barraca, desenhando o retrato de mestre José ;o guia),
de pé, com o largo chapéu e embrulhado no matutino co-
bertor, a quem o tio, ao pegar-lhe, admirava de pernas para
o ar (modo que nós considerámos assas extraordinário de
aperceber perspectivas), quando subitamente nos appareceu
na clareira do arraial um cavalheiro europeu, montado em
boi-cavallo e seguido de dois ou três pretos.
Dirigimo-nos para o desconhecido, que, apeando-se de
um salto, se encaminhou também para nós.
iQuem será»! Eis o que mentalmente perguntávamos a
nós mesmos, vendo por aquellas alturas um homem, cujo
typo alourado denotava ser oriundo do norte da culta
Europa.
Isto se encarregou elle de nos dizer e aqui repetimos
ao leitor.
— Sou o dr. Max Buchner, explorador allemão, enviado
cm missão especial ás terras da Lunda, onde devo encon-
trar o Muata-Ianvo. Acho-me em Malanje, completando o
pessoal e á espera de alguns objectos que commigo devo
42
AFBICA CENTRAL
[CAP-
transportar. Soube do vosso apparecimento aqui, vim com
o duplo intento de vos conhecer e de escalar o morro que
temos em frente, idéa suggerida desde o ingresso n^esta
terra.
Convidando-o a almoçar, acercámo-nos da caixa do ran-
cho, onde os muleques nos serviram do melhor que havia,
conversando por espaço de uma hora em tudo quanto a
Ri
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imaginação podia suscitar a três homens n^aquellas cir-
cumstancias.
Vantagem d'estas bússolas, bom emprego de certos theo-
dolitos, processos directos para a determinação de longitu-
des, dificuldade de transportes no mato, noticias da velha
Europa, decidido interesse dos seus povoadores pela Africa,
influencia nefasta do clima, modos de preservar das febres,
XV] E OCCIDENTAL 43
foram outros tantos pontos sobre que versaram as nossas
considerações.
Depois Buchner, partindo com um guia que lhe ofFerece-
mos, subiu ao cerro pelo caminho por nós feito.
Ás quatro horas regressou.
Devorava-o uma febre de escaldar, sendo necessário se-
pararmo-nos sem demora do delicado hospede.
No arraial continuámos alguns dias em trabalho e ouvin-
do historias, das quaes a mais digna de reproduzir-se é a se-
guinte.
Esteve por aqui um celebre ecclesiastico (suppomos não
ser portuguez), cujo nome calamos por commiseração, o qual
praticou, segundo nos disseram, extraordinárias proezas.
Em toda a parte nos fallavam de tal creatura.
Parece que o nobre catechista intentava estabelecer o
culto de Baccho, moldado por elle, sectário acérrimo, e
como encontrasse, em vez de catechumenos, velhos useiros
e competidores despeitados, recorria ao cacete !
Os indigenas, arreceiando-se do enérgico processo, afasta-
vam-se á sua chegada n^um raio de muitas milhas, deixando
divagar o digito pastor de sotaina, lenço na cabeça e botija
debaixo do braço.
Chamavam-lhe N' ganga-ia-puto (feiticeiro do branco), e,
exagerando a sua malefíca influencia, fugiam apenas podiam
lobrigal-o.
Felizmente, como a aguardente escasseasse, esfriou o
zelo do missionário, que, depois de maduro exame da si-
tuação, concluiu ser ridículo e inglorioso arriscar-se ao mar-
tyrio da falta de álcool pela tola e insignificante satisfação
de quatro baptismos e três chrlsmas.
Em vista d'isto poz-se a caminho do litoral, onde o rhum
nunca falta, marcando n'esse trajecto angustioso cada pou-
sada com uma bebedeira.
Que estranho modo de propagar a fé, esgotando garra-
fas, e quanto perigosas são para ella estes pseudo-missiO'
naríos !
44 AFRICA CENTRAL [CAP.
Recebida uma encommenda feita ao chefe em Malanje,
partimos.
Ladeando as montanhas que nos íicavam á direita e dei-
xando á esquerda uma immensa planura cortada por mui-
tos riachos de margens pantanosas, onde as aves do céu
e as bestas da terra (na phrase do mystico) podiam saciar-se
á vontade, percorremos em seis dias pela orla do concelho
de Malanje a distancia ao Duque de Bragança, dormindo
hoje perto de uma aldeiola (na qual um soba com uniforme
de soldado hespanhol nos apoquentava), amanhã no mato,
outro dia na margem de qualquer rio.
A 28 de março divisávamos pela primeira vez o rio Lu-
calla, na habitação do Calandula, perto dos rápidos Faba,
onde a montante está a grande cataracta Lianzundo, for-
moso lençol espumante de 3o metros verticaes, entretendo
uma primaveral vegetação nas empinadas encostas, ao fundo
das quacs distinguimos um bosque de laranjeiras que apre-
sentámos na gravura e visitámos a 29. No dia 3o avistou-se
a fortaleza do Duque, sendo-nos feitas as honras receptivas
pelo chefe portuguez, o capitão A. Silvério, bom e sympa-
pathico velhote, cansado e gasto no serviço do seu paiz.
Em três horas construiu-se o quilombo^ recebendo o convite
para jantar.
E entrando na residência, eis o que vimos n'um breve
relance :
Uma vasta varanda, á similhança das dos tembés árabes,
defrontava para o pateo interior, ficando ao fundo a cozi-
nha, defendido por bananeiras e estacas, onde corriam
meia dúzia de muleques, rodeiados de dois porcos, dez
gallinhas, um macaco, uma gazella e um papagaio.
Do lado opposto eram os quartos de domicilio.
Servindo alternadamente de sala de conversação e jantar,
achavam-se n^uma comprida mesa, coberta de alva toalha,
oâ respectivos pratos alinhados, contendo iguarias fume-
gantes e duas bojudas garrafas de vinho postas em diago-
nal.
«j siz=Dtaitz ssm:jc ts^jv^ o — urc; i. ntsnucx. mm.
^^ ^ jmc SI THTí. -n-.Ti. ; unu. me tex ã; Kcí^tío;
líDJDiã- 5ii=:a=iiai-=c iHiiK -j sam iratrs^ Dnaj^niruí-se
CAPITULO XVI
De xxrro para o ieráo — At zziirzfn^ ào L:xa?J:a t isna critâca dít-
psta — U^ s:Õ2 rnarcerifiríro — Caieco o cafaior... de esposas — A
Jrr.ga. 5^:15 r^'tg? c rrronaríria — O rcL trn^crs c resâifnrâa — E»-
calas lig-^arr"-"r?5 — >5of-> cripn^ de iifCr£b:dr a proprSeáadc —
O iRJlayfu^írv £5 '•i3-Tà£r£'<j e 2 pcjinz^Oi M~co-N'Goila oe Moca-
N'Go'la — Pfrtsad:/5 nccsTsit c a al££bc£ra ir~:h£T*Q — A beira da
serra de Cai*:il3^ PLUosccbâcas cr^cKderacóes dc»5 «inares e acca-
Tel cç^ZfZZ) fe -j=ia vr.r^.a azij:>rosa — Pei:::ihrr5a e :Jtrna ques::áo
i:'e&e dia — Aí^ trocrpat de zr^erra e o svrmo dos £::.nares — Rique-
za r-.lr^irr^ da Jírxa- 05 ;:& — ^r^ e as bírhafò» d" ai: — TeurpesLade
i»s i:o5c:ierf e orrra deserção de carrejxdores — Hifr.csias de Ca-
p«ulca e o ::crrll de talttadcret — Ur^a p ^p^-^a 5o diário e "i^sa
dará — CLe:z2Ld£ a Caf-riils^
\lmc c qiiatro áías se passaram desde qiic vos ddxámos.
Idtor. ao }cjxx2i. rtpeiindo-se as iD£sn:kas yrras agoardai}-
do em soce2;o a cessação das druvas: unias vezes absor-
vendo qmmao. oirtras de cama. sem ver céa Dcm icna-
EstaiDCfs a 2*i de abriL predsankeiíte qumhcstos triíita e
dois dias do afasiameiíto de Btn^úitÚ3^ aiiteve^>e7a da ikos*
sa saída para o Bcune. Os plt:nv>s choques não nos tmham
abalado as di«poiár.6es«
Deiermnados a oppor coosxasda is di^culdades que
sobiie%7»isem, coc^fádeTaraiix» cmpmhaíia a hoora e a di-
48 AFRICA CENTRAL [CAP.
gnidade na resolução do problema, preparando tudo para
uma breve partida.
Dependia isto só da mudança do tempo.
A fim de chegarmos novamente á bacia do Cu-ango era
mister atravessar grande parte do reino da Jinga, de que os
informadores nos haviam feito as mais exageradas e dramá-
ticas descripções, com relação ás exigências e tyrannias do
monarcha.
Habituados, porém, não lhe demos credito, apressando
os successos.
Assim, ao romper do dia 28 de abril de 1879, ^^^ ^^^
esperarmos a appetecivel hora do almoço, dirigimo-nos para
a margem do rio, onde tínhamos ás ordens uma miserável
canoa.
As margens do Lu-calla são quasi todas cobertas de pân-
tanos, e portanto foi necessário o transporte ás costas, para
o que se oífereceram logo meia dúzia de naturaes.
Um reforço era sempre vantajoso, e portanto acceitou-sc
a proposta dos indígenas, ofFerecendo o guia, como retri-
buição do trabalho, 2 jardas por cabeça, com o que elles
plenamente se conformaram.
Somente a meio do serviço, entre atoleiros, como a re-
muneração estipulada lhes parecesse medíocre, estiveram
para arriar.
Na Europa, em casos similhantes, as partes contratantes,
depois de disputarem sem chegar a accordo, teriam na-
turalmente invocado a escolha de um terceiro arbitro que
levasse a questão perante os tribunaes. Ali, porém, as cou-
sas passaram-se de outra forma, e até nos ameaçaram com
o risco de morrer entre a lama!
Emfim, lá fomos pelos matagaes e lameiros, promettendo
mundos e fundos, até que conseguimos pôr os pés em terra
firme. ^
Estávamos perto da habitação do soba Zundo-ia-Faco^
para onde entrámos de turbilhão, seguidos pelos imperti-
nentes jingas.
XVll E OCCIDENTAL 49
O chefe, que logo reconhecemos pelo roto barrete, acha-
va-se acocorado no meio do largo, aperfeiçoando as costas
de uma tosca cadeira por elle organisada.
S. ex.* tinha queda para marceneiro.
Tirando-lhe delicadamente da máo a tripeca, sentámo-nos,
dispostos a fazer um discurso em defeza própria, deixan-
do-lhe a liberdade de aproveitar-se do solo, levando duas
horas para re>olvcr o litigio relativo aos bucephalos, e a
final tivemos de pagar 3 jardas a cada um.
A 3o de abril tinhamos construido o quilombo^ perto da
habitação do Cjz/iti-ria-Legho, quando um homem se nos
apresentou para guia.
Como o examinássemos dos pés á cabeça, elle, tomando
assento, começou a contar a bua historia.
Com facilidade natural de linguagem, e também de ges-
ticular, proferiu em dez minutos um milhão de palavras,
que comporiam pira cima de cento e cincoenta orações,
no meio de profundo silencio, observado por deferência e
pela especial circumstancia de nada percebermos.
Quando terminou o aranzel, foi-nos feito o seu resumo.
Era, segundo dizia o homem, muito conhecedor de ca-
minhos e sobas, o mais desinteressado de quantos seguiam
a profissão í^caçador que adoptara por gosto, d''onde pro-
vinham muitas vantagens, e a prova consistia no grande nu-
mero de suas esposas, espalhadas por diversos paizes, lou-
cas por elle, e vivendo em perfeita harmonia.
O seu aspecto débil, e rugoso, deu-nos uma alta idéa da
pouca exigência das damas africanas!
Disse-nos que n''aquella mesma occasião. Já aborrecido
de uma bella com quem vivera (Jurante as chuvas, se de-
cidira a ir passar a sécca no norte, muito longe, em com-
panhia de outra que ha um anno não via, para seguida-
mente substituir por terceira, etc.
— Muito bem, interrompemos, se o numero de esposas
c n'esta terra garantia de seriedade, ninguém ha mais serio
do que esie sujeito.
voL. n 4
5o AFRICA CENTRAL [CAP.
Um sobrinho que estava ao lado, sem embargo de não
ter comprehendido a nossa reflexão, acenava afíirmativa-
mente com a cabeça.
— Já que tu conheces tão bem o paiz, faz-nos o favor de
dizer qual é o melhor caminho para as terras do Hungo.
— Cortando por aqui (e apontava para o oesnorueste),
iremos pela serra Catanha entrar justamente em mau sitio,
porquanto lá se encontra o Quinbungo Quiassama, que é
um tyranno. Do lado nordeste teremos o Tembo Aluma,
ainda peior. Assim, aconselho como mais rasoavel ir direito
á corte do rei.
— A corte do rei?!... Decididamente, observámos nós,
este maroto começa já a enganar-nos. Mas vá! Cumpra-se
o alvitre.
E despedindo-o, acrescentámos:
— Amanhã partiremos para o norte, estás engajado; ao
romper do dia, aqui.
Dois calungas trocados pozeram remate á entrevista.
O homem retirou-se pouco depois, ficando nós frente a
frente com o soba do logar, que nem pio soltava.
Como nada tinhamos a dizer, démos-lhe 6 jardas, safan-
do-nos para os fundos, a fim de redigir as colhidas noticias,
e em somno profundo deixámos acabar o mez de abril, da
agradável primavera na abençoada pátria.
Estávamos em pleno reino da Jinga (do qual uma rainha
figura nos sonetos de Bocage), hoje verdadeiro reflexo das
grandezas de outr^ora, dividido em três provindas, Sussa,
Danje e Dongo, a que annexaram ultimamente as terras de
Matamba.
Tem por limites a leste o Cu-ango, a oeste Lu-calla, ao
norte Hungo e ao sul Holo.
A sua importância commercial é quasi nulla.
A Jinga, como todas as nações velhas e caducas, deixa-
se escorregar pela inclinada senda que a conduz á aniqui-
lação, fraca, perdida.
O autocrata da Jinga é conhecido pelo titulo de rei, de-
XVI] E OCCIDENTAL 5 1
signação que nos pareceu assas pretenciosa, porque tal per-
sonagem pouco differe de um carregador de typoia.
Denominatn-se os monarchas sempre N'golas Quilluanjes
Quissambas, tendo porém o seu nome especial, que o de
hoje diz ser Calunga N'Dombo Acambo.
Reside n'uma senzala pomposamente intitulada cÔrte,
cercado de muitos vassallos, duques, condes, marquezes,
que elle explora em proveito próprio.
A Jinga está dividida não em feudos, porque ninguém
d^elles é senhor directo, mas em muitas propriedades, cujo
usufructo aufere qualquer vitaliciamente, e que depois o
monarcha se reserva o direito de empolgar ou ceder a va-
lidos!
A concessão faz-se, segundo a ordem do valor, a indivi-
duos que por esse facto têem importância e designações
diversas, constituindo assim a escala hierarchico-social com-
plicada, a qual passámos a descrever.
Os primeiros são os viindas (espécie de duques), depois
52 AFRICA CENTRAL [CAP.
OS caudas (talvez condes), qmlluajijes, fundos, dambis, ca-
pelles, catecoSy ngola-n boles (espécie de secretários), ma-
iomuiumoSy etc, que nas terras cedidas, rodeados de escra-
vos, compõem o séquito real.
Quando morre qualquer doestes senhores, não pódc o pa-
rente succeder-lhe immediatamente, e isto pela simples rasão
do monarcha não permittir, visto interpor-se quasi sempre
um ambicioso, que, por mais endinheirado, tenta prejudicar
o natural proprietário.
Estabelece-se então a demanda, de que o chefe supremo
se aproveita, decidindo a favor de quem lhe dá mais.
Não querendo perder de todo o tempo que levam estas
questões, conserva o celeberrimo rei vastos arimos em re-
dor da corte, obrigando os litigantes a cultival-os emquanto
ali se dernoram, isto a pretexto dos futuros terem meios de
subsistência.
Começam então os pretendentes a trabalhar e a reunir fa-
zenda necessária para preencher a cifra que lhes indicam, e
como frequentemente esta augmenta cada dia, detem-se o
espoliado ás vezes seis mezes n'*esse sitio.
Emfim, após mudanças de resolução, decisões frustradas,
termina o pleito, e o vencedor é imdado (investido ou ajura-
mentado), recebendo uma ma-hinga^ (manilha), a qiii-jiuga
ou ca-jinga (barrete), com a declaração de vunda ou cattda,
e pôde a seu turno esbolhar os subalternos (a que elles com
galanteria chamam conceder m'pembas de ma-tomuiumo,
n gol a-tt' bole, etc).
Tirará então a qui-jmga só defronte do rei, a quem coni-
primenta sempre conforme o estylo da terra; isto é, esten-
de-se de costas, e, volvendo-se para tocar o chão com os lá-
bios, bate as palmas e começa a arenga.
Pôde antepor ao próprio nome o termo calunga, signifi-
cativo de fidalgo, assim como o monarcha usa de mueniche.
1 Parece que no singular devia dizer-se qui-lunga; como porém nun-
ca o ouvíssemos, deixámos ficar assim.
XVI] E OCCIDENTAL 53
Emfim, voltando para o novo domínio, é senhor de tudo
quanto lá se contém.
Os jingas denominam-se Muco-N^Gola ou Mona-N^Gola.
No geral são elegantes, bem conformados, mas franzinos,
de cor carregada e uniforme.
Têem extremo desvelo nos penteados, assas variáveis,
compostos de um apanhado de cabello na parte superior da
cabeça, guarnecida de bandós, tranças, rufos, pennachos,
com enfeites de latão em forma de espiraes, chapas do mes-
mo metal, coralina, missanga, etc.
A propósito vem um detalhe interessante : é o da algibei-
ra!
Os jingas usam a algibeira na cabeça, com a abertura
por detraz!
Da carapinha fazem um verdadeiro bolso, onde introdu-
zem os pequenos objectos que se lhes ofFerecem.
Desde a nossa chegada notámos por vezes que, ao dar a
qualquer natural meia dúzia de bagos de missanga, elle,
levando a mão cheia ao occiput, ficava com aqucUa sempre
vasia.
Aguilhoada a curiosidade, incitava-nos a idéa de os es-
preitar.
Um bem comprehendido sentimento da nossa dignidade
impedia-nos porém de andarmos em corredinhas por detraz
dos sujeitos, que de resto, ao ver-nos, viravam-se logo, ten-
do de nos limitar ás informações dos mulequcs.
As doze horas do dia 2 de maio, sob abrazador sol, che-
gámos esbaforidos á beira da serra Catanha, onde á sombra
de frondosa acácia, sentados nos calcanhares, permanecemos
quarenta minutos em philosophica meditação, envoltos em
camisolas a escorrer suor, rilhando raiz de mandioca!
Do alto doesta vertente avistam-se as extensas planícies
do reino da Jinga, a começar pela província do Dongo.
Senzalas agrupadas em todos os sentidos constituem as
já alludidas povoações, de que é senhor qualquer caiida ou
vunda, onde possuc dezenas de escravos.
54 AFRICA CENTRAL [CAP.
Ao longo, nas margens do Hamba, via-se a pretendida
corte, cercada de habitações de servos do rei.
Numerosos rebanhos animavam as coUinas verdejantes.
Recostados no fofo capim encetámos o seguinte dialogo,
consequência da inspiração do momento.
— Que esplendido panorama se gosa d'este ponto; como
se ostentam férteis as terras por aqui!
A Africa é um dos mais bellos e ricos paizes do mundo;
mas os seus habitantes são muito infelizes.
— A maldita escravatura campeia em grande parte do con-
tinente. Emquanto o trafico não for totalmente banido e
der garantias fructuo^as, este cancro existirá, como subsiste
desde o estabelecimento das populações africanas, ficando a
Africa sempre sujeita ao jugo despótico.
— Pobre escravo, ultima palavra de degradação moral!
O captiveiro é o maior dos inimigos com que a civilisação
tem a luctar.
— A escravidão é como terra maldita, onde não germina
semente alguma.
— Com ella não se concilia um só sentimento. A piedade
desapparece sob o azorrague, o amor perante a satisfação
fácil das brutaes exigências, a familia em frente da polyga-
mia, o espirito do interesse pelo trabalho legal ante o força-
do, aggravando-se tudo isto pelas necessidades e supersti-
ções de um modo de ver táo miserável.
*
— E dizem aquelles que nunca pizaram o continente ne-
gro : ao interior é o caminho, matar a fera no seu antro, ex-
tinguir o mal na origem, eis a magna questão !
— Puro engano.
— Metade dos régulos africanos que hoje possuem escra-
vos e fazem a guerra para obtel-os, abandonariam similhante
systema, se tivessem a certeza de não fruirem d^elles grandes
proventos ; o negro deixaria de ser moeda corrente no mato,
nenhuma vantagem resultando para os inhumanos senhores
debaixo doesse ponto de vista, antes pelo contrario, tendo
que sustental-o a expensas suas.
XVI] E OCCIDENTAL DO
— Nos mercados é que devem combater-se, fazendo-os
desapparecer á força, e com elles a influencia árabe, a mais
perniciosa em Africa.
— E nota que em todas as historias ouvidas no sertão
sobre escravatura, figuravam sempre gentilezas dos árabes,
hoje dominantes em quasi todo o interior.
— É verdade. Outr''ora limitavam as operações nas terras
de este, desde o Nyassa até o Tanganika, com as suas jor-
nadas á bahia de Pemba, Rovuma, Zanzibar e mercados
do norte. Se em breve não lhe tolhermos o passo, extinguin-
do as feiras, avançam para o sul, n^uma linha que parece ter
como direcção média a viagem do illustre Cameron, seguindo
até Quilemba ás origens do Lu-lua e dominando as terras de
este a oeste doeste itinerário até ao sertão de Quioco.
— Hoje qualquer delonga deixal-os-ha fortificar ali, sendo
em pouco tempo um verdadeiro embaraço para toda a or-
dem de missões europêas, que elles suppõem organisadas
com o intuito de lhes affectar os interesses.
Estávamos n'esta altura quando um barulho espantoso
se levantou do lado da senzala, acudindo todos em procura
da novidade.
— O que succedeu?
— E que. . . foi elle que. . .
— Quem? diziamos nós, quando uma interjeição unisona
^estampou ao mesmo tempo.
Era elle effectivamente que, mais uma vez, esquecendo-se
das nossas recommendações, se havia tornado D. Juan, lan-
çando-se na carreira das aventuras amorosas.
Verdadeiro martyr de similhante inclinação, nem o pró-
prio cacete tirava d'elle partido.
Estava longe de possuir o mais singelo d^esses dotes que
constituem a belleza, com tanta insistência descripta pelos
poetas.
Baixo, magro, pernas tortas, envelhecido prematuramente
pelos excessos de toda a casta, exhibia sobre o delgado pes-
coço um rosto sinistro, no qual se moviam dois olhos de ama-
56 . AFRICA CENTRAL [CAP.
relladas sclerotícas, sempre desconfiantes e cobiçosos, emfim
dois olhos de larapio.
A enorme boca, verdadeiro parenthesis aberto entre o ex-
tenso nariz e a comprida pêra, ornada de beiços similhando
morcellas de Arouca na cor e espessura, deixava ver de
quando em quando um fio de dentes curvos.
Apesar doestes defeitos physicos era o mais terrível dos
conquistadores !
E sabeis, leitor, quem reunia este conjuncto, como invó-
lucro de um montão de imperfeições moraes? Capulca, ao
qual pomposamente chamávamos nosso cozinheiro.
Vendo-se ocioso, nas horas de descanso da sua arte, pen-
sou que o mais aprazivel passatempo seria entre as gracio-
sas povoadoras do reino onde nos achávamos; e, entrando
na senzala próxima sem o maior rebuço, propozera a certa
dama um poético passeio pelas campinas suburbanas.
Como esta não annuisse ao desejo do heroc, que inflam-
mado em santo amor, de fauces escancaradas, manifestava
a sua paixão por truanescos esgares, Capulca decidiu-sc a
arriscar uma pata dentro da cubata, mas deu de nariz com
o legitimo possuidor, que acto contínuo, agarrando-o e cha-
mando gente em auxilio, nol-o trouxe preso.
Eis o epilogo.
Seguro o delinquente por um dos delegados do governo
de sua magestade, passou outro a infligir-lhe summariamcnte
o numero de cacetadas necessárias para attrahir ás costas
o calor que lhe ia no coração.
Em seguida pagou-se ao marido, que se retirou contente
com o desfecho da aventura.
Assim se resolvem pouco mais ou menos por ali todas es-
tas pendências amorosas, supprimindo o cacete quando a
culpa procede da dama,'applicando-o se porventura o crimi-
noso é do sexo a que os auctorcs têcm a honra de perten-
cer; sem complicado attirail, no qual os juizes e advogados
baseiam os confusos processos da Europa, e tratando sem-
pre de contentar os esposos !
xvi] E OCCIDENTAL bj
Agora aqui tendes caso contrario:
Uma dama desgostou-se da companhia de quem outr'ora
era objecto dos seus sonhos de felicidade; clandestinamente
safa-se-lhe, e longe da habitação conjugal mette-se com o
primeiro que encontra devoluto.
O marido, para aplanar difficuldades, procura-o, exigindo
prestes, com a mais completa indifferença, a indemnisação,
que o novo senhor paga irremissivelmente.
Algumas vezes este, pouco propenso a tomar encargos,
recusa receber a sereia, eífectuando-se então segunda com-
posição*, e acrescida a multa de uma verba, em que as par-
tes contratantes accordam, o esposo fica ainda de posse da
leviana, fazendo com toda a probabilidade fervorosos votos
para que appareça outro amador dos encantos da cônjuge.
Perfeita ratoeira em que os ratos fornecem a isca!
Capulca, doesta vez, fazendo-se rato, constituíra-nos fia-
dor da tal isca.
O patife, apesar de lhe doerem as costas, após o paga-
mento tinha as suas pretensões a augmentar-nos a comiti-
va com a posse da mulher, facto que parecia indignar o au-
gusto esposo.
Abandonando emfim a sombra da acácia, depois de uma
questão complementar com o guia Cateco, que nos indica-
va caminho errado, acampámos á beira da serra, tendo
perto o solar do fidalgo Cj;/tY^-ria-Massango.
Não estávamos ainda em descanso e já tinhamos pela
proa outro, denominado C<í«(i<í-ria-Canzella, fidalgote com
ares de pimpão, supinamente propenso á embriaguez.
Viera ao quilombo visitar-nos, mas como ahi encontrasse
um cavalheiro, o sr. A. de Figueiredo, negociante do Duque,
que n'aquelle ponto costumava exercer o seu laborioso mister,
e agora em nossa companhia se propunha explorar os ser-
tões limitrophes, envolveu-o n''uma complicação que durou
até ao anoitecer, a propósito de uma dama, mas de modo
inverso, porquanto o sr. Figueiredo era o roubado.
Depois de muito nos causticar e embebedar-se, abalou,
58 AFRICA CENTRAL [CAP.
e em poucos momentos roncavam umas trompas de guerra,
a fim de impellir os habitantes para a lucta.
Os guerreiros, porém, ou porque a hora fosse adiantada
ou não confiassem no estado de lucidez do general, depon-
do as armas ao canto das respectivas alcovas, embrulha-
ram-se tranquillamente nas pelles das camas, e, fazendo
uma figa ao bellicoso Marte, desertaram para o sereno
Morpheu.
Seguiu-se profundo socego.
De narizes frios como gelo, por estarmos de vigília, decidi-
mos recolher e esperar o inimigo deitados, visto demorar-se.
Decorridos apenas alguns minutos ouviram-se os dois ah !
consoladores que deve soltar quem, estendendo-se, dá aos
músculos ampla liberdade e conserva os adversários em paz.
Depois de volver os olhos para o tecto e dar um sopro
na vela, conchegámos o gabão, estatelando-nos na cama, im-
pressionados por uma serie de idéas gradualmente menos
perceptíveis, que degeneraram em extravagantes visões kalei-
doscopicas sob um fundo escuro, e. . . adormecemos. Guer-
reiros ferozes nos perpassavam pela mente, fazendo nigro-
mancias e acenos!
A 3, antes de apparecer a aurora, partimos, deixando o
arraial aos indigenas.
Caminhávamos pela elevada encosta da serra Catanha,
cujo flanco oriental, naturalmente obra de algum cataclys-
mo, nos apresentava precipícios aqui e alem, semeados de
blocs de grés e granito, selvagem decoração onde phanta-
siavamos fortalezas, castellos, etc.
Esta região é rica em minério.
Parece abundar principalmente em prata, visto todos os
sobas visitantes possuírem bengalas ou cajados com grandes
virolas d^aquelle metal.
Das respectivas minas, porém, poucas indicações tivemos,
assim como do processo empregado na exploração.
A tacula é talvez um dos mais importantes artigos de
commercio, a julgarmos pelos indivíduos que encontrámos
XVi] E OCCIDENTAL Sg
carregando pilhas d'esta madeira, cujos empregos são diver-
sos, como sarapintar cabellos e corpos, mas sobretudo para
preparo de fazendas.
Na Jinga tèem o costume de tingir os pannos, pois dizem
que assim duram muito tempo e ficam mais frescos.
Fazem uma infusão de iaciila em pó e azeite, onde im-
mergem o panno durante dias, pondo-o depois ao sol.
Dá-lhe este processo a apparencía de encerado, que talvez
seja vantajoso para a agua, mas exhala cheiro insupporta-
vel.
As habitações dos jingas são differentes das outras que
temos visto.
bO AFRICA CENTRAL [cap.
Espécie de calottas elípticas, entretecidas de capim, tcem
a pona n*uma das extremidades do eixo maior, sobrepujada
por alpendre guarnecido de bordados.
Ao norte ticavam-nos as terras de Matamba, a leste o
Dongo, tendo por limite uma azulada barreira que divisáva-
mos ao Ionize.
o guia Catcco dirigia-nos sem hesitar através doestas re-
giões. A sua marcha, larga e uniforme, em nada era modi-
íicada.
Com o passo firme e igual de caçador, percorria montes
c valles, transpunha barrancos, vadeava riachos, de com-
prida espingarda ao hombro, voltando-se somente nas bi-
furcações do caminho para exclamar:
— Sigila mumo, ngana, (Por aqui o caminho, senhor.)
Outras vezes nem mesmo esta phrase proferia, e ao che-
gar a qualquer /7jm^o {encruzilhada), arrancava um ramo de
anore, atravessando-o sobre o trilho que náo era conveniente
seguir-se.
Prolongada a marcha para o norte, chegámos arquejan-
tes a um povoado, onde estabelecemos o arraial, gastando
o dia a cimentar o edifício da nossa commum reputação,
isto é, em trabalhos scientifícos.
Ao amanhecer do dia 4 de maio eis-nos partindo para
as terras do Z///í*ío-ia-Cassungo, depois de levantar o acam-
pamento perto da senzala do Cj/íJj-ria-Lumbombo.
O tempo, que até á nossa entrada nas terras do Danje se
conser\ára fresco e claro, tomou-se subitamente sombrio.
O calor sufibcante gretava o terreno cm todos os senti-
dos, e as primeiras gotas de chuva que caíam eram logo
absor\idas.
Grandes massas de nuvens do sueste ameaçavam tem-
pestade imminente.
Nem uma só folha se mexb ; as ar\'ores silenciosas, co-
bertas de pó, pareciam esperar entristecidas a agua que
lhes havia de restituir o viço.
A poucos passos, nas quebradas que nos ladeavam o tri-
XVi] E OCCIDENTAL 6l
lho pelo oeste, acham-se as nascentes do rio Hamba, gran-
de affluente do Cambo, por nós pela primeira vez visitado.
Passando n'uma ponte rústica para a margem esquerda,
fomos obrigados a parar, por motivo imprevisto, que nos
creon novos embaraços. Grandes gritos na retaguarda da
comitiva attrahiam a nossa attencão.
— O que foi? perguntámos.
Um dos guias (José), em poucos momentos nos trouxe a
noticia.
Sete dos carregadores, que vinham atraz, fugiram com
as respectivas armas, abandonando as cargas no caminho !
José havia feito todos os esforços possiveis para os des-
viar de similhante propósito; elles porém a nada se move-
ram.
O receio de avançar ao norte, para uma região que, se-
gundo diziam, era povoada de antropophagos; contestações
na véspera com parte dos homens no acampamento, e ou-
tras* causas talvez, que se não dignaram revelar ao dito guia,
os levava a proceder assim.
Por única resposta ouviu este o tund^enu (vamo-nos), e
foram-se.
A chuva torrencial, que n''cste momento caía, collocava-
nos na mais estranha das situações.
Abrigados junto de uma acácia, reunimos immediatamen-
te conselho.
A influencia monótona do meio onde estávamos, a vista
da nossa gente com ar embasbacado e escorrendo agua, o
estrondo do trovão, o gemer dos troncos sob a acção dos
ventos desencadeando-se, formavam um tal conjuncto, que
ficámos quasi inhabeis para tomar qualquer providencia.
Inquietos pelas cargas, sem duvida encharcadas, o pri-
meiro cuidado foi enviar gente que as trouxesse para junto
de nós.
O guia marchou para esse eífeito com uns poucos de ho-
mens, emquanto nós, séance tenante, tratávamos de ver
como distribuil-as por todos os da comitiva.
62 AFRICA CENTRAL [CAP.
Este que leva menos, aquelle que possue mais, muda d'aqui,
transporta para acolá, e ao fim de meia hora tínhamos
tudo em ordem, caminhando pela floresta com passo firme,
apesar de molhados até aos ossos, fazendo mentalmente
votos por que os fugitivos companheiros encontrassem a
maior somma de difficuldades possíveis, na sua retirada
pelos matos, da parte dos sobas.
É este o único lenitivo do explorador no sertão, bál-
samo para a ferida da raiva e do despeito no momento da
fuga dos carregadores, e que sempre meia dúzia dos res-
tantes lhes ministram em quantidade.
— Que marotos, trastes, ingratos ! E nós que os tratáva-
mos como filhos ! O que te parece, Somma, José, Fortuna ?
— Ah ! Deixem v. s." estar, acudiu Capulca, o cozinheiro ;
não lhes concedo um^dia de viagem. Com os sobas da Jinga
não se brinca; estes vundas, candas, catecos, têem má indole ;
é gente de ruins figados, e aposto que amanhã já cinco ou
seis estarão amarrados. Eu, pela minha parte, nem dava
aqui dois passos sósinho por toda a fazenda do mundo ! Ha
poucos dias —
E dispunha-se a contar uma das historias a que era tão
habitual, quando nós lhe cortámos o fio ao discurso, convi-
dando-o a proseguir na marcha.
A 3o® de temperatura, sob uma chuva de trópicos, não
se ouvem contos!
A tempestade chegara ao seu auge, tendo de acolher-nos
debaixo das ar\'ores próximas, acocorados, mirando o solo.
Que horror causa no sertão uma borrasca d'esta ordem !
A chuva, amoUecendo o terreno, destroe em pouco tempo
o atalho, e a fazenda augmenta o peso das cargas.
A marcha lenta occasiona quedas inevitáveis.
As grossas e escuras nuvens, invadindo totalmente o céu,
obscurecem-no por forma tal, que dentro da floresta quasi
nada se vê.
A agua cae com estrépito medonho; são verdadeiras ava-
lanches despedindo-se das cataractas celestes.
rv^] E OCCIDENTAL 63
Os relâmpagos que se succedem, percursores de assom-
brosos trovões, illuminando repentinamente o recinto, dei-
xam aperceber os troncos negros das arv^^ores em derredor,
afigurando-se ao viajante que está n''uma immensa jaula fe-
chada por todos os lados.
O rumor do vento nas folhagens, os troncos que se cur-
vam gemendo, torcem e estalam, os sinistros ruidos emfim
da tempestade, produzem na alma um sentimento de an-
gustia, que a nossa pequenez e impotência toma mais grave.
Como poderíamos nós, fracas creaturas, resistir no meio
d'esses terríveis elementos, sem nenhum dos recursos de
que dispõe a humana industria para superar taes luctas?
Não sabíamos, e persistindo ao abrigo das gigantescas arvo-
res, dando saída pelas botas á agua que nos entrava pelo
pescoço, entregámo-nos á Providencia.
Após as medonhas lufadas, a tempestade foi diminuin-
do; breve uma clareira nas nuvens deixou-nos ver parte do
limpido azul dos céus; um raio do sol, penetrando por esta
abertura, illuminou a floresta; radiante gloria espargiu-se por
todo o espaço; e a alegria, voltando, baniu da imaginação
os últimos terrores.
Sacudindo-nos um pouco, á maneira de cão que sae da
agua, partimos, acampando ás duas horas perto da senzala
do chefe Z//w<io-ia-Cassungo, na base da serra Catucua.
O dia 5 de maio rompeu sereno e bello, proseguindo nós,
nas melhores disposições, a longa marcha.
Cateco, porém, encarregou-se de tudo frustrar, e met-
tendo-se por atalhos e becos, pregou comnosco nas habita-
ções de quantos amigos por ali tinha.
Era um covil de salteadores, que nos poz a paciência á
prova e a bolsa quasi vazia.
Innumeros pundas, todos exigentes, queriam fazendas, far-
dos e aguardente em larga escala.
Primeiro foi um celebre Fw;;<ij-ia-Navuia, depois atrevi-
do Cambaxe, logo adiante Fw«rfa-ia-Buta, dois passos mais
longe Fí/;;<ia-ia-N'gola-Quilluanje, seguidamente Vunda-iei'
64 AFRICA CENTRAL [CAP.
Miquenha, um inferno cmfim de fidalgos pedintes, que nos
cnguliram peças de fazenda.
Furiosos, acampámos junto do pequeno rio Quimbaxe,
receiosos de continuar nV^sse dia, visto estarmos em maré
de ser expoliados.
Alem d'isso a região onde nos achávamos era sob todos
os pontos interessante, e com os presentes, pagamentos e
promessas, tornava-se impossivel um estudo regular.
Felizmente o tirocinio de mezes traz comsigo experiência
pratica, e o viajante que tem por habito a orographia das
terras onde está, a direcção das cadeias montanhosas e suas
ramificações, as origens do curso de agua, etc, adquire n'esse
labor seguro golpe de vista e maneira rápida de oricntar-se,
abreviando assim os trabalhos de campo.
Assim, n^um momento, com duas latitudes e longitudes
extremas, dois azimuths oppostos e um tour a meio cami-
nho, elle lança á cana, sem embaraço, os rios cujos cursos
encontrou, a direcção das nascentes, as sinuosidades, a orien-
tação das serras; e contente, olhando no arraial uma ultima
vez para o croquis que acabara de fazer, fecha-o cuidado-
samente, e, introduzindo-o na mala, exclama:
— E este mais um dia ganho.
A G e 7 de maio a natureza encarregou-se de nos apo-
quentar também, como o leitor verá pelo seguinte extracto
do diário.
EXPEDIÇÃO AFRICO-PORTUGUEZA Pnp. 510
Maio, 6—1879
Aneróide — 6y3,o (não corr.) Temperatura — 28
--^.45 duas horas e de:ç minutos. — Acampados junto do rio Can-
danje. Aò noroeste de um elevado cabeço da serra Catucua, por 245*
verd. (Lu-ache e Cambo, rios), por 76*» verd. no parallelo de 8» 22' sul,
Si. mer. = 72,06; azimuth ret. i5o' verd.
Do quilombo ao partir a corte por 57° verd.
'Caminho de hoje, infernal, accidentado, medonho, por entre duas
quebradas, a Catucua a oeste e Temo a leste, formando a bacia do
Hamba. Subimos e descemos oito encostas abruptas de não menos de
3oo metros, que nos trazem mortos de fadiga.
XVI] E OCCIDENTAL 65
»0 guia, conhecedor da terra, diz que d'aqui para o Cu-ango
irá progressivamente peiorando; os subsequentes vinte e cinco dias
de marcha serão passados em subidas e descidas, por montes e val-
les, cobertos de alta vegetação.
---^D'este ponto vemos o Hamba, que n'uma estreita curva desfe-
cha para o nordeste por meio de penedos. *
»Ao oeste do campo montes e vallcs interceptam a
•Acabámos mesmo agora de visitar duas sepulturas aqui pró-
ximo, a respeito das quacs ouvimos historia um pouco á similhança
da fabula dos dois grillos que, engaiolados, se devoraram.
....^Oois indigcnas havendo partido de sociedade para a costa, a fim
de venderem os géneros que possuiam, acamparam no regresso n'este
logar, com o propósito de dividirem as fazendas.
-^w^Como, porém, discordassem na partilha, irritados pegaram das
armas, mas com tanta infelicidade que se mataram um ao outro.
-^^O notável é que parece terem-se inhumado a si mesmos, por-
quanto uma testemunha ocular, encontrando-os de tarde mortos,
observou com grande espanto, em segunda visita no dia immediato, os
cadáveres debaixo da terra, só com os pés de fora 1
— ^Que patife! É pena não apparecer a testemunha para pergun-
tarmos se acaso lhes enterraria os pés 1
\0s povoadores d'aqui são extremamente...
EXPEDIÇÃO AFRICO-PORTUGUEZA Pag.Sn
Maio, 7— 1879
Aneróide - 694,0 Temperatura — 27,5
— »^/A
^Abalámos ás sete horas e trinta minutos de...
.Novos trabalhos e difficuldades. Desalentam na verdade taes
marchas para quem fraco já tem dezoito mezes de sertão.
-^O caminho de hoje foi sempre por um atalho tão direito como
uma linha na algibeira.
--^No espaço de um quarto de hora chegámos a andar ao norte,
sul e leste.
.Coberto de calhaus rolados, torna-se um verdadeiro precipício.
.A vegetação impede o transito das cargas.
.Os homens, feridos e exhaustos de forças, recusavam andar.
Tristes companheiros! Faz dó vel-os sob 70 libras de peso!
.0 trajecto fez-se de Candanje a Calunga-MxxáiWej d' este a Ca-
/M«^<i-N'bondo, e emfim a Ca/wn^a-Mutomba, onde nos achamos
acampados, sempre pelas vertentes da grande quebrada que nos fica
á esquerda.
TOL. U
66
AFRICA CENTRAL
Terminara a tarde de 7 por uma grande questão com o
soba, o qual exigia ficássemos esperando uns bois do Ca-
/«H^ii-N'bondo, que este delicado e obsequioso senhor nos
queria ceder á força.
Como recusássemos, pois era carisslmo, Cateco, o rufião,
encarregou-se de lhe satisfazer os desejos, e a 8, ao romper
do dia, partindo comnosco, depois de prévio accordo entre
elle e o soba, levou-nos por um trilho sem saída, ferrando
com a caravana n^um fundo rio chamado Mucuna, e deitou
a fugir!
Após inúteis pesquízas, tivemos que retroceder, ficando
quasi no logar d'onde haviamos partido.
Que paciência !
No dia seguinte, agarrado o guia, cortámos para o nor-
te, mas tão vagarosamente, que ao chegar a Mahabo, lá
»VlJ E OCCIDENTAL 67
estava a manada esperando por nós, para abatermos uma
rez.
Suscitou-se intrincada polemica, que levou horas,
O soba não queria vender, mas presentear-nos á força.
O mais engraçado é que exigia anticipadamente, como
troca, dezeseis peças de fazenda.
Emfim, chegámos a composição, cedendo-nos o tratante
uma vacca gorda, mas tão velha, que nenhum dente podia
entrar com ella.
Diziam-nos ser este um dos mais opulentos sobas da Jin-
ga, e assim o julgámos pelas grandes manadas que possuia.
Mais tarde, comtudo, observámos que apesar de rico nin-
68 AFRICA CENl RAL [CAP.
gucm O respeitava, e depois de esquartejado o animal, cada
um dos indigenas, apanhando o seu farnel, lhe virou as cos-
tas e escapuliu-se.
E um facto notável, mostrando de certo modo que a for-
tuna para elles não implica a idéa de superioridade, mas
simplesmente a vantagem de satisfazer quaesquer appetites.
Esse sentimento de respeito de que nos deixamos pos-
suir na velha Europa, em presença de um bojudo capitalista,
é d*elfes desconhecido.
Por isso geralmente os sobas, apesar de abastados, se
degradam a pedir tudo que vêem, sendo os pobres de ordi-
nário menos exigentes.
Ahi conhcce-se apenas a aristocracia das proezas.
Este porque é caçador c matou tantas rezes quantas as
argolas de pelles no cano da arma indicam; aquelle porque
em certas guerras se distinguiu, obrando prodígios no meio
dos seus admiradores; emfim outro porque ousou penetrar
n^um sertão até ali ignoto, são os primeiros considerados e
escolhidos para exercerem os logares de chefes.
Fartos de peripécias, almejávamos por um local para
descanso, c carregando a pesada vacca, pozemo-nos a cami-
nho, por terrenos péssimos, e só parámos quando no dia
16 se avistou na margem do Cu-ilo, rio pela primeira vez
marcado, a habitação de Cafuchila, um dos principaes so-
bas do Hungo, que Cateco especialmente nos recommen-
dava.
Ao approximar-nos, porem, tivemos por noticia que o re-
gulo não estava ali, mas sim uma irmã.
Como pouco nos importasse encontrar o mano ou a ma-
na, acampámos n''aquelle sitio, aborrecidos de tantas com-
plicações.
Mas outras já se nos preparavam, como o leitor verá no
capitulo seguinte.
Somente diremos que duas horas depois da chegada já
não era uma irmã que ali permanecia, mas o soba tornado
cadáver; em seguida não era o soba morto, mas fugido; e
f
E OCCIDENTAL
69
enifim nem isso, mas em viagem;- propondo-se os macolas
trazel-o á nossa presença, se quizesscmos.
— Com os demónios, que serie de confusões! diziamos.
Morto, fugido, em viagem, seja como for, pouco nos im-
porta.
— Mas, repelia Cateco, ellcs querem ir buscal-o!...
— Pois que vão.
Foi a nossa desgraça; mal sabiamos que similhante an-
nuencia nos custaria vinte peças de fazenda!
CAPITULO XVII
O Hungo e seus habitantes. Penteados e enfeites — O tabaco e seu
emprego — Fealdade das mulheres. Pouco interesse no fato — O
amor ás vaccas e o desprezo pelas esposas — O monarcha do Con-
go — Aprestos de partida — Discussões com os naturaes — Oração
proferida pelos auctores, no intuito de commoverem os indigenas.
Exigências d'estes e encerramento tempestuoso de uma sessão —
Senzalas abandonadas — Exploração censurável — Tibre, a lagoa
encantadora — Transe poético e escandaloso procedimento do co-
zinheiro — A cozinha do campo e a gallinha do estylo — As ma-
xillas em acção e a sesta interrompida —Novamente cercados —
Fugida da caravana — Entre ladrões e modo de resolver litigios —
Singular decisão — A noite e o fogo das florestas — Os bosques e a
vegetação — Quadrumanos e reptis — Luctas e soffrimentos — Des-
coberta do Cu-gho — Variantes ôo arvoredo. As palmeiras — Pas-
sagem de um rio e traições indigenas — Ultimas pendências — Aba-
lada — A sós com a natureza.
Estamos nas terras do Hungo, e nada ainda dissemos do
aspecto e costumes dos seus habitantes, pela simples rasão
de que sendo este trabalho colligido das notas do diário, só
agora chegámos á altura onde se falia dos ma-hungo.
O indigena d^aqui tem um typo especial e diverso da
gente do sul.
Desde a entrada em Matamba começámos a notar essa
72 AFRICA CENTRAL [CAP.
differença, que a cor e os penteados principalmente tornam
frisante.
Ao negro retinto do jinga succedeu-se o bronzeado dos
ma-hungo.
Aos bandós e tranças enfeitados d^aquelles, os trabalhos
de cabello menos difliceis de Matamba.
A estes ainda, seguiram-se os singelos dos povos de que
tratamos.
O mu-hungo não faz tranças. A carapinha solta, e quando
muito rapada na testa, composta dos lados ás vezes com
umas contas de vidro azul, é entre ellcs o mais vulgar.
A manilha de latão e um panno á cinta são para os ho-
mens o único desejo, o qual se completa com uma espin-
garda raiuna, extremamente limpa e polida, e um sabre re-
curvo de antigos hussares, com copos de metal.
Os ma-hungo partem pela raiz os dois incisivos médios
superiores, e ás vezes os dois inferiores, o que lhes dá ap-
parencia repcllente.
São atrevidos e selvagens no seu modo de vida.
Untam e sarapintam os corpos com azeite e argilla, de
onde rescendem desconhecidos aromas.
Homens e mulheres fumam incessantemente.
O tabaco (Nicotiana, tabacum) de folha larga lanceolada
abunda, assim como uma outra qualidade de folha redon-
da (N. rústica ou vulgar is?), que se vende ás folhas ou em
pequenas pilhas cónicas onde o amassam.
Vicio inveterado, porém, ha o do rapé, constituindo mes-
mo um luxo, de que todos se servem com frequência.
Para isto usam de bocetas cilyndricas, onde introduzem
a folha torrada, que moem com pequena haste de madeira,
e á qual addicionam pimenta, a fim de o tornar mais enér-
gico, empregando para tomal-o o seguinte processo :
A parte extrema da haste da massambala, com o respe-
ctivo carrilho depois de debulhado, é entroduzida na boceta
e cheia de pó, applicada em forma de zaragatoa ás narinas,
as quaes, aspirando com força, favorecem o inhalamento.
/i
XVII] E OCCIDENTAL yS
Feita esta operação, que contenta o vicio, passa-se á se-
gunda para satisfação do luxo.
O operador, introduzindo novamente o dito instrumento,
carrcga-o segunda vez de pó, e besuntando todo o labio supe-
rior, onde algum mucus favorece a adherencia, dá remate á
ceremonia, convencido da distincção.
As senhoras têem igual habito, e de zaragatoa em punho,
abrindo a boca e deixando ver os dentes partidos, applicam,
por forma similhantc, extraordinária quantidade do amarel-
lado pó.
Que horror, caras leitoras!
Com dezoito primaveras, quando tudo nos sorri, já des-
dentadas e de pingo no nariz!
Gostos !
E visto d'^ellas fallarmos, acrescentemos alguma cousa
sobre tão degeneradas filhas de Eva, que da primeira mãe
só possuem, quanto a nós, a singeleza da ioilette,
A mulher do Hungo é cm geral mais feia do que o ho-
mem. O seu porte selvagem coaduna-sc com o aspecto bra-
vio das terras onde habita.
A cor fula, manchada ás vezes aqui e acolá, não agra-
da tanto á vista como o preto brilhante das congéneres do
sul.
Passeiando pelas florestas em grande costume (isto é, nuas
como a palma da mão), com uma camada de argilla cobrin-
do-lhes o cabcllo, cachimbo na boca e a caixa de rapé á
cinta, membros gigantescos, altura de ^,70, uma cesta sus-
pensa da estreita tira de couro, que ellas atirando ás costas
passam de roda da testa, inspiram verdadeiro dó, pela ac-
cumulação de tanta deselegancia.
Teem estas senhoras pelo fato o mais soberano dos des-
prezos.
Trinta vezes sobre uma nos rejeitaram fazenda, conten-
tando-se com búzios e missanga, para ornar as chatas
tranças que lhes cingem a cabeça, e constituem os vaido-
sos penteados, representando trabalho de mezes (verdadei-
74 AFRICA CENTRAL [CAP.
ro ninho onde os parasitas devem viver tranquillos em gran-
de communidade), e i palmo de feaeta encarnada, pseudo-
cobertura com a qual ameaçam a parte postero-inferior do
tronco !
O muito que fazem, quando não cedem a fazenda ao ma-
rido, é envolver n^ella o pequeno filho, mas nunca cobri-
rem a própria nudez.
Apreciam-nas por toda a parte na rasão do valor como
animaes de carga, afigurando-se-nos, çorém, mais despren-
didas e convictas, se assim se pôde dizer, da sua qualidade
pura de escravas.
Se nos enlaces para o sul o amor sempre nos pareceu
sentimento de certa forma problemático, aqui pôde afian-
car-se não existirem noções d^elle!
Tudo é absolutamente pratico. O homem aprecia mais
as suas vaccas do que as esposas, e no caso de roubo sa-
crificar-se-ha pelas primeiras, deitando as segundas á mar-
gem.
As mesmas scenas meio romanescas de algumas dansas
do sul consistem aqui n^uns tripúdios brutaes, em que as
mulheres tomam parte activa.
As habitações são immundas e as obras de argilla mal
feitas; no interior accumula-se grande numero de objectos,
producto da esculptura africana, de que o leitor já tem co-
nhecimento.
Pilões, tambores, bancos, tamboretes, arcas, lanças, ben-
galas, pratos de madeira, remos, feitiços, quindas, caba-
ças, cartucheiras, polvorinhos, manilhas, cachimbos, facas,
marimbas, eis os artigos encontrados, que os ma-hungo, co-
mo os seus congéneres, fabricam grosseiramente.
Emfim, a auctoridade suprema reconhecida por estes po-
vos, indubitavelmente de origem differente dos do sul, é o rei
do Congo, residente ao norte, em S. Salvador, um dos três
monarchas para elles existentes, a saber: el-rei de Portu-
gal, o rei da Jinga e o do Congo, considerado mais velho.
Na tarde do terceiro dia da nossa residência em Cafu-
XVII] E OCCIDENTAL
chila, O guia Cateco, com a sua astúcia ordinária, veiu per-
guntar se sempre tencionávamos partir na manhã seguinte,
conforme se dissera.
— Olé! foi a resposta.
— Partiremos todos; o soba não apparece, só cá está a
irmã; não havemos de apodrecer aqui.
Virando-nos as costas com ar insolente, dirigiu-se para a
aldeiola, a fim de naturalmente conferenciar, no que consumiu
horas, pois não regressou ao quilombo.
A noite correu socegada, e logo que os primeiros alvo-
res do dia se manifestaram, começámos de dispor a baga-
gem para partir, mandando procurar Cateco.
Impossivel foi encontral-o; o rufião escondêra-se, e ainda
doesta vez tivemos de seguir sem conductor.
Ao levantar-nos para continuar, comprchendemos a situa-
ção, pois ao primeiro passo dado um grande clamor echoou
por todos os pontos em derredor, succedendo-se logo o to-
car das tabalhas e caixas de guerra, e o apparecimento pelos
bosques próximos de muitos indígenas armados.
Haviamo-nos cercado, era evidente.
Algum crime praticáramos, e os indígenas queriam paga-
mento d^elle.
Mas qual era ? Eis o que nós mesmos perguntávamos, quan-
do á frente nos saiu o impudente Cateco, com mais três de
pennas na cabeça, fazendo signaes e gestos hyperbolicos.
No primeiro momento a nossa idéa foi arremeçar-nos so-
bre elle de cacete em punho, applicando-lhe uma bem me-
recida correcção.
O patife, porém, cujas esguias e delgadas pernas, apoio
de um tronco magro e cavernoso, sobrepujado pela cabeça
periforme, lhe davam ares de flamengo africano, prevendo
sem duvida esta intenção, partiu a fugir, e foi necessário
muito trabalho para o trazer á falia.
Emfim, acercaram-se todos, e após curto silencio, um
d'elles, de physionomia carrancuda, vomitou o seguinte dis-
curso, em tom secco e atrevido: .
yb AFRICA CENTRAL [CAP.
«Mueno puto!
«Os ma-hungo estão mal comvosco.
«A irmã de Cafuchila, agora no estado, foi illudida por
vós, que dissestes esperaríeis o soba.
«Não vos despachou ella um dos seus macotas, para da
vossa boca ouvir que esperáveis o irmão, o qual está d^aqui a
dois soes?
— Despachou.
— Não declarastes que sim?
— Declarámos.
— Não c ella agora a senhora doestas terras?
— Talvez.
— Não vos tem dado a farinha para o alimento de todos
os dias?
— Precisamente dado, não; mas vendido.
— Pois bem, disseram elles, não podeis sair d^aqui por-
que não tendes duas liiiguasl Ficae ou voltae para traz,
mesmo porque não ha mais terra para diante; se fizerdes o
contrario tereis de pagar.
Tomando uma attitude conveniente, e puxando José (o in-
terprete) para ao pé de nós, lançámos cadenciadamente a
seguinte peça oratória:
«Macotas!
«Viemos aqui fazer uma visita ao soba; não o encontrámos,
o que bem nos ãjfflige o coração^ e portanto vamos proseguir
na viagem, para nós interessante.
«Nunca tivemos sequer a desconfiança de possuirmos. . .
duas linguas, monstruosidade sem igual que só um erro da
natureza podia occasionar.
«Somos amigos bons e leaes (e este ultimo termo substi-
tuiu o José por ffordos, visto não encontrar palavra que o
traduzisse)!
«Que rasão ha para nos criminar por esse modo; não vos
parece uma violência para com os brancos?
«Se acaso fosseis á nossa terra, julgaes que seriamos
capazes de ali vos prender?
XVU] E OCCIDENTAL 77
«Pois bem, a nossa intenção não é fugir ao soba, e como
prova da nossa amisade aqui temos já um presente para lhe
offerecer. »
N''esta altura do discurso pareceu-nos que a cousa surtia
effeito, e íamos deitar a mão ao embrulho, quando os três
nos interromperam:
— E que presente é?
— Uma peça de riscado, meia de algodão e seis lenços,
respondemos, revestidos de grande seriedade.
— Eh-eh! exclamaram os larápios, pois outra cousa nãõ
eram, levantando-sc. Cafuchila é grande Muene, governa
toda esta terra, maior que Tcmbo Aluma, que Quinbungo
Quiassama; só respeita o Manicongo.
— Elle a ninguém consente passar sem licença.
— Eh-eh! Aguardae um dia de marcha, e estará comnosco.
— Elle não viu os brancos, quer conversar e beber aguar-
dente com elles.
— Esperae, esperae dois dias e elle virá.
Mal empregado discurso, dizíamos; perante similhante
cobiça não ha rhctorica possivel, e continuávamos discor-
rendo, quando o inimitável Cateco, dirigindo-se a nós, acres-
centou :
— Tendes mais alguma cousa para nos offerecer?
— Temos um. . . cacete.
E lançando mão d''elle, levantámos a sessão, partindo os
parlamentados a fugir!
Embrenhando-nos decididamente pela vasta campina do
norte, marchávamos ao compasso das tabalhas, até que,
augmentando a distancia, os echos tornaram-se menos per-
ceptíveis, e breve caiu tudo em socego.
Duas milhas mais longe começámos a encontrar planta-
ções de mandioca, pimenta, abóboras, etc, descobrindo se-
guidamente duas senzalas no mato.
Providas de utensílios e artigos da vida selvagem, acha-
vam-se desertas na occasião.
Pelas cinzas ainda quentes e pela desordem ahi reinante
yS AFRICA CENTRAL [CAP.
percebia-se bem que os moradores se tinham afastado pre-
cipitadamente.
Na Africa uma senzala é abandonada, bastando para is-
so o primeiro som da caixa de guerra.
O ladino Capulca, explicando sempre o facto, foi en-
trando para ella, alentado pela certeza de que lá não estava
ninguém, e operando o reconhecimento, empalmou um bor-
dão e uma dúzia de mandiocas.
Firmes com o exemplo, um apoderou-se de boa pelle,
outro subtrahiu uma panella, terceiro não sabemos o que,
e nós mesmos furtámos um pequeno feitiço, desculpando-
nos perante a nossa consciência, com o pretexto de só o fa-
zermos por interesse scientifico e em nome da curiosidade
curopêa.
Accendemos os cachimbos nos brazeiros e afastámo-nos
d^aquelle sitio.
Seguindo ao rumo de norte, por atalho descoberto, vi-
mos outra aldeiola deserta, por onde atravessámos trium-
phantes, e descendo 2 milhas mais longe uma abrupta en-
costa, dêmos ás onze horas e trinta minutos com formosa
lagoa, cercada de terras altas, que depois soubemos cha-
mar-seTibre.
As suas margens, recortadas em curvas caprichosas, co-
bertas de macissos de verdura, ofFereciam á vista um qua-
dro encantador, que nos fez breve esquecer as complicações
da manhã.
Habituados á vida dos bosques, abandonávamos descui-
dosos a primeira novidade com igual indifferença á que
sentiria qualquer dos indígenas nossos companheiros.
A agua, mais limpida do que a do seu homonymo da ve-
lha Roma, reflectia fielmente a imagem dos terrenos alcanti-
lados, cercando a pequena bacia, e o azul da abobada supe-
rior, fazendo como por encanto imaginar que as margens
estavam suspensas na atmosphera.
Não se ouvia o menor susurro, nem um sopro agitava as
adormecidas aguas.
E OCCtDENTAL
79
Tudo dispunha a crer que nos achávamos a sós no meio da
agreste natureza africana.
A magia de uma tal scena era digna de completar-se com
satisfação, e por Isso deliberámos, após profundo meditar,
inteiral-a com as suaves delicias da matéria, almoçando.
Capulca, !onge de comprehender estes vivos transportes,
despido do mais singelo sentimento de enthusiasmo, rilhava,
de costas voltadas para a paizagem, uma enorme raiz de
mandioca, quando a intimação nossa o fez saltar.
Comezinhamente versado nas elementares noções de culi-
nária e da celebre cerveja denominada quimbombo, que va-
rias vezes preparava, tendo porém immediata solicitude de
ingeril-a quasi toda, Capulca mesmo no seu ramo devia con-
siderar-se como medíocre nullidade.
8o AFRICA CENTRAL [CAP.
— Arranja-nos o almoço! foi a expressa ordem.
Procedendo ás ceremonias preliminares, cortou direito
para a arvore mais próxima, e, collocando junto d'ella trcs
grandes pedras (fogão de mato constantemente empregado),
começou por se ajoelhar, pondo em derredor de si os obje-
ctos usuaes, isto é, o vetusto bonet, as botas, o cachimbo,
o trinchante, que suspenso por detraz em estirada bainha
dava-lhe apparencia de macaco de longo rabo, a comprida
espingarda, etc; depois dedicou-se ao preparo da invariável
gallinha.
Nós, entretendo-nos a apanhar conchinhas para enrique-
cer os conhecimentos conchiologicos dos naturalistas, espe-
rávamos á sombra que se improvisasse a mesa, e feito isto
dêmos principio á ingestão do triste bipede.
Passando vagarosamente a anatomisar o volátil com sy-
baritico prazer, parámos meia hora em divagações sobre
a estructura resistente doesta espécie de animaes na Africa,
cujos músculos, aferrados aos ossos, dão ás maxillas hercúleo
trabalho, até que, concluída a doce tarefa, nos dispozemos á
sesta, e, oíhando para o firmamento, exclamájnos :
Abobada infinita,
Não és senão a tampa
D'esta sombria campa
Que a humanidade habita.
occorrendo-nos a phrasc do poeta realista.
Por desgraça, porém, nada é duradouro n^este mundo,
e as melhores cousas têem ephemera existência, conforme
adiante se verá.
Como estivéssemos recostados, de olhos meio abertos, se-
guindo distrahidos a ultima limpeza das panellas, pelos mu-
leques, cujo indicador espetado, rasando o bordo interno,
recolhia as raspas, que seguidamente chupavam com fra-
desca satisfação, um movimento unanime nos sobresaltou
bruscamente.
— Os ma-Kungo!
XVII] E OCaDENTAL 8l
Eis O grito, e n'uin momento tudo se levantou, lançando
mão das respectivas armas.
Rapidamente a pé, n'um relance apercebemo-nos também
da sua presença.
Pelas collinas próximas e dentro dos capins viam-se ban-
dos de indigenas, que acenando mostravam armas e zagaias.
— Eil-os que voltam e não passaremos, diziam muitos.
— Vão roubar-nos, clamavam outros !
— Pois bem, emquanto tivermos forças defendamo-nos.
E dando ordem para erguer, investimos com a encosta
da terra fromeira, no meio do estridente grito dos selva-
gens, o qual echoando pelas quebradas fazia ruídos estra-
nhos.
Que angustiosa marcha foi esta por uma serra escabrosa,
sob sol ardente, tendo por trilho os sulcos feitos no grés pelas
aguas, despenhando-se, e semeados de calhaus roliços!
Ao chegar á parte superior, divisavam-se na base, entes-
tando com a escarpada, os vultos e caras luzidias dos natu-
raes que nos perseguiam.
As mulheres da comitiva, aSãíctas, com enormes cargas á
82 AFRICA CENTRAL [CAP.
cabeça e os filhinhos ás costas, mal podiam acompanhar,
obrigando-nos a ir na retaguarda, para não serem presa dos
indígenas, que intentavam agarral-as.
A serra succedeu-se uma planície, encontrando nós na
perpendicular o trilho importante denominado do Holo, que
para oeste vae sfi Ambriz, e passa no Dembo Naboangongo.
Assim se fez a marcha, seguidos de perto pela horda dos
bárbaros que nos perseguiam com gritos e ameaças, paran-
do quando volviamos, querendo investir se continuávamos.
Isto nos convenceu da inefficacia de qualquer tentativa de
negociação.
Por vezes occultavam-se elles; a alegria porém era mo-
mentânea, porque breve surgiam numerosas cabeças de ou-
tro lado.
Parecia saírem da terra, pullulando por toda a parte.
No meio doestas peripécias, quatro horas se passaram,
como se fossem para nós quatro séculos, e não sabíamos que
fazer, reflectindo nos perigos de ficar n^uma terra deserta,
com tão poucos recursos, no centro de gente perigosa, quan-
do estranhos rumores soaram da vanguarda.
Na encosta do morro que descíamos, avistámos uma sen-
zala.
Perto d'ella decidimos acampar, arriando as nossas car-
gas e dispondo-nos ao trabalho.
Os ma-hungo, surgindo por todos os lados, cercam-nos
de novo.
De repente um velho de cajinga saindo da habitação vem
ao nosso encontro.
O seu aspecto extravagante, a enorme boca, os lábios
pendentes, a pelle enrugada, o nariz achatado e olhar amor-
tecido, deixa-nos suspeitosos.
— Outro ladrão! exclamámos.
Elle, nada percebendo, approxima-se e dirige-nos a pala-
vra pela forma seguinte:
— Sou o chefe doesta senzala. Quem sois? D -onde vindes ?
Quem é esta gente que vos cerca?
XVII] E OCCIDENTAL 83
Ao principio hesitamos na resposta retrocedendo quatro
passos, mas attentando bem no seu rosto, inspira-nos con-
fiança pelo modo rude como olha os ma-hungo.
Em duas palavras o inu-iumbo conta-lhe a historia das
peripécias do dia, a perseguição que se nos faz, as exigências
inqualificáveis dos ma-hungo, os quaes pretendem pelo menos
vinte peças de riscado ou algodão, como pagamento do ima-
ginário crime que commettemos.
— Não receiem, exclamou. Eu vou decidir tudo.
E n'um Ímpeto de cólera, virando-se para os perseguido-
res, começou a articular uma vehemente apostrophe, semea-
da de epithetos notáveis, como: ladrões, tratantes, etc.
O velho chefe,* apesar de pouco attrahente, captou as
nossas boas disposições, parccendo-nos que tudo estava de-
cidido a fazer em favor da comitiva.
Engano completo; era um jinga ladino e mais ladrão
que todos os outros, pois que levou a sua esperteza ao
ponto de espoliar todos, roubadores e roubados.
Considerando que á sua avançada idade não conviria
muiío a posição vertical, oíferecemos-lhe um pequeno banco.
Seguidamente sentou-sc entre a nossa gente e os adver-
sários.
Estávamos em pleno tribunal. De um lado nós e o inter-
prete José, expúnhamos as amargas queixas, do outro os
ma-hungo, pela voz do decano, defendiam a sua causa.
Figurae-vos agora, leitor, as intermináveis discussões que
n*Qste fuJidamenío se encadearam.
O velho juiz escuta, mas não parece apressado em pro-
ferir a sentença.
A noite approxima-se, e elle sabe que os naturaes não fi-
carão ali.
Espera, pois, o momento propicio para lhes modificar as
pretensões.
Ao por do sol já estes reduzem a quinze peças a síia
exigência.
Emfim baixam a doze e depois a dez.
AFRICA CENTRAL
[CAP.
— Vá pelas dez, exclamámos.
O bom homem prestou-nos um serviço, reduzindo a con-
tenda a metade.
Um fardo aberto deixou ver as dez peças, que os indige-
nas receberam, abalando logo.
Imagine-se, porém, o nosso espanto quando, ao retirarem-
xvifj E OCCÍDENTAL 8Í
se OS ladrões, o velho, estendendo a mão direita para um
dos fardos, exclamou :
— Bin-elle! Venham agora as outras dez peças para mim!
Singular decisão, que nos ficará para sempre gravada na
memoria !
Assim concluiu esta galante aventura justamente quando
pela vez primeira esperávamos obter justiça.
Veiu-nos ainda á idéa continuar a marcha pela noite,
e livrarmo-nos doestes, talvez mais ladrões do que os ou-
tros.
A escuridão, porém, era completa no ponto em que está-
vamos, e em derredor de nós, a 4 ou 6 milhas de distancia,
o horisonte do norte, n^um arco de 100% similhava oceano
de labaredas.
As florestas em fogo davam aos montes e cerros para esse
lado um tom lúgubre, capaz de intimidar os mais audazes.
Breve para o sul levantaram-se também as chammas, lan-
çadas sem duvida pelos que retiravam, a fim de interpor
uma barreira.
Achavamo-nos n'um circulo em ignição, no meio do qual
passámos a mais amarga das noites.
Então reconhecemos a veracidade das descripções de
Stanley.
Que diíferença entre os habitantes da bacia média do
G)ngo, onde raro penetram europeus, e os mansos povos
do sul: quiocos, ganguellas, songos!
Quanta selvageria e má fé ha n^estes monstros, que de
homens só têem a forma!
E ao espirito acudia-nos a idéa do que seria mais para
diante.
A quem pedir protecção, quando tudo quanto se nos afi-
gurava humano se dispunha ferozmente a perder-nos?
Era o que não sabíamos, e só o acaso se encarregaria
de nol-o ensinar.
Assim se passou esta noite, succedendo-lhe uma manhã
deliciosa.
86 AFRICA CENTRAL [CAP.
Escapando-nos por entre os bosques, onde alguns indí-
genas nos espreitavam, mas fugiam com feroz precipitação
ao surprehendcl-os, descemos uma Íngreme encosta, che-
gando ao fundo do valle. Ahi rigueiras gigantes, mpafu
\EUmit e palmeiras exóticas, entreligadas pelos cypos espi-
raes do Calamus Jlorus. formavam emmaranhado macisso
intransiiavcK cheio de bandos de macacos de feio aspecto,
em que reconhecemos o Cynocep/ulus forcarius.
Um rio de margens pantanosas defrontava-nos perpendi-
cularmente, não havendo passagem a enxuto em ponto al-
gum.
Mais este sacriíicio se tomou necessano, e resignados pe-
netrámos nVlle com agua pela cintura.
Errantes fH>r montes e valles, sempre a caminho do norte,
ora em charcos ora em adustos bosques, encontrámos oc-
casionalmenre, ás quatro horas, quando iá desesperávamos,
a pequena aldeia Mucole Qu:p.u:zo, onde acto continuo fo-
mos victimas do roubv>.
O guia quo se nos oiVsíroccra, e a quem havíamos adian-
tado ò jard.is de fa/onda, fugiu ao partirmos.
A sós continuámos á toa, um com febres, outro soffren-
do rheumaiismo.
Não consenriado as asperezas do terreno nem os bosques
que seguíssemos ao norte, tivemos de cortar p.ira Lste,
gastando n'isc>o dois dias, no meio d^esses Iaí:}TLr.thos do
Hungo, a que o indígena ch.Lma mu-ciito. N^aquelle ponto,
de machado e catana em punho, cortando nunos e cypos, a
comitiva enfraquecida passou horas inteiras para abrir i mi-
lha de cuiiiiiho.
Que dias e horas decorreram entre sJTiiih.intes dédalos,
onde a mio do homem nunca penetrou, dos quaes o indí-
gena foge^ artrahindo só os quadrumanos ou lijoim hi-dlondo
reptil, que pavura couto deb-iLvo dos podres troncos sias
corpulentas arvores ou multiplicadas hastes da Rjfli:jz do
vinho!
EÍ5 os verdadeiros espinhos das viagens de exploraclo^ e
-;o...aL*:;r^;. _^^:^^áSâíSíSí' ?
//■ ^■■v--
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XVli] E OCCIDENTAL 87
n^esta quadra precisa o explorador revestir-se de toda a ener-
gia, para com o exemplo não deixar desmoralisar aquelles
que dirige.
Luctando com charcos pestilenciaes ou embaraçosas bre-
nhas, caindo aqui, enterrando-se acolá, depondo mais longe
o fardo para erguer o machado, succumbem ás vezes perante
tão enorme fadiga, e, famintos, olham para os chefes, como
se aguardassem d^elles a inspiração!
No meio de tantos trabalhos um prazer se nos prepara-
va, não isento de amargura, mas que de certa forma com-
pensou os males dos últimos dias.
A 23 de maio, marchando por suave encosta, divisámos
ao fundo e em grande extensão macissos fechados pelas cam-
pinas, que denotavam haver ali amplo rio.
Assim era, e ao chegar abaixo vimos um vasto curso de
agua que os indigenas da senzala próxima disseram cha-
mar-se Cu-gho, aífluente do Cu-ango, o qual foi immediata-
mente marcado na carta, sendo-lhe mais tarde assignada a
extensão de loo milhas.
Nasce ao noroeste, nas terras de Macume-N''jimbo, em es-
paçosa lagoa, segundo nos informaram, descendo ao longo
d^elle um trilho que liga por Quizau Malunga o interior com
a costa.
Em frente de nós, ao nonoroeste, estendia-se o districto
de Quicongo, áspero, accidentado, cheio de lagoas no fundo
de grandes valles, que defronta pelo oesnoroeste com as ter-
ras de Quiteca N'bungo; pelo norte doestas as de Futa servem
de abrigo ás tribus ba-congo.
Que aspecto tão selvagem apresenta tudo!
Posto que estivéssemos já habituados á Africa interior, pa-
recia-nos esta região diversa. A terra, o ar, os homens, tudo
é differente.
A vegetação, principalmente, imprime-lhe um caracter dis-
tincto.
Predominam as palmeiras; por exemplo, a Elais, a Hy-
phosjie, os Borassus, uma espécie de Chamccrops (palmeira
88 AFRICA CENTRAL [CAT.
leque), as ramalhudas Raphias acaules, d'onde se extrahe
o máluvo, de que breve fallaremos.
li Começam a apparecer espécies tinhosas em famílias que
sSo geralmente herbáceas próximo do trópico.
Malvaceas, sobretudo, onde figuram os géneros Adan-
sonia e Eriodendron anf., e mesmo varias Rubiaceas, dão
signaes d''esta transformação.
As Nymphaceas contam por aqui espécies numerosas,
como também as Euphorbiaceas e as Acantaceas, precisa-
mente ao contrario das Fugeras e Orchideas epidendres,
que sendo raras por todo o continente, quasi desapparecem
n'este sitio.
A gigante Burseracea do bálsamo Elemi, a que já temos
alludido, designando-a por mpafu ou mbafii. é em extremo
vulgar.
xvn] E OCCIDENTAL 89
Ao longo dos enormes troncos escorre a branca resina,
que, evaporando-se em parte, forma pingos á similhança dos
das grandes tochas.
A elles se ligam as colossaes Landolphias, que produzem
a borracha, muito abundante no Hungo.
Descansando no dia 23 de maio junto da libata Cambam-
ba, pozémo-nos a caminho a 24 para Mangongo, a fim de
operar a passagem do rio.
Esta, porém, que constitue um dos mais difficeis proble-
mas de Africa, quando o viajante tem de se servir das em-
barcações do gentio, tomou-se para nós verdadeira lucta.
Ao principio esconderam as canoas, depois recusaram as
primeiras oíFertas, mais tarde protestaram que não passaría-
mos, mas a final cederam.
Que martyrios sob o império da febre!
G)meçou a passagem.
Logo que os malvados apanharam metade da comitiva
mudada para a outra margem, e portanto dividida em duas
a expedição, collocando-se a meio do rio, suspenderam de
vogar.
— O que é? exclamámos.
— Não passamos mais.
— Porque ?
— Por quatro peças é pouco.
— Mas o contrato?
— Pois sim, hão de dar mais duas, aliás ficam ahi.
Presos de nervosa excitação, a primeira idéa foi, met-
tendo armas á cara, varal-os a ambos.
Isto, porém, teria sérias consequências, a que não devía-
mos entregar-nos.
Recorreu-se, pois, á generosidade; mediante mais fazen-
das, novas supplicas e três horas de febril impaciência, obti-
vemos doestes bárbaros o serviço que tanto desejávamos, e
ás quatro horas da tarde estava tudo concluído, ladroeiras
inclusive, que fecharam com chave de oiro, roubando-nos
na ultima bar cada uma pobre cabra.
90
AFRICA, CENTRAL E OCCIDENTAL
[CAP, svn]
Acabrunhados, abatidos, praguejando, fomos para o nor-
noroeste em procura de logar apto ao estabelecimento do
arraiai, o que só conseguimos no meio de uma brenha, onde
trabalhámos até á noite.
O cheiro almiscarado dos animaes silvestres enchia o ar.
Parecia estarmos n'um co\ii de leões ou n'um antro de
pantheras, em que de resto pouco pensávamos.
A força das inclemências e privações quasi nos fazia con-
siderar como feras, e mortos de fadiga adormecemos entre
o mato.
Chegáramos ao limite do Hungo.
CAPITULO XVIII
Partida do Cu-gho — Lúgubres presentimentos — Os mu-chitos e o de-
serto — A sós com a natureza — Uma tarde angustiosa com sede de-
voradora — Momentos supremos da existência no mato — Um acaso
providencial — Novos mu-chitos e trabalhos — Presos no bosque —
Estado nervoso dos auctores e o receio de enlouquecer — Perdi-
dos inteiramente — Pesquizas por caravanas organisadas em pro-
cura de caminho — Duas linhas do diário — Uma noite sombria no
meio de queimadas — Apparecimento de José. Sua missão — Encon-
tro feliz — Dois caçadores furtivos — Promessas e abalada — Outra
vez perdidos — Um tropel de palancas — Approxima-se a noite — Ul-
tima decisão.
Com a proximidade de lácca começou a quadra mais
angustiosa de toda a exploração.
Emquanto estivemos no Cu-gho notámos, e o guia nol-o
affirmou, que os indigenas se interrogavam mutuamente com
espanto sobre os caminhos que íamos seguir; pois, diziam
elles, para aquelles lados ninguém existia, e só prolongan-
do o rio se encontrava um trilho conhecido, o de Cha-Mas-
sango.
Mas habituados de ha muito a ouvir fallar em terras de-
sertas,, e ver por toda a parte povoações, não demos cre-
dito, e firmando-nos na experiência resolvemos continuar.
i)2 AFRICA CENTRAL [CAP.
A a5 de maio, pois, erguidos pelo escuro, quando ainda
echoavum nos bosques os lúgubres gritos dos quadrumanos
e OH tristonhos lamentos dos chacaes, sentámo-nos junto do
fogo, aguardando o dia, que um presentimento inexplicável
nos levava a antever como trabalhoso.
Hrcve raiou a aurora, e com ella sobreveiu a energia que
sempre acompanha quem se prepara para horas de lucta.
t Arriba», foi a voz, e n^um momento os esguios vultos de
Jc^^cnas de homens se ergueram das esteiras, accommo-
Jai\do os pannos nas cintas.
N ingucm tugia ; mSs mesmos calados esperávamos o ter-
minar dos preparativos, no meio de um silencio que des-
Mgradavclmcnte contrastava com a hilaridade habitual.
Depois tratou-sc de ver se próximo havia trilho, e como
o guia encontrasse um atalho de cabras, s^uimol-o ao ru-
mo de iHM\lcste*
Durante a prin\eira hora caminhámos por meio das fra-
gas e penedias que forniam a encosta agreste da margem
esquci\la do laigho* prestando o ouvido ao menor nimor
«Klkatiw da cxistxaicia de gente.
Nesm um sigiuK pi>rcm^ o attesiava* e na encosta desnu-
dada que de^í^ciamos^ tendo ao íundo magras palmeiras, en-
CKMUránvvs funda rax ina^ quasi occulta pela abundante vege-
O trilh<> dcsapjM^ecÈrái.
^^^^lAd^v^ <an dcrredixr Jk> novo obstáculo buscámos mr.a
clawr*^ jNvr *\3>de ixvs^ mettesaxvs meio cunhados.
Ao íjtw duTv> e rc«stcini« síjiccedeiu-síe húmus bakío, 2
<5^tc x^m Sa«u<a3 cv^ibesrto de foiaias. tocos c vat^s ds Mc-
tWiX^^y^ <sfttT« *\s ^)Uâ^ « ^-is^vA a jiinia-
K^tAX"4i«v^ TK> 4i3\Teo Je pe^jcDo lix
A r^^íiATJí^í )a7 d> 5»ci3 stíbstir4iírA-s« uma paoumbrií. q-jt
Tk^ in*jf<>ái4i o T^(C<xih<^ál!I>cnTo: ,fios iágfiicts tud:^ ôí t£>-
jjíc^j^Ào» i«ferior^ ojí pvissicis e iih» itodccís áe <s5>sa£5 cd:c-
~^^ -- «■
A âoctsíu^ Ciíiii V'fs. m£2s oenst* irim^ic-ss í rrr.i qiu^
XVIII] E OCCIDENTAL qS
impenetrável, obrigando-nos a voltas e contravoltas cerca
do mesmo terreno.
Ás nove horas e trinta minutos, faltos de animo e receio-
sos de ficarmos em similhante recinto, suspendemos a mar-
cha, destacando homens em sentidos diversos, os quaes
dariam gritos pelo caminho, para comnosco communicar,
e escutámos.
Breve uma serie de tiros dados ao norte preveniram-nos
de occorrencia notável, e torcendo aqui, destruindo acolá,
furando mais adiante, saímos do labyrintho.
Eram dez horas em ponto. O sol elevadissimo feria com
deslumbrante irradiação a campina fronteira, coberta de um
novo género de capim rasteiro e amarellado, que nós sulcá-
vamos sem custo.
Não tínhamos ainda três quartos de hora de marcha,
quando nos engolfámos em segundo e colossal mu-chito, que
abrangia n^umas poucas de léguas toda a bacia do largo rio
denominado Cu-viji.
É difficil imaginar-se os perigos que n^estes bosques en-
contra o viajante.
O solo negro e movediço, formado pelas accumulaçoes dez
vezes seculares dos detritos do mundo vegetal, a humidade
inferior retida pela impermeabilidade de camada argillosa su-
bjacente, os tépidos vapores do solo elevando-se como uma
nuvem espessa por meio dos troncos, a agua gotejando das
folhas superiores, a transpiração emfim que exsuda de todos
os poros, constituem um meio tão extraordinário, que a pen-
na mal pôde descrever.
Continuando pela sinistra floresta, foi a caravana arros-
tando com muitas contrariedades, até que, como da primei-
ra vez, conseguiu sair do escuro recinto.
Alongava-se então perante nós uma accidentada região
de morros circulares despidos e profundos vallados verde-
jantes, que as florestas tomavam defezas.
Nem sequer um trilho ou pegada marcava a passagem do.
homem por ali.
(V^ AFRICA CENTRAL [cap.
K.Htavrtmos cm pleno deserto.
Arrastaiuio-nos sob um sol ardente, dentro em pouco a
hcdc comov;ou a sentir-se.
ICin todos os valles pi*ocuravamos pressurosos a agua, que
cm parte alguma apparccia.
As quati^> lioras c trinta minutos achavamo-nos sobre
un\ clcvavlo caboco^ olhando os horisontes que nos cerca-
\am% Ncncivlos pela fadiga, queimados pelo sol, arquejan-
tc?«% >cq\uosos»
Vm n\agnirico panorama do collinas. cones e morros sem
alinhamento se doNcnrola\a a iu>ssa vista,
K>ta disposisiio do torrono suppunhamos ser a causa de
lanttNs soiVrimcnu^s.
Nao ha\ cndo leitos do rios* mas aper.^js valles afunila-
d*v^* a ag^ia das clnivas* accumul.uid<>-$e em lagoas separa-
das^ depressa so e>a]V>ra dura:itc a c>t3aí:eni* Ton^ardo a
terra do todo socca.
Tns do^ K^nions dirigiram-so para vários pomos, cm pro-
fira do precioso lis^iiido, jiias \oIiaram passado lempo sem
5uda onc-oíitrarcnv
1^50 1a7or era tão criíic^^ pí^sicão» q-uj-ndo o 5d se ::i:aii-
í^\'A npidíin*ícr:c píira o vvcaso;
à r.níCíí c*x;s<i pAssi\-o; — c-fir.^i^ahíir.
l>A'av4o o cvoínplo A;.ts nòsssTs. ía tdcío òcsr>:»rLy:5.£3:í5^
«
0»Mn*>oCAA'ít -DAS or.TÍo 41 xr^mír.r.r n:» es7»:r:t:' l Jii:i: ái*
ífniVl)iíí-n*'*> a ixnrui^iT^ cmb:irii c:ins:!r\i:sscin:«' LÍnàL ãzz.
TCs?o cie J*i\'ida.
5>ttrii ^iJfmIi^ 4tL cicíUrrBCii. doi*- dn*- a:rr:i£:íLâ;jrx!K. niit:brL-
XVIII] E OCCIDENTAL Ç)D
dos de cansaço e afflictos pela sede, arriaram cargas 2 mi-
lhas adiante, incapazes de proseguir.
Foi preciso sobrecarregar-nos com as próprias armas que
os muleques transportavam, a fim de livres os poderem aju-
dar.
Eram cinco horas e trinta minutos da tarde.
A inquietação chegara ao auge.
Na frente alguns mais corajosos avançavam com a ener-
gia de que podiam dispor, no intuito de serem os primei-
ros a saciar-se.
Puro engano!
Montes, campinas, valles, mostravam pela esterilidade a
ausência da agua de que careciamos.
O sol, envolvendo-se nas primeiras nuvens, manto que
no occaso o espera, como para o livrar dos rigores da noite^
imprimia em meias tintas um melancholico aspecto a esta
árida terra.
O dia estava a terminar; e então que seria de nós e da
comitiva, depois de trinta horas de sede?
Certamente ninguém na manhã seguinte era capaz de dar
um passo sob 70 libras de carga.
A sede naturalmente succeder-se-ía a fome, pois sem agua
como preparar o infwidi, e á fome. . . quem sabe?
Ah! Bem pouco dignos são de tamanhos sacrifícios os
habitadores da Africa central !
Quanto soffre quem ali vae trabalhar em seu interesse c
que n'elles só vê a ingratidão !
Chegara o momento supremo.
Primeiro dois, seguidamente quatro, depois seis dos ra-
pazes, depondo as cargas, atiraram-se para o chão, excla-
mando :
— Faltam-nos as forças, doeste modo é impossivel conti-
nuar. Retrocedamos, para traz é o caminho. Só assim en-
contraremos agua.
De pé, exhortando-os, animavamol-os com argumentos,
no intuito de conseguir mais uma ou duas milhas, quando
96 AFRICA CENTRAL [CAP.
subitamente se ouviram da vanguarda dois tiros, que echoa-
ram pelas quebradas e foram morrer ao longe.
Imagine-se o violento abalo produzido por esse inespe-
rado estrondo!
Ao abatimento succedeu-se n'um relâmpago a excitação,
ao medo a alegria, e abandonando tudo, armas e bagagens,
partimos guiados pelos sons.
Ambos na retaguarda, sudbcados pela poeira que todos
levantavam na vertiginosa corrida, mais pesadamente ves-
tidos, distanciavamo-nos a olhos vistos, não pensando na
loucura de similhante carreira, com receio de ainda mais se
aggravar o mal.
Emfim, despenhando-nos á doida por uma encosta, aba-
tidos, febris, saudámos com dois agudos gritos a feliz desco-
berta.
xvm] E OCCIDENTAL 97
Era um vasto rio correndo a nossos pés, que Fortuna,
um dos rapazes do sertão da Tunda e Celli, acabava de en-
contrar.
Lançando-nos a elle, bebíamos, sôfregos, por cabaças ou
pelas palmas das mãos, sem reflectir que nos haviam fica-
do dispersas nos matos todas as cargas. da expedição; de-
cidindo acto contínuo marcar na carta o rio com o nome
de Fortuna.
Restabelecidos pouco a pouco, pensámos em arranjar
acampamento, e volvendo á bagagem que abandonáramos,
carregámos quasi meia tonelada de agua nas numerosas
cabaças.
Exhaustas as forças para construir fundos, decidiu-se dor-
mir ao ar livre, cercando o recinto de fogueiras.
Chegara a noite, apenas illuminada pelo minguado cres-
cente e pela intensa scintillação das estrellas, e com ella viera
o somno reparador.
As doze horas o vento sueste moderou, e a lua no occaso,
banhando com uma suave claridade o nosso grupo, que en-
volvido em pannos brancos dormia na planicie ao redor
das fogueiras amortecidas, dava em pequeno quadro a idéa
approximada de um campo de batalha, onde jaziam em des-
ordem os malaventurados do dia.
No fundo do vallç corria sereno o Fortuna, por entre as
massas verde-escuras que lhe orlavam as margens, d''onde
por vezes saíam, interrompendo o silencio nocturno, rumo-
res surdos, outras vezes gritos ferozes produzidos pelas vi-
brações da cartilaginosa glotte dos quadrumanos, os quacs de
ramo em ramo percorriam as florestas.
A 26, ao alvorecer, bem providos de agua, e devorados
uns restos de carne secca que possuiamos, partimos pela
região elevada, cortando para leste, a fim de procurar de
comer, convencidos que ao longo do rio encontraríamos fa-
talmente o Cu-ango e as habitações que procurávamos, pois
sem duvida aqueUe era affluente d'este.
Infelizmente havia engano.
voL. n 7
98 AFRICA CENTRAL [CAP.
A 4 milhas do arraial appareceu-nos de súbito sob os pcs
uma ravina, que logo descemos.
Ao fundo começava um denso arvoredo, e novo mu-chito
se nos deparou, por onde nos embrenhámos, divagando
duas horas inteiras para d*elle sair.
Apertados entre o rio e uma elevada encosta pelo sul,
continuámos a marginal-a até um ponto em que, entrando
n^outro expesso bosque, nos vimos cercados de agua e plan-
tas.
Estávamos presos.
D'^entre o capim, alto e agreste, agita va-se a confusa ca-
ravana, cm busca de uma saída, que não conseguiu encon-
trar.
Em alguns sitios as gramineas acamadas parecia mostra-
rem uma aberta, para onde nos dirigimos.
Breve reconheciamos, pelas colossaes pegadas dos h}p-
popotamos, que á paragem doestes animacs era devido o
rastro, tornando-se necessário todo o cuidado para não es-
barrar com algum dVlles.
Nem o menor ruido se ouvia!
O rio, embrenhado pelas estevas e juncaes, afigurou-se-
nos tomar varias direcções, ou dividir-se em grande numero
de braços, pois que, correndo por um lado a leste, pelo ou-
tro parecia ir ao norte.
Ao acercarmo-nos da margem faltou o terreno debaixo
dos pés c cnterrámo-nos até ao joelho, sendo preciso mutuo
auxilio para livrar os da vanguarda.
Cansados e tristes, caíamos famintos sob o peso de ta-
manhas difficuldíKies, não sabendo que fazer ou ordenar, e
entregámo-nos ás considerações dos companheiros,' cujos
murmúrios de protesto se ouviam claramente.
— Onde é que v;unos assim?
— Quem pôde andar por estas terras desertas sem ali-
mento, falto de rumo no meio de bichos ?
Estas e outras considerações tendiam a provar-nos a lou-
cura do emprehendimento.
xvní] E OCCIDENTAL 99
Voltar, eis o remédio. Mas então sálteâva-nos a idéa da
perda dos nossos trabalhos, a consciência do dever; c revol-
tando-nos contra similhantes alvitres, irados, fulos, impo-
tentes, erguiamo-nos como querendo derruir os gigantescos
obstáculos.
Faltando-nos porém as forças, rapidamente caíamos pros-
trados de cansaço.
A vida do mato, geralmente miserável, c aggravada á
medida que nos internámos.
Os grandes obstáculos e as privações enfraquecem c cau-
sam no viajante, ao fim de muitos mezes de marcha, um
estado de irritabilidade, de abalo nervoso, que á menor
questão passa a extremos de quasi enlouquecer.
A alteração profunda do caracter individual manifesta
se logo.
Os gestos exagerados, a precipitação cm todos os actos,
as ordens terminantes, os receios sem fundamento e o de-
sejo de caminhar rapidamente, tudo prova a alludida mu-
dança, que é conhecida no grande continente pelo nome de
bilis africana.
As idcas que então se lhe suscitam, tèem estreitas rela-
ções com as matérias da exploração.
O plano que preconcebera é um como centro rotatório
de todo o trabalho cerebral; o pobre explorador, durante o
dia, á menor abstracção, pensa cm rios de curso longo, lagos
colossaes intercalados, caminhos novos, habitações diversas ;
de noite sonha com a Africa, e milhares de scenas cheias
de peripécias lhe povoam a mente.
Quantas vezes, pensando em proseguir, adormeciamos,
ou em nossos sonhos nos apparecia frequentemente o Cu-
. ango, correndo n''uma vasta planicie c entrando a final no
Congo-Zaire !
As bellezas d'essa região eram mais sombrias. Na mente
escaldada creavamos e suppunhamos ver a immensa bacia
do Congo-Zaire, plana chata:, alagada, coberta de rachitica
vegetação, pestilencial, sob um sol de escaldar.
lOO AFRICA CENTRAL [CAP.
Numerosos rios affluiam para ali.
O Cu-ango, o Lu-angue o Cassai, o Moaza-N'gombe, to-
dos lá convergiam, parecendo reunir as suas aguas.
Phantasiavamos informações indigenas e concluiamos sce-
nas extraordinárias, julgando ter d^ellas a comprehensão exa-
cta.
Acordando febris, luctavamos, querendo afastar de nós
similhantes pensamentos, mas vão empenho!
Tinhamos stereotypado no intellecto o mappa geogra-
phico de Africa, e pelo escuro da barraca, arregalando os
olhos, parecia-nos ver mappas por todos os lados.
G)mo remate surgia um dos mais sérios receios que sal-
teiam o homem chegado a esta situação: o endoudecer.
A loucura, eis a idéa fixa que nos perseguia, povoando-
nos sinistra a imaginação, a qual se aggravava quanto mais
esgrimiamos.
Diflicilmente poderá a penna, embora manejada por tes-
temunha presencial, dar a justa medida do que por ali se
sofFre.
Aquelles mesmos que hoje voà narram, leitores, as gran-
des dificuldades sofEridas, longe d^ellas descrevem-nas por
forma diversa.
A fome, a sede, as angustias consequentes, a febre, o ca-
lor, a fraqueza, o quebramento, os desgostos, as apprehen-
s6es, n'uma palavra, esse milhar de misérias que de nós se
apoderara, não se traduzem, experimentam-se !
Emfim, o combate era improfícuo.
Não vendo meio algum de proseguir, pensámos em re-
solver o que mais importava : procurar alimento.
Abandonando a margem do rio, abrimos de machado
em punho a floresta da Íngreme encosta, e derruindo as
plantas rasteiras, rasgámos até á parte superior, no intuito
de observar de alto as regiões suburbanas.
Só então vimos a doudice do nosso emprehendimento,
e tivemos a explicação dos braços imaginados do rio que
seguíramos.
xvni] E OCCIDENTAL '-:":,, lOI
Aquella floresta alongava-se até onde a vlstà padia al-
cançar.
Nas verdejantes planuras entrecaladas observámos "rióV
distinctamente dois rios, um pelo norte e outro pelo sul do"
morro, os quaes correndo pacificos se encontravam no vér-
tice.
Era o Fortuna que se- lançava no Cu-gho; estávamos pois
no massango, ponto de confluência d'elles.
Não havia duvida que fatalmente tinhamos de retroceder,
visto a impossibilidade de n^ellcs penetrar.
Soaram três horas da tarde, e ainda nós continuávamos
observando.
Longe, muito longe e para leste, via-se fumo; habitações
nenhumas.
A terra era deserta, e os nossos estômagos, em consequên-
cia doesta certeza, começaram os seus protestos com extrema
energia.
Reunindo o conselho, organisou-se rapidamente um plano
para o caso.
Fortuna o feliz (então já nós tinhamos doestes prejuízos),
acompanhado de mais dois, cortaria a leste, armado, para
dar signal á menor descoberta e defender-se de qualquer
ataque.
Somma, um intelligente e atrevido mu-sumbi, com alguns
companheiros, partiria ao sul, em busca de caça e do mais
que houvesse.
O guia José, para o norte, farejando habitações; nós em-
fim, presos e afadigados, ficaríamos no campo com as reser-
vas, a esperar novidades.
Havendo todos partido, dêmos começo á construcçao do
campo e fomos explorar raizes nos arredores.
Por terem sido infructuosas as nossas pesquizas, conten-
támo-nos com agua fresca, e invertendo como uma luva o
sacco da farinha, aproveitámos pelas costuras o pó lá exis-
tente; depois confiámo-nos ao acaso, escrevendo na pagina
do diário as lacónicas phrases que vos apresentamos.
• • •
.V.
102 •-.•./ "africa central [cap.
. ••:% -'EXPEDIÇÃO AFRICO-PORTLGUEZA Pag. 5,1
• •• • •
••••,•• Aneróide — 710,0 Temperatura— 2t>,3
• • •
• •• •
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•
— ^^Dia nefasto. Acampados n'um cerro na confluência do Cu-gho
c Fortuna^ completamente faltos de mantimentos. Estamos tristes e aba-
tidos. Terra deserta. Ninguém se encontra. Fome, febre, doença.
— .^^^orario para a longitude:
Q âss^^^^.^^Si. H-=A5o".28'.3oVA2Íth. = 309,9
£1 mer. «= 67.07
— ^NQue acontecerá? Esperemos.
Effectivnmente esperávamos resignados, contando os mi-
nutos e escutando os ruídos.
Na immensa solidão reinava sepulchral silencio, que nós
abatidos não ousávamos interromper.
O sol, correndo imperturbável, passara do amarello bri-
lhante ao alaranjado, e approximando-se no horisonte, iri-
sava a abobada de fachos multicores, n^um fundo de esme-
ralda, até que, engolfando-se, despediu os derradeiros raios,
desapparecendo com elle as ultimas esperanças.
— Ninguém! diziamos tristemente. Nada encontraram, é
certo, se não voltariam.
E agoniados pelo infeliz presente e triste futuro, scisma-
vamos.
A noite tornava ainda mais sombrios os nossos pensa-
mentos, a que umas grandes queimadas a leste e o crescen-
te da lua davam lúgubre aspecto.
Assim decorreram horas, quando uns tiros se ouviram
próximos: era Somma que voltava; depois novo tiroteio
annunciou a chegada de Fortuna.
Nenhum dVlles fora feliz na escuridão. Caminho, rastro,
signal de habitadores, nada existia.
Muitos bosques, diziam-nos, cercavam o sitio, que escolhê-
ramos, não havendo comtudo a menor indicação de uma
senda.
xvill] E OCCIDENTAL Io3
José era o único que faltava e por quem esperávamos
anciosos.
A noite proseguiu sem que d'elle houvesse noticia.
As quatro horas precisas estávamos de atalaia; insomnia
terrível tinha impedido o descanso.
Entretanto a brisa, fraco allivio para similhante situação,
alenta va-nos.
Como sair, porém, se Josc não apparecia ?
Emfim despontara a aurora, illuminou-se tudo, e um dia
radioso vciu esclarecer as nossas misérias.
Pallidos, transidos de fome, envoltos, nos gabões, debaixo
de um miserável abrigo, apoiados ás malas abertas, dáva-
mos corda aos chronometros, e observando os thermome-
tros cumpríamos para com a sciencia as nossas obrigações.
Depois, erguendo-nos, mirávamos tudo.
Era o espectáculo da véspera; os mesmos valles e flores-
tas, idêntico silencio por toda a parte.
Mas agora, presos ao acampamento, pois tinhamos cargas
abandonadas, pertencentes áquelles que acompanharam o
guia, nem d'elle podiamos sair!
Como o tempo corresse, urgia tomar uma resolução, qual-
quer partido, e não succumbir á fome de braços cruzados.
Mas que fazer? cogitávamos nós.
Voltar? Estavam longe as habitações; pelo mesmo ca-
minho, necessitávamos dois dias, e este lapso de tempo,
junto ao já decorrido com fome, era sufliciente para pôr
termo á nossa pobre existência.
Proseguir? Mas por onde, se tudo nos embaraçava em
redor!
E Josc, abandonal-o-íamos ? Não.
Ficar, foi a idéa decisiva, e extrahindo forças da própria
fraqueza, resolvemos, quer no rio, na pesca, quer nos arre-
dores, na caça, buscar o alimento que precisávamos.
Era em verdade curioso ver similhante alvitre tão bem
recebido, e como n'um prompto nos dedicámos á faina.
Todos se preparavam ; uns a dispor tarrafas para no rio
104 AFRICA CENTRAL [CAP.
(nossa maior esperança) perseguir os bagres, outros fazen-
do com chumbo cartuchos para matar as aves, alguns idean-
do armadilhas para prender toupeiras e ratos.
Organisaram-se, pois, as pequenas expedições, e dirigi-
mo-nos para o rio no intuito de construir a. primeira palis-
sada, dando ordens á direita e esquerda, esquecendo a fome
com o novo trabalho, quando da floresta ao noroeste retum-
baram dois tiros!
— Eil-os! José e os outros.
E em três saltos, adiantando-nos, vimos José e os compa-
nheiros saírem da espessura do bosque, com o passo firme
de quem traz estômago cheio, conduzindo volumes ás costas.
Não pôde descrever-se a alegria selvagem que de todos
se apoderou ão enxergaras cargas; saltávamos, corríamos,
curiosos, cheios de esperança.
— Traz de comer!
E José, baixo, saracoteando-se, mostrava-nos n'um ca-
jado uma enfiada de bagres, na algibeira uma raiz de man-
dioca, aos hombros dos carregadores pequenos fardos en-
volvidos em folhas.
Esbocemos em duas linhas a commissão de mestre Zé.
Partindo na véspera, divagara élle pelos bosques próxi-
mos, e avizinhando-se do rio muito a montante do ponto
onde nos achávamos, percebeu que podia vadeal-o.
Mãos e pés á obra ; com pouco trabalho conseguiu o seu
intento.
Nos bosques de lá, vendo um atalho, que parecia de ca-
bras, enfiou por elle, e caminhando sem interrupção, ao cair
da tarde fòi o guia surprehendido pela presença de uma pa-
lhoça isolada no meio dos capins.
Acto contínuo, dirigindo-se a ella, encontrou dentro duas
creaturas humanas.
Eram dois caçadores furtivos, que sósinhos se occupa-
vam pelos bosques em similhante mister.
Intelligente e hábil, formulou logo o seguinte interroga-
tório :
vin] E OCCIDENTAL Io5
— Ha de comer?
— Estaes sós?
— Ha povoação próximo?
— E caminhos por aqui?
— Que terra» são estas?
Um dos velhos (que elle afiançava ter duas linguas, isto é,
não repetir a mesma cousa), respondeu singelamente e por
ordem :
— Ha.
— Sim.
— Ha.
— Sim.
— Quicongo.
A afirmativa primeira, tratou elle de replicar com uma
peça de fazenda e um sacco de missanga, que abertos dei.
Io6 AFRICA CENTRAL [CAP.
xaram admirados os dois forasteiros,* comprando segui-
damente quanto encontrou, a saber: trinta bagres, uma pe-
quena carga de raizes de mandioca, 8 libras proximamente
de farinha, duas biudas de inaliivo; e dizendo-lhes que es-
perassem por nós a fim de nos servirem de guias, dispu-
nha-se a voltar pela noite.
Como, porem, o avisassem de que por ali havia abun-
dância de animaes silvestres, mestre Zé, em sua alta sabe-
doria, decidiu repousar e inquirir os dois desconhecidos a
respeito das terras próximas.
Emquanto o nosso heroe contava detidamente a histo-
ria das suas aventuras, distribuíamos petit à petit os ar-
tigos chegados, que, apesar de parcos, tocaram a todos,
e rilhando umA raiz de mandioca, com uma fracção de ba-
gre, preparámo-nos a marchar no sentido indicado, expri-
mindo o reconhecimento ao esperto guia por uma promessa
de fazenda na volta para a costa.
A pagina negra da nossa historia estava, comtudo, ainda
em meio, e á passageira alegria de alguns momentos iam
succeder-se novos trabalhos por estas regiões nefastas.
Juntando a bagagem, levantámos o campo.
Noroeste era o ciiminho. -
Seguindo no encalço do guia, retrocedemos, e uma hora
ininterrupta de marcha nos levou ao ponto onde o rio offe-
recia vau.
— Chama-se Unguiji, disse José; vem de longe e nasce
n''uma lagoa.
Depois, subindo obliquamente uma serra íngreme, escor-
rendo suor por todos os poros, pingando a caderneta nas
haltes para as marcações, avistou a comitiva a pousada de
que falíamos, no fundo de um vallado, junto de pequeno
riacho.
Eram onze horas e trinta minutos do dia 27 de maio do
anno de 1879.
Ao approximarmo-nos do albergue, experimenta'mos logo
a primeira decepção.
xvm] E OCCIDENTAL I07
Os caçadores, ao vercnvnos reunidos, fugiram, internan-
do-se no mato, c só á força de instancias conseguimos at-
trahil-os.
Seguidamente entrámos em negociações com elles, para
nos apontarem um trilho que nos levasse a alguma habita-
ção na margem do Cu-ango.
Desconfiados, não queriam por forma alguma acceder,
sendo necessário novas promessas para os demover do seu
propósito.
Emfim, decidiram-se a mostrar a senda que nos conduzi-
ria ás terras dos povos ma-iácca, partindo na cabeça da ca-
ravana.
Sem o peso de mantimentos, percorriamos rapidamente
a orla da floresta, e subindo uma encosta granitica escal-
vada, descemos á pittoresca margem do rio Mapemba, onde
se dispensaram dez minutos para refrescar.
De novo em marcha, galgámos a encosta fronteira, en-
contrando na parte superior vasta planura, destituida de
vegetação arbórea, por meio da qual serpenteava uma es-
pécie de trilho.
Aqui os gui:is declararam não continuar, pois que, próxi-
mos do Cu-ango, era seguir pelo trilho indicado.
Não nos agradava muito esta resolução; um presenti-
mento dizia-nos mesmo que ainda não estávamos seguros;
toda a cautela era pouca.
Quem podia, porem, contel-os, se já haviam recebido o
pagamento do seu serviço?!
Despedidos, pois, proscguimos, e ao cabo de uma hora
de marcha, havendo desapparecido todo o indicio de cami-
nho, perdemo-nos completamente no meio do alteroso capim.
Algum leitor mais exigente dirá:
— Mas no centro de uma planície, tendo a bússola na mão,
seria fácil dirigir-se para um ponto determinado.
Nós lhe responderemos (sem deixar de ter em muita con-
ta a sua opinião), que c bastante diHicil seguir uma linha re-
cta, sem descortinar um ponto visivel ao longe, c nas cir-
AFRICA CENTRAL
ncumstancias de então era justamente o que não tínhamos,
V ,por nos occultarem as estevas e vegetação baixa.
1 ^ Ás apalpadellas fomos proseguindo em ziguezague, can-
^ ísados do calor, antevendo outra vez a fome, a sede e os
i íhorrores que nos últimos tempos nos flagellavam.
\ <^ Lesnordeste era a direcção em que necessariamente devia
Acstar o Cu-ango.
í y Esforçámo-nos pois por cortar para lá, e collocando na
3 "»>S vanguarda três dos «nais robustos, a fim de desviarem ra-
íl^^mos, capim, ele, arrastavamo-nos tristes e pezarosos.
\ ' O acaso parecia propenso a contrariar-nos, e com ironia
■•^-;;
1
] cruel precisamente nos feria quando mais socegados estáva-
mos.
Como fossemos caminhando por meio d'essas terras de-
sertas, um dos carregadores disse-nos ver para a nossa es-
XVIII] E OCCIDENTAL I09
querda, na planura, vários objectos escuros, que elle consi-
derava palancas.
— Vamos a elles!
Immediatamente partimos no intuito de lhes atirar, aga-
chados ou seguindo marcha vagarosa, para não attrahir a
attenção dos presentidos animaes, que em poucos momentos
avistámos, juntos no meio do capim, com as bellas cabeças
de fora.
Eram antilopes grandes (fêmeas), de pescoço longo, for-
mas elegantes, o pello muito claro e lustroso, sem chifres,
orelhas desenvolvidas, fazendo lembrar, á primeira vista,
uma recua de jumentos.
Quando nos approximámos, alguns separaram-se do ban-
do, e, com as orelhas hirtas, começaram a farejar; depois,
reparando attentos, fugiram.
Dirigiram-se dois tiros ao mais perto, que por infelicida-
de nossa não lhe acertaram, permanecendo embasbacados
todos os da comitiva e conservando dos animaes apenas a
triste recordação.
>
Ainda tentámos ir-lhes no encalço, mas breve desappa-
receram, e nós fracos, abatidos, desistimos de uma empreza
cujo resultado sem duvida seria aggravar a já precária situa-
ção. /
Como tivéssemos ensejo de observar bem o menos dis-
tante, serviu-nos isso para fazer um croquis, soffrivelmente
próximo da verdade; contentando-nos com tal, á falta de
melhor, recurso.
Este ultimo facto ainda mais aífectou a coragem de alguns
dos nossos já desmoralisados.
Tinham decorrido dez horas desde que partíramos do rio
Fortuna, contadas como se fossem dez extensos mezes,
cheias de angustias, e na frente nada divisávamos denotan-
do habitação.
Estava a final decidida a nossa sorte ; mais um dia de de-
mora, e a expedição perder-se-ía, desorganisando-se total-
mente.
I IO AFRICA CENTRAL [CAP.
Os próprios ban-sumbi, os mais robustos d^entre todos,
vergavam ao rigor de tanta inclemência, arriando em qual-
quer parte as respectivas cargas.
Os pequenos muleques iam arquejantes, as mulheres, na
maioria sobrecarregadas com os filhinhos e escorrendo suor,
detinham-se em todas as encostas, mais resolvidas a ficar
do que a proseguir em busca do que já suppunham irreali-
savel.
Nós, embora livres de peso, náo soflriamos menos do que
qualquer d^elles.
Debilidade geral se apoderara de todo o organismo, fa-
zendo com que mal nos podessemos suster na- posição ver-
tical, que fortes dores de rins e curvas aggravavam por for-
ma indescriptivel.
Nas subidas, principalmente, todas estas misérias recres-
ciam por modo tal, que é ditficil transmittir perfeita idca.
Podia considerar-se uma ascensão para successivos cal-
vários, que concluía por nos prostrarmos, quasi sem con-
sciência, no meio do solo, sibilando ao respirar, impotentes,
aniquilados.
As fontes batiam-nos como enormes martellos, e a cir-
culação, accelerada, em verdadeiras ondas, quasi nos suílb-
cava.
O sol inclinara rapidamente, o calor diminuíra, a sede c
a fome augmentavam, minando-nos a^ entranhas com atroz
insistência, e quanto mais andávamos parecia que menos
adiantados nos viamos.
Sabendo, porem, pela dura experiência nada haver peior
do que parar, e não pensando sequer em retroceder, pro-
seguimos como podemos, decidindo ir dia c noite em pro-
cura de agua.
Alongando-nos por uma suave encosta, investigando sem-
pre, distribuindo gente a um e outro lado, começámos a subir.
Ao anoitecer chegou-se a uma ladeira abrupta e desnu-
dada, que pelo oeste ladeava um grande rio, a i milha de
distancia.
yf
ivm)
E OCCIDENTAL
Ao fundo o extenso valle coberto de capim, aonde li-
nhas de vegetação mais desenvolvida e escura sobresaíam,
era indicio do curso de pequenos ribeiros.
— Aqui ficaremos! bradaram todos com ar resoluto.
Não havia que protestar, chegáramos ao extremo; rumo-
res especiaes denotavam as más disposições de todos; accor-
dando pois com a deliberação acampámos.
Eram sete horas da noite.
CAPITULO XIX
Perigos do laconismo na descripçáo dos soffrimentos, e receios dos
auctores sobre similhante assumpto — A noite de 27 de maio — Ap-
prehensóes — Pelo escuro da noite rondavam vultos — Visões e in-
somnias — Descoberta inesperada — As raparigas da caravana e um
casamento no mato — Não ha fome que não dê em fartura — Satis-
feito o corpo, distrahiamos o espirito — A arvore perigosa — Asgan-
:{as de maluvo e uma apreciação espantosa — Quizengamo, o primei-
ro dos quilolos — Duas paginas do nosso diário — Insistência dos
guias em levar-nos ao Quianvo — A nossa opinião e uma manhã por
aquellas terras — O Cu-ango e as curvas caprichosas do seu leito
— Medonhos effeitos da dysenteria — A fermentação pútrida e a
falta de alimentos. — Um baile nos ma-iácca — Abandonados na flo-
resta — Febres, ulceras e dysentria — Ultimas exigências do guia. Fu-
gida d'este — No meio de misérias, a sós com os nossos recursos
— O deserto — Fragmento do diário — A lua no minguante e uma
confidencia a medo — O Cu-gho.
Para o homem que nunca teve a desdita de passar com
fome e sede dias inteiros, á temperatura de 3o® centigrados;
para quem nunca experimentou as dolorosas sensações da
febre intensa, aggravando-se pelas angustias da dysenteria
e as pungentes dores da enchaqueca, emmolduradas na de-
sesperante comichão do lichen, insupportavel com a roupa
de flanella; para quantos emfim nunca sentiram os crucian-
voL. n 8
114 AFRICA CENTRAL fCAP.
tes padecimentos que originiim as feridas escorbuticas pelas
pernas e pés, tornando o calçado um martyrio, poderá afi-
gurar-se-lhes exagerada a nossa insistência em similhante
matéria.
Não é, porem» verdadeiro tal modo de ver, e jamais o via-
jante será capaz de, por muia> que faça cm seu gabinete
\^quando de volta á Europa , precisar rielmenie quanto sof-
íreu por aqucllas inhospiías terras, dando a justa medida
das tribulações physicas e moraes que lhe opprimiram a mi-
scra existência.
Conserva d^ellas a recordação, e cá, ao relatar, temendo
fiigir a \ erdade. suspende hesitante entre o diário e a con-
sciência.
O primeiro, organisado quando menos se p^\3e descre-
ver, e lacor.ico, denciente* não diz nem refaz o que se sen-
tiu, e o explorador, como que oiTendido, afa^ia-iv
Pois qne: tAnios solTrimenios devem limiiar-se á s::\i:eia
phrase do diário:
*D;a ar.gi2Stiosoi:
Não, c a consciência d:z-!he: soííVesie, desci>íve.
O bálsamo para essa ferida esu na apreciação qiíe d'c!3,:
SC íac^.
O c\TlL>rad."^r rjibisca então cc^m a e>per,:nç.>, de aprr*>\:-
mar es leitores peli phur.iaíia de ludo o qise cOle e\pcr>4jcn-
Qu-Lnt:is veres q-uitro phrases escriptas debaixo diis m:^:s
dnr,is imprei-s^es cxyrànes: irL'jr:er.so, apeNir de Ei^l ava-
liadas :
o qi:e rJo quereri : dir^er St.irJí}\ o Sí^àiz via^ainte^ ç;:::;nui>
i 30 de iar.bo» de jS:% esii Zini^:, escrevi ji:
4\)s de:al*^e> d."^^ ic^mienios por mim >:-írid.^s ni-o pc^iim
3escrc\"er->£* mas existem i^.Jdr^■el^JC^:T^ i:r:.\- jd:-> r>L^ íúT:-
vdo de 'uni co.rac^o ^ue ser.te loá^ a .mr.iriTura djs dc-rei- ciijc
o c^-íHipcniicm.. i-
ln^.i:ín$o . AqijcTle iieric» ^cl^^■o e ir.fj-riíivi], >:i -xerEir-i:-
.fe> j>cso d: íni:^^a se decidiria a e\ar-Lr sirru>.rv.es LiJias.
xix) E OCCIDENTAL 1 l3
Luctas, fomes, febres, perdas de companheiros, eis a
origem.
Lacónico na occasião, a muitos passaria desapercebida
n'esse singelo paragrapho a grandeza da idéa do nosso ir-
mão nos sotfrimentos.
Continuando, pois, n''este capitulo, a descripção precisa
do que nos succedeu, levamos um duplo fim: ser verdadeiros,
e requerer, no dó que ella inspirar, a paga de pretéritas vi-
cissitudes.
Na margem esquerda de certo rio, a 27 de maio achava-se
a caravana, de que éramos chefes, sem abrigo, com fome,
cheia de males, assente n^um cabeço desarborisado, posta-
da em estreito circulo, ao meio do qual ardia uma débil fo-
gueira.
O dia de amanhã era o pensamento de todos.
Perdidos dez vezes por dia, andávamos em permanente
perigo, que alguma vez seria fatal.
E espreitando o horisontc, a nós mesmos perguntávamos:
Continuará isto assim?
Ao longe descobriamos, ajudados pela pardacenta clari-
dade da lua, umas terras mais altas, no cimo das quaes se
viam fogos.
Eram talvez senzalas, ou seriam fogueiras occasionaes?
Ninguém podia dizel-o. A verdade, porém, é que rumor
algum denunciava a existência de gente.
Tudo jazia cm socego profundo, apenas interrompido á
meia noite por uma matilha de lobos que vieram cair sobre
nós.
No valle próximo rondavam também uns vultos negros,
silenciosos, que não podemos conhecer, e para os quaes de
prevenção se tinham voltado trinta bocas de espingardas
carregadas e sobre o gatilho,
Minava-nos uma febre lenta, e a insomnia terrível impe-
dia a tranquilidade a ambos.
A imaginação exaltada andava-nos em panorâmico mo-
vimento.
n6 * AFRICA CENTRAL [CAP.
Milhares de scenas, de pensamentos, de idéas exóticas
atropellando-se, nos passavam rápidas, fugazes, pelo espi-
rito, ininterruptamente.
Interrogando-nos por vezes, certificavamo-nos da recipro-
cidade doeste phenomeno, e conchegando os gabões que a
cacimba fria endurecera, diligenciámos repousar.
Baldado esfor^jo; ás quatro horas e três quartos da ma-
nhã assistiamos contra vontade ao aclarar do céu na parte
leste.
Logo que a luz permittiu, começou tudo em observação,
concluindo-se o seguinte.
Estávamos na margem do Cu-ango, sobre um cerrado
abrupto, que o ladeava pelo oeste.
Ao fundo, em amplo lençol de agua, corria elle espelhan-
do-se por meio da ciunpina, e limitado marginalmente por
massas verde-negras.
Nas encostas de lá viam-se manchas esbranquiçadas que
o binóculo afigurava habitações.
Para o norte o terreno era cheio de accidentes.
Uns fumos alvos elevavam-se por detraz.
Cinco horas marcavam os relógios^ quando se organisou
a primeira escolta piura ir ao rio buscar agua; depois outra
para a jusante fazer um reconhecimento, e assim de seguida
aguardávamos novidades.
Apenas os nossos tinham partido^ e sobre malas encetá-
vamos o levantamento das terras em derredor, vimos na
campina dois que regressavam e com gestos e gritos su-
biam a ladeira.
Eram muleques, dos quaes um, Lianda, ladino e esperto,
na primeira pesquiza encontrara immenso arraial povoado
por pescadores, onde a abundância era tamanha que, para
nos dar idéa d''elia, dizia o garoto:
— Teem tantas cabaças de mcdnvo, que nós todos juntos
somos menos!
Contar a sensação produzida por similhante nodda, seria
r^etir miais uma vez as impressões de 25, quando desco^
Xrt] E OCCIDENTAL 1 17
brimos o Fortuna (rio), de 26, quando n'elle nos perdemos,
e a véspera do dia em que estávamos.
Restabelecidos do abalo causado pela novidade, partimos.
Em tormosa linha descíamos a escarpa, levando á frente
as raparigas da caravana, as quaes, de filhinhos sobraçadas,
entoavam uma tristonha mas poética canção, como que em
louvor á Providencia.
Nos dias propícios eram as primeiras a acampar, e em
coros enthusiasticos reinava com ellas a alegria no campo;
nos dias aziagos nem tinham uma queixa, e esperando an-
ciosas, saudavam com a sua voz feminil qualquer circums-
tancia feliz.
Coitadas, justamente por serem mulheres, quantas vezes
no meio de luctas, ao vel-as avançar com afan, nos serviu
de estimulo o seu exemplo, recordando-nos que éramos ho-
mens, devendo portanto ser os primeiros no trabalho!
E os nossos, á vista de tal proceder, investiam também,
habituando-se a pouco e pouco a ter por ellas um respeito
ao principio deconhecído.
Il8 AFRICA CliNTRAL [CAP
No campo expedicionário a mulher era acatada; as que-
relas e pequenas questões só por nós podiam ser decididas,
c todo o marido que ousasse tocar ná companheira ou rou-
bar-lhe um panno para vender, sabia quanto lhe custava.
Centenas de vezes o experimentou Capulca, que apesar
das suas leviandades para com estranhas era um brutal
Othello quando se tratava da sua Eva.
E então por cada pancada sabia que tinha uma dúzia a
receber, porquanto, pagadores exactos, jamais ficávamos
em divida.
Os pannos e fatos eram-lhes distribuidos methodicamente,
dos filhinhos tratávamos nós, e se por infelicidade, d'entre
os homens que succumbiam, alguma ficava viuva, íamos
logo separal-as com o maior desvelo, para de novo a casar-
mos.
Assim, quando no Quioco nos morreu Filippe, Lemba,
a esposa, foi acto contínuo excluida do grupo, e ao dia se-
guinte, formando todos os rapazes cm linha, saiu ella com-
nosco á frente, a fim de indicar a quem dava preferencia o
seu coração.
Despertava curiosidade vel-os, apesar de indigenas, segui-
rem attcntos esta sccna para clles nova. Tão agradável é
ao homem, quando em competência com muitos, ser o es-
colhido da mulher I
No primeiro momento, sorrindo, parecia-lhes o caso brin-
cadeira; como, porém, nos observassem sérios, suspende-
ram á espera da decisão.
E ao erguer a rapariga o braço, e designar um que es-
tava defronte, o sorriso somente assomou aos lábios do in-
digitado.
Saindo então do grupo, acercou-se de nós para respon-
der aos seguintes quesitos :
— Gostas doesta mulher?
— Sim.-
— Queres viver com ella?
— Quero.
xix] E .OCCI DENTAL I 1 9
— Pois bem; ouve. De ora avante será a tua compa-
nheira.
«Com ella viverás.
« Apartâmos-te do rancho para juntos cozinharem.
«Ficas responsável pelos seus actos, na certeza de que
se im mediatamente não deres parte da primeira leviandade
por ella praticada, serás tu o castigado.
«Tocar-lhe, nem com um dedo.
«Váo em paz.»
Assim foram casados Mutu e Lemba!
O sol radioso surgira á nossa frente, como para felici-
tar-nos, e illuminando obliquamente a campina, adormecida
nos vapores da manha, dava-lhe um cunho de belleza juve-
nil e uma serenidade que consolava.
Rompendo pelo capim, transpozemos os pequenos bos-
ques que em todas as direcções semeavam a planura, sur-
dindo depois junto do arraial, segundo nos fora indicado.
Meia dúzia de telheiros, perfeitamente construidos com
meias cannas de uma espécie de bambu, cercavam o re-
cinto, onde varias fogueiras serviam para preparar enfiadas
de peixe.
De roda bindas de vinho de palma, rolos de mandioca,
tiras de carne, estavam accommodadas nas habitações, e
pelo meio d'estas uma porção de individuos se agitava.
Perto e á direita procedia grande numero a uma opera-
ção importante.
Tratava-se de esfolar um enorme búfalo, que por terra
jazia, morto na véspera.
Ao nosso apparecimento suspenderam-se todos os tra-
balhos.
Os indigenas fitavam-nos com espanto, emquanto nós, de
olhos muito abertos, observávamos o colossal ruminante, ex-
clamando :
— Não ha fome que não dê em fartura!
Cinco minutos após esta commovedora scena, achava-
mo-nos acocorados, joelhos juntos ao corpo, á altura do
I20 AFRICA CENTRAL [CAP.
queixo, em pequeno circulo, no centro do qual José, de fa-
zenda em punho, fazia compras, interrompendo-se por ve-
zes para nos responder a diversas perguntas, como .
— Quem são estes povos ?
— Ma-iácca.
— Quem os governa?
— O Quianvo ou Muene Puto Cassongo.
— Onde habita?
— Ali, e apontava para o norte.
— É poderoso?
— Sim.
E mil outras que pausadamente escrevíamos no diário,
interrompendo-nos por vezes para gritar ao cozinheiro, que
em multiplicadas conversas não fechava um momento a
boca:
— Vae arranjando a cozinha.
Duas horas levámos em trabalhos culinários, ingerindo
quanto estava prompto, esperando pelo resto em preparo,
bebendo maluvo, até que, satisfeitos e repletos, dêmos a
refeição por terminada.
Convenientemente retiradas para os domínios da cozi-
nha as marmitas e cassarolas, ordenámos a construcção do
arraial.
Depois, satisfeito o corpo, pensando em distrahir o es-
pirito, a fim de dissipar as negras nuvens que ainda o po-
voavam, fomos de passeio a uma aldeia próxima.
Ao enfiarmos pelo bosque fronteiro, depararam-senios
duas jovens, as quaes, em trajo primitivo, fugiram á nossa
approximação, abandonando umas cestas que comsigo tra-
ziam.
O seu exquisito penteado, terminando por dois grandes bi-
cos, saindo do meio do capim, dava-lhes certo tom original,
quer nós (com o devido respeito) assimilhámos a um par
de jumentos.
Examinados os artigos contidos nas cestas, proseguia*
mos, q;aando mestre Zé nos apontou com ar gaiato para a
E OCCIDENTAL
celeberrima arvore, cujo effeíto havíamos experimentado nos
Bondos !
— Eil-a, é verdade! foi a exclamação.
E elle, o ladino, virando-lhe as costas com uma panto-
mima apropriada, levou as mãos ao abdómen.
Continuando resolutos e esbaforidos, saímos para a cam-
pina, onde o calor intenso seria capaz de fritar ovos, e
ao cabo de alguns minutos abicavamos á senzala, architcc-
tada n'uma clareira.
Muitos indivíduos entregavam-se no interior a copiosas li-
bações, em roda de enormes gan\as (cabaças), que elles ao
ver-nos largaram attonitos.
Accommodando-os com modo soberano, perguntámos-
Ihes o que estava nas bindas.
— Maluvo, ngana. (Vinho, senhor.)
Tendo por ajuizada a idéa, acercámo-nos, decididos a
imital-os, emquanto elles, palestrando entre si, tratavam
de algum assumpto que nós não comprehendiamos.
Emlim, mestre Zé explicou tudo.
122 AFRICA CENIRAL [CAP.
Versava o debate sobre a falsa informação que a um
mais idoso tinham dado, acerca do viver dos brancos. Di-
zia o illustrc velho :
— Estes homens são... peixes! Vivem na agua; e quem
vae perto do mar vè-os chegar nadando I
Similhante apreciação, primeira no género, deixou-nos
boquiabertos.
Como, porém, provar-lhes o contrario seria ditficil, deixá-
mos esse cuidado aos companheiros, e concluindo a con-
versa por pouco instructiva, variámos para as terras em
que nos achávamos, para a abundância de comer e outros
factos" importantes.
íamos n^^estas alturas, contando e ouvindo, quando pre-
cipitadamente nos annunciaram que um soba importante
acabava de chegar ao quilombo^ no intuito de fazer uma vi-
sita aos brancos.
Suspendemos pois a sessão, terminando alguns negócios.
Mediante missanga e algumas jardas de fazenda, comprá-
mos uma colossal inhame, ovos e gallinhas; e feita a troca,
com inteira satisfação das partes contratantes, partimos, a
tim de encontrar o novo visitante.
Quando regressámos ao campo achavam-se os nossos
companheiros postos cm adoração ao redor de um grupo,
cujo centro era occupado pelo chefe.
Seria ousadia -descrever ainda uma vez ao leitor esta
sorte de recepções, sem o risco de o não enfadar.
De penna a correr, pois, curreuic cjlamo, só lhe dire-
mos que o vi^itante era um dos primeiros quilolos do Quian-
vo, denominado Quizengamo, habitando na margem de lá»
junto ao riacho Alussala. Envolvido n*uma esteira de ma-
bcHa, linha physionomia pouco s\*mpaihica; o penteado
ridículo para homem, assimilhava-se ao \*ulgarmente em
uso pelas damas de idade avançada, a saber: era repuxa-
do para o occiput e prendia-se ahi.
De tudo quanto d elle colhemos, n'uma memorável sessão
de três horas e meia, vamos pòr ao corrente o leitor, trans-
xix] E OCCIDIíNTAL 12.')
creyendo, ipsis perbis, as laudas do diário, para evitar maior
incommodo.
EXPEDIÇÃO AFRICO-PORTUGUEZA Pag. 603
Maio, 28—1879
M.VRGEM ESQUERDA DO RIO CU-ANGO.
Aneróide — 724,0 (não corr.) Temperatura — 000,0
Lat. 7**.2o'i57 por £1 mer. — 67,75
Ângulos azimuthacà (csta*jâo no acampamento) :
2° E. (senz. o', 3 — Cu-ango o',8).
52^ 5 (morro elevado a. 6',o?).
<)i°,o (morro b. i',o).
lO/^jO (morro c. 2^1).
127", 5 (morro íjf. 2',i).
i65°,o (azimuth rcl. do acampamento).
241^,0 (morro e. i',6).
Rio a montante, média, io(/,o; a jusante o.
—•^Primeiro quilolo do Quianvo hoje em visita. . .
— ^sAíiançaram-nos os interpretes serem os ma-iácca, pela maior
parte, escravos da Lunda ali estabelecidos.
-— ^A historia da sua ascendência é similhante á dos ma-quico, com
a diflerença de em logar de provirem de uma mulher parece que des-
cendem de duas.
--^De resto estas historias são quasi sempre fabulosas, tornando-se
necessária toda a reserva.
-^^O aspecto dos ma-iacca não é tão distincto como o dos povos
do sul.
-^viNa maioria paciíicos, ao menos os de hoje, com quem entrámos
em relações, mas muito selvagens, mostram extrema desconfiança.
— ^Os seus penteadoá são originaes e diversissimos, cortando o ca-
bello de forma que lhes dá apparencia de bonet sem pala, outros se-
guros ao occiput com tranças em roda; alguns rapam a cabeça ás ti-
ras, da nuca para a testa; emíim variam-no por maneira que se não
pôde apresentar nenhum como especial.
— ^Andam quasi nus ou envolvidos em inabellas, visto a exiguidade
das fazendas.
—AN As suas habitações, geometricamente bem construídas, de ma-
rianga entretecida com capim, téem de longe lima perspectiva interes-
sante.
124 AFRICA CENTRAL [CAP.
'Agricultam pouco os terrenos, pescam em grande escala, e não
propendem para pastores.
—^Ouvimos contar a Quizengamo de um costume original, quando
lhe falíamos em gado, pouco frequente pelo resto da Africa; isto é,
que os ma-iácca não podem ser creadores de gado vaccum, e apenas de
cabras, carneiros, etc.
-^^Só o regulo o possue e cria, e quem ousar infringir similhante
lei perde irremissivelmente a cabeça, porque embora queira fugir, os
feiticeiros o descobrirão.
— ^Por toda a terra que percorrermos, diz elle, na margem esquer-
da do Cu-ango, não conseguiremos avistar um só boil
--^Este estranho uso, cuja causa intentámos inquirir, não tem expli-
cação satisfactoria.
-«^A caça á também um dos seus empregos, perseguindo palancas,
enormes antilopes de que nos mostraram os chifres, á feição dos haris-
bruck, as gazellas, etc, abundantes em todo aquelle sitio.
— v.As terras de uma e outra margem do rio Cu-ango acham-se sub-
divididas em muitos districtos, com nomes especiaes a que o viajante
deve atterider, para evitar confusão.
— ^É assim que a oeste as terras de Quiteca-N'bungo, Macume-
N*jimbo, Futa, das quaes já falíamos, são de ma-sosso, dando-lhes el-
les nomes diversos, conforme os logares.
A este as de lácca acham-se no mesmo caso.
.0 chefe principal dos ma-iácca é o Mequianvo, Quianvo ou Mue-
ne Puto Cassongo.
-^A%A sua habitação está sob o parallelo de 6^ 3o', junto a um ria-
cho chamado N'ganga, e approximadamente a quatro horas do Cu-an-
go, onde fica o porto.
-^w^As historias que ali nos contaram dos quilolos eram tão diver-
sas e contradictorias que, embora muito apuradas, subsistiram du-
vidas.
-^w^ Diziam uns ser o Quianvo mais poderoso do que o Muata da
Lunda, pois era elle quem concedia em ceremonia o estado ao succes-
sor por morte do lanvo da Lunda.
--^Negavam outros, affirmando todavia que até aquelle eravassal-
lo d*este.
--^Emíim os interpretes reputavam tudo como falso, pois nem se
conheciam.
-wwNEsta ultima asserção suppomol-a inexacta, porquanto parece
que inclusive se presenteiam.
»0 Quianvo é homem de estatura regular e reforçado.
>Nos dias de recepção apresenta-se envolvido n'um panno, oman-
do-lhe a cabeça uma larga fita bordada a missanga, que elle amarra
E OCaDENTAL
s pen-
por detraz, ao bordo superior da qual se vêem cosidas
nas vermelhas de papagaio.
— -Nos braços e pulsos usa manilhas.
— ^Bebe muito maluvo, só come caça miúda, gazellas, etc.
— "Conserva relações commerciaes com a costa (Ambrii) por um
caminho directo que prolonga o Loje (rio) por intermédio dos ma-sos-
so, quando em procura de borracha e marfim atravessam as suas ter-
ras para irem até a Muata Compana e Muene Congo Tubi nge.
— -Este ultimo soba parece ser importante.
— -Tem a sua habitação na margem do Muluia e fronteira a um
grande rio, que dizem denominar-se Baccari.
—"Defrontam os seus estaJos com a grande região dos ba-cundi
ou ma-cundi, cannibaes ferozes, que se estendem pelo nordeste, segun-
do nos apontaram, e de quem nos fallaram com terror.
— .Têem, emfim, como o Cu-ango um grande rio qucvae ao mar,
sendo nós os primeiros brancos apparecidos nas terras do Muene Puto
Cassongo, instando para irmos visjtal-o.
— -Ao terminar a visita do Quizengamo appareceu-nos um natural
do Sosso, que nos foi apresentado, o qual adiantou alguma cousa sobre
as primitivas informações,
— xsDiz residir no caminho de S. Salvador, conhecer o Congo-Zaire,
N'cusso, e estar perto das habitações do Mambo Assamba e Malungo
Atcca, ofTerecendo-se^ios para guia.
I2b AFRICA CENTRAL [CAP.
■— A%Nas serras do Zombo estão as nascentes do Lu-quiche, ultimo
affluente do Cu-ango, na margem esquerda.
-^^A montante obra de dois dias, numerosas pedras obstruem a
passagem do rio num sitio que se denomina Quicunji, e mais acima
está a embocadura do Cu-ilo Quiasosso.
--^Continua sustentando que por cá não ha caminho ao longo do
Cu-ango, pois é deserto, e afiança que este rio, mona-calunga, quer di-
zer, vae ao mar.
--^ Falia da reunião do Cu-engo com o Cu-ango, e mais longe do
Cassai e outros rios, com grande espanto, dizendo serem enormes e
as terras alagadas.
,Relatou-nos que ha dois annos passou por lá (nos massango,
ponto de confluência, como elle diz) um mun-delle (branco), embarca-
do n'um odto-iá-pito (canoa de europeus), que sem duvida era Stanley.
^Certifica a existência de grande lago e a dos celebres anões.
■— ^Conclue que para ir ao massango são precisos seis mezes de
viagem! *
Inscripto isto na pagina 6o3 e seguintes do diário, fechá-
mol-o, cansados como estávamos de accommodar tanta infor-
mação, e escorrendo em suor fomos postar-nos em mangas
de camisa sob um alpendre por nós construido, em presen-
ça de cabaça cheia de maluvo, a fazer planos !
Conforme a opinião dos selvagens, era necessário trans-
por o rio para nos dirigirmos á residência do Quianvo, único
caminho habitado e onde encontraríamos recursos.
Sempre a mesma historia!
Dirigir-se ao monarcha, é constante indicação.
Nós, porém, de cargas já bastante leves, tremiamos com
a idéa de passar para o outro lado, fazendo as seguintes
considerações :
«Teremos mais um ladrão?
«Quem sabe se, depois de lá nbs apanhar, será o prinleiro
a reter-nos com o fim de expoliar-nos ?
« E emfim, de retirada impedida, sem canoas, como pode-
ríamos seguir a oeste ?
Appellámos portanto para a maior somma de bom senso
possivcl, e decidimos em nossa alta intelligencia continuar
pela margem de cá, engajando o novo guia do Sosso.
'^
Xl\] E OCCIDENTAL I27
«O nosso fim c o estudo do Cu-ango, c não visitar régu-
los, diziamos.
«Todas as relações com estes só terão em resultado de-
morar-nos, e o nosso estado de saúde pouco permitte já
abusar.»
E gastando o resto da tarde a reunir mantimentos, pas-
sámos a noite em socego profundo.
A 29 de maio, aos primeiros cantares do gallo, tudo se
preparava no qiiilcmbo.
Rompera uma d'*essas madrugadas de que os poetas em
geral devem ter apenas vaga idca, attenta a circumstancia
da sua pouca ou nenhuma disposição para as viagens no
grande continente.
O denso véu de cacimba dissipado, com umas ligeiras
aragens do sueste, percursoras do apparecimento do dia,
carregadas de deliciosos perfumes, deixou-nos breve ver os
morros dispersos, cobertos alguns de vegetação frondosa,
produzindo effeitos mágicos, coroados pelos primeiros raios
do sol que nascia.
As collinas, escuras até então, começavam de vestir-se
com um verde de todos os matizes; as planuras interme-
diarias similhavam lagos; as serras distantes pareciam re-
flectir o azul dos céus.
A natureza sorria; campos, firmamento, tudo se adorna-
va, aquelles com flores, este com a radiante luz do astro
rei.
Ténues e rosadas nuvens, fluctuando em volta do grande
disco, emmolduravam o quadro superior, que cá em baixo se
completava com o murmurar dos ribeiros, o cicio da aragem,
o gorgeio das aves (que não eram a cotovia nem a calhandra
madrugadora, então .ausentes)!
Uma suave emoção se apodera sempre da testemunha
doestas scenas, que embora repetidas não cansam, tão bem
sabe a natureza apresentar-lhes os cambiantes!
O árduo trabalho em que íamos empenhados, afigurava-
se-nos então mais fácil, e promptos abrimos a marcha.
128 AFRICA CENTRAL [CAP.
Preparavam-se-nos, porém, grandes privações, perante
as quaes o nosso animo se havia de quebrantar, obrigando-
nos na lucta pela existência a esquecer quanto tinha de in-
teresse para nós esta terra, como adiante veremos.
Passando novamente em Cha-Cala, senzala onde já es-
tivéramos no encalço do guia, cortámos para oesnoroeste,
visto o Cu-ango ahi dar uma grande volta ! Seguiam-nos al-
guns indigenas.
Caminhávamos em terreno agora duro, mas de certo la-
macento na epocha das chuvas.
Aqui e alem transpúnhamos uma magra plantação, onde
a rachitica mandioca mal nos chegava á cintura.
Depois o rio, apertando de encontro a escarpa marginal,
volvia ao norte, sendo a caravana obrigada a subir um Ín-
greme cerro, e do alto doeste lhe levantámos rapidamente o
curso.
Ás onze horas e trinta minutos estávamos em Mafungo,
onde se operou uma sondagem em pequena canoa, obtendo
8 pés.
O rio, voltando outra vez a oeste, alargava na campina,
tendo o leito semeado de brancas ilhas de areia.
Ainda íamos ser obrigados a guindar-nos pela encosta, mas
não podendo, acampámos n'uma senzala denominada Lu-
benda, reservando para o dia seguinte a ascensão.
O calor suffocava. Cansados, mal podiamos andar sobre
3i%5 de temperatura, sem uma aragem que nos refrigeras-
se. A dysentria começou n^esta data com symptoma assus-
tador, e a febre permanente opprimia-nos as entranhas.
Realisando uma excursão á margem do rio, povoado por
muitos hj^ppopotamos, fizemos os trabalhos necessários por
continuar o levantamento, volvendo ao arraial.
Esperava-nos ali uma decepção.
Como na véspera tivéssemos adquirido bom numero de
bagres frescos, tentámos com um pouco de vinagre de ma-
luvo^ depois de os fritar em azeite de palma, fazer escabe-
che para conserval-os durante dias.
E OCaDENTAL
129
Qual não foi o nosso espanto, porém, quando no regres-
so Capulca nos mostrou a panella em que o peixe estava
litteralmente coberto de vermes !
Em vinte e quatro horas tudo entrara em decomposição,
e a própria carne de búfalo, distribuida aos nossos compa-
nheiros, exhalava cheiro nauseabundo.
Ficámos assim privados de comer, e só a custo em Lu-
benda os naturaes nos venderam uma pequena gallinha para
juntar a outra que possuíamos.
Ao cair da tarde, assistindo á dansa dos naturaes, na cla-
reira da campina caiu um de nós com febre, sendo o outro
d'ali a pouco também presa d'ella.
No meio do terrível vacarme, tivemos de retirar-nos, e
pouco depois, forçados pela necessidade, rejeitávamos a ma-
gra gallinha que no estômago estava em via de chimiãcaçao.
l3o AFRICA CENTRAL [CAP.
O baile e o bambaré duraram ainda muito tempo.
Os actores da scena tinham pela maior parte apparencia
feroz.
Os homens, de pennas e chifres na cabeça, em volta dos
tornozelos uns feixes de capim, agitavam as zagaias, sob a di-
recção de uma espécie de chefe, hércules de emmaranhada
barba e de aspecto cannibalesco, formando semicirculo, que
por outro lado se completava com o das mulheres.
Estas, com as trunfas presas ao alto, retintas de verme-
lho, e uma espécie de meio saiote de palha, batiam palmas
compassadas, fazendo movimentos grutescos e obscenos;
quando a da frente apparecia junto do primeiro virava-lhe
as costas, e em requebros eróticos e repugnantes dirigia-se
para o centro.
Aos dois immediatos chegava o seu turno, e assim ia o
giro perfeito.
Bumbos atroadores acompanhavam os gritos estridentes
e desaccordes das mulheres, intercalados por vezes de sil-
vos medonhos, que um dos assistentes extrahia do longo
chifre, completando assim o quadro galante, cuja descripção
por aqui rematamos.
A dysenteria não cessara.
No dia seguinte encetámos o supplicio de uma marcha
forçada, doentes, sob\im sol de chumbo.
A nossa idéa, um pouco modificada, era prolongar o Cu-
ango ou attingir o porto do Quianvo.
Chegados ali, não desejando visital-o, cortaríamos para o
oeste, pelo caminho da terra do guia.
A este, porém, parecia não agradar o plano, e quando
nos dirigíamos para a encosta o patife abandonou-nos, fu-
gindo por entre denso mii-chito^ sendo necessário insólito
trabalho para se conseguir encontral-o.
Subindo fatigados a abrupta escarpa, sentámo-nos na
parte superior, e uma hora se passou em promessas e in-
stancias, para que o fugitivo voltasse.
Emfim continuámos.
xix] E OCCIDENTAL l3l
Estávamos à boitt de paciência e forças, e a desesperada
lucta dos últimos dias não podia sem perigo prolongar-se
por muitcr tempo.
Ao fundo, em pittoresca paizagem, rolava o nosso rio, por
entre esguias ilhas de areia, em cima das quaes os hyppo-
potamos se aqueciam aos benéficos raios do sol.
Numerosos trilhos indicam por aqui a existência de gran-
des manadas de búfalos, de que o viajante deve precaver-
se, para não ser victima de algum encontro funesto.
Convinha alcançar n'cssc dia o rio Macolo, único em
cuja margem existe uma pequena senzala, que nos poderia
fornecer algum artigo.
Caminhámos pois calados e sequiosos ate ás quatro ho-
ras da tarde, em que a comitiva chegou ao sobredito ponto.
O nosso estado então era dos mais miseráveis.
Febris, ulcerados, dysentericos, gastos, abatidos, não sa-
biamos em que attentar.
As cinco horas ainda a temperatura era de 3o".
Escorrendo suor por todos os poros, ninguém pensava
ern acampar e comer.
A própria cadella, nossa companheira, estendida em terra,
de lingua de fora, accusava pelo arfar o cansaço e a angus-
tia.
Um bando de indígenas veiu ainda complicar esta de-
plorável situação, com exigências c pedidos, sem compre-
henderem que atural-os era para nós grande martyrio.
Feitas as compras precisas, com bastante custo, vista a
pobreza da terra, juntámos farinha, raizes de mandioca, boa
.porção de feijões, duas cabras rachiticas, algumas gallinhas,
e a maior quantidade de peixe que encontrámos.
Depois suscitou-se discussão.
O guia resolvera não continuar, e instava para que passás-
semos ali o rio, a fim de pela margem direita attingirmos
o Quianvo.
— Para o norte não tem gente, dizia; por aqui é o cami-
nho. Quem for adiante só longe encontrará trilho.
l32 AFRICA CENTRAL [CAP.
— Pois bem, vamos a esse; não é o caminho da senzala
grande que conduz á tua terra?
— Sim; mas o pagamento é pouco, e só irei por mais
uma peça; aliás volto.
Que rufião!
Medindo-o com terríveis olhares, procellosi oculi, d'on-
de chispavam faiscas odientas, cerrávamos nervosos os pu-
nhos, pensando em desaffrontar-nos da tratantada com uma
carga de pau!
E depois?
Conformando-nos, accedemos, na convicção de um pro-
veito futuro, e a 4 de junho, ao alvorecer, marchámos á
aventura, depois de nova altercação com o guia, que decla-
rou não partir sem lhe darmos primeiro a peça!
Dirigindo-nos para a terra elevada, em meia hora attin-
gimos o cume.
Quando o viajante escarpa a encosta, que ao longo da
margem esquerda flanqueia o Cu-ango, avista da parte su-
perior largos horisontes, apresentando aspecto uniforme na
extensão de muitas milhas.
As terras ondulosas d^onde se erguem nervuras, que se
dirigem a rumos diversos, são destituídas de arvoredo nas
posições altas.
Cobre o fundo dos valles frondosa vegetação.
Estas eminências acham-se por tal forma multiplicadas,
que dão a toda a superfície um tom de aspereza aterradora.
O leito do rio tomava-se sobremodo tortuoso.
A distancia observámos o lençol de agua que, espelhan-
do o sol, desenhava na planura, em argêntea fíta, as suas
curvas caprichosas, chegando em pontos a correr para o
nornordeste, e virar repentinamente ao sueste.
Adiante as margens tornam-se accidentadas ; morros e
morros marginam o rio, apertando-o em estreito valle.
Para lesnordeste a agulha foi-nos dando successivamente
os pontos culminantes de azulados cerros, que viamos alon-
gar-se na linha norte-sul.
xik] E OCCIDENTAL l33
As ondulações do terreno, do nosso lado perpendiculares
á linha de marcha, tornavam esta por vezes tão penivel,
que mal fazíamos i milha por hora.
O sol, aquecendo a rocha, elevava por tal forma a tempe-
ratura, que os homens não podiam, depois das onze horas,
pôr os pés no solo. Ao longe mostrava-nos o guia a direc-
ção da residência do Quianvo, a qual marcámos ao nordeste.
Mais ao norte projectava-se um morro esguio e árido, que
nos foi indicado como o ponto da affluencia do Cu-ilo com o
Cu-ango, entre terreno invadido de penedos.
Ao noroeste triste e sombria estendia-se a região dos ba-
congo.
Era mister descansar, até que o calor abrandasse.,
n No fundo de uma ravina entrámos em escuro bosque,
para tal fim, visto termos encontrado agua n^uns lameiros.
Ainda não tinham decorrido dez minutos após a installa-
çSo quando enorme arruaça se levantou entre os nossos.
Mais um desengano acabava de ter logar.
l34 AFRICA CENTRAL [CAP.
O guia, sem sabermos porque, pois momentos antes pa-
recia estar de novo satisfeito, abalou de arma ao hombro,
deixando-nos estupefactos.
Não ousamos, leitor, contar-vos detidamente os dissabores
supportados pela misera caravana desde os dias 4 a 1 1 de
junho, epocha em que outra vez tocámos a margem do Cu-
gho ao noroeste.
E um estendal de sofFrimentos, de fomes, sedes, calores
e luctas, no meio d'essas despidas terras, de que a carta vos
dará idéa.
O que ella porem nao pode reproduzir é o aspecto me-
lancholico d\iquelle vasto tracto de terreno despovoado,
d^onde o homem fugiu por muitas rasoes, entre as quaes
figura, talvez como a primeira, a falta de agua.
Que ermos que solidões sem igual.
Que profunda tristeza parecia ligar-se a tudo!
Um socego tumular reina por aquelles cerros e vallados,
cujo aspecto sombrio e nú, ferido pela deslumbrante luz do
sol equatorial, tinha um não sabiamos quê de extraordiná-
rio, que a consciência da solidão ainda tornara mais pavo-
roso.
O verde da paizagem, o céu com as suas nuvens, nada
servia de allivio no meio doeste ermo, onde o silencio cam-
peia, a immobilidade espanta, o calor suíToca; e só os echos
do valle respondiam aos gritos de desalento dos nossos com-
panheiros.
A medida que avançávamos para o norte mais se aggra-
vava esta situação estranha, para a qual não temos termo
comparativo.
A solidão crescente dava ao meio em que viviamos um
cunho solemne e terrível. Seria o dominio da morte, se ani-
maes silvestres n^elle não existissem.
Luctando com quanto deixamos descrípto, esgotámos em
breve comida e forcas.
A 9 de junho attingimos o ponto extremo, que no diário
se acha assim:
xix] E OCCIDENTAL l35
EXPEDIÇÃO AFRICO-PORTUGUEZA Pag. 608
Junho, 8 — 1879
MiVRGEM ESQUERDA DO RIO CU-ANGO.
Aneróide — 73o,o (não corr.) Temperatura — 3o,o
Continua o deserto.
Ao meio dia sobre um cabeço.
_Q. mer. 6o». 15^29"
— V.0 caminho de hoje absolutamente similhante ao dos últimos
cinco dias. Despovoado.
—^N Desde o nascer do sol divagamos á mercê da disposição do ter-
reno.
— >NNáo avançaremos mais. Hoje volvemos. Dez dysentericos.
—-^Trilho do guia não apparece. Agua pouca, os mantimentos vão
terminar. Quianvo (senzala por 179° verdadeiro.)
-^^Vê-se o Cu-ango ao longe. Marcámos um notável morro esguio
por 335 verdadeiro nordeste, e imaginámos ser o mesmo que se acha
próximo do Cu-ilo.
Grandes queimadas ao noroeste.
Calor immenso. Febre ao cair da tarde, dysenteria permanente.
•Malfadadas terras de lácca!
Volvendo para o sul, parte pelo mesmo trilho, continua-
ram os trabalhos logo que nos afastámos.
Basta o diário para dar idéa.
EXPEDIÇÃO AFRICO-PORTUGUEZA Pag. 609
Junho, 10—1879
JUNTO A LVNGA GALAMO.
Aneróide — 715 (corr.) Temperatura — 3 1®,65
— ".sQue dia o de hoje! Maior marcha feita em Africa por nós. 25
milhas.
—wv. Partidos do pé do Huamo, encontrámos ás dez horas e trinta mi-
nutos umas lagoas, junto de morros colossaes.
Como já hoje temos pouco que comer, decidimos continuar.
'Infelizes, engolfámo-nos n'um deserto immenso, agreste, medo-
nho, onde caminhámos para o oeste e sul.
— »^A\l
l36 AFRICA CENTRAL [CAP.
Eram seis horas da tarde quando o acaso nos deparou uma lagoa.
Esta terra só tem lagoas. Rios nada.
Horrorosa dysenteria. Um de nós gravemente enfermo.
O Cu-gho não apparece ; está naturalmente muito longe.
O que nos succederá por aqui, se se acaba o resto da farinha?
Que Africa esta! Ultimamente nem caça se vê.
São nove horas e trinta minutos, e ainda o calor é grande.
Fogueiras ao longe pelo norte.
Lá ficou o Cu-ango por terminar o resto.
O que nos dirão depois ?
Tão próximos a resolver o problema, e abandonal-o !
Paciência. Adeus ! Que venham outros.
Assim estava a comitiva acampada á beira de uma lagoa
quando acabámos estas linhas. Eram dez horas da noite.
Na abobada escurecida scintillavam milhares de estrellas.
A infallivel insomnia, companheira dos soflFrimentos, do-
minava-nos.
Pensamentos atrozes nos assaltavam a mente, e encos-
tados, um dentro gemendo com febre, outro fora sentado,
reflectíamos talvez em cousas bem diíFerentes.
A meia noite rompeu a lua, triste, como a do minguante ;
amarella em fiindo escuro, como a tarja oiro-falso sobre o
negro panno do caixão mortuário.
Um sentimento penivel, inexplicável, nos enchia a alma,
o coração trasbordava, e sem querer rebentaram-nos as la-
grimas!
Momentos desconhecidos para aquelles que só viajam
pela imaginação nos livros do seu gabinete.
Pobre explorador! Elle, que, pelo simples interesse da
sciencia, arrisca o socego, a familia, a saúde e a vida em
terras longiquas, é quem pôde apreciar a estranha influencia
exercida sobre o espirito por essa natureza tropical, bella e
grandiosa, que para impor-se basta-lhe o silencio, e na Eu-
ropa, ao escrever ingenuidades doestas, aterra-o o receio de
uma gargalhada sarcástica, o medo de não ser comprehen-
dido.
Detenhamo-nos, porém.
E OCCIDENTAL
■37
A 1 1 de junho proseguimos.
Não marchávamos )á, e amimados aos bordões arrasta-
vamo-nos penosamente.
Este dia foi para nós verdadeiro século de angustias.
Emfim serviu-se a Providencia lembrar-se d'aquelles que
pareciam esquecidos, e momentos depois avistámos, da en-
costa do cerro, algumas habitações junto do rio.
Era o Gu-gho.
CAPITULO XX
A fome, o estômago e uma opinião dos auctorcs — Succinta idéa sobre
o rio Cu-ango — No Cu-gho — Epocha feliz e epocha fatídica — O ar-
raial transformado em matadouro — O maluvo e a sua colheita — O
lago Aquilonda supprimido do mappa — A palmeira e as zonas cli-
matológicas — Abalada das terras do norte — O Pussa e o Cauali —
A vegetação — Catuma Cangando, o soba bordado — Consequências
da curiosidade —Uma copla gentilica — Ceremonia notável entre os
ma-hungo — Um enterro nos bosques — Danje, Luamba, Matamba e
Pacaça Aquibonda — Os Caculo-Cabaça — Assassinato de um com-
panheiro — Valor da vida entre os negros — Fimia-ia-Ebo e a ulti-
ma sepultura — Os valles do Lu-calla e a historia de um crocodilo —
Nova cosmogonia — A mesa, e satisfação especial que aos auctores
inspirava — Passagem do Lu-calla — Lista dos restantes no dia do
regresso.
Entre os factos mais susceptíveis de originar grandes con-
solações, n^este nosso pequeno planeta, figura de modo in-
dubitável um que, se na ordem de importância ha quem o
presuma secundário, deve todavia considerar-se como per-
tencendo-lhe a primazia.
Referimo-nos ao prazer experimentado por aquelle que,
tendo o estômago vasio e sentindo durante horas as lentas
agonias da fome, encontra inesperadamente meio de en-
chel-o.
140 AFRICA CENTRAL [CAP.
Comquanto sejam muito suaves e poéticos os transes pelos
quaes formos passando, por maiores que se afigurem as sen-
sações transmittidas á alma mediante os olhos e ouvidos,
nada nos demoverá, se não tratarmos das vias digestivas.
A cavidade estomacal em vácuo, exigente inexorável, não
admitte considerações.
»
Por isso, embora seja uma machina independente do es-
pirito e da vontade, a inversa pôde afiançar-se que não está
no mesmo caso.
As grandes idéas não nascem precisamente do estômago
cheio, mas formam-se com elle repleto.
E quando tal circumstancia deixe de acompanhal-as, fra-
cas e rachiticas devem ser.
Não cortaremos com o rigor do provérbio ou phrase la-
tina Fruges consumere nati, mas sem comer é que o ho-
mem nada faz.
Assim foi que, luctando por mais de um mez com a diffi-
culdade de sustento regular e nos últimos dias com ver-
dadeiros preâmbulos de fome, havia-se operado uma mu-
dança profunda nos dois chefes da expedição, a qual se
tornava mui sensivel na falta de iniciativa.
A ambos se quebrara a vontade, extinguira a energia, des-
norteavam as idéas n'um tumultuar confuso, d^onde surgia,
espectral, a imagem da fome amarga e angustiosa.
Não pensávamos, nem mesmo o podiamos fazer, e aban-
donando as cousas ao seu curso occasional, viamos com ver-
dadeira indifierença factos que mais tarde nos compungiram,
pelos resultados que tiveram.
Tudo mudava na caravana!
Acabávamos de adquirir para a sciencia geographica mais
um conhecimento, e provar que o Cu-ango é um rio, como
muitos outros do grande continente, menos aproveitável do
que se suppunha, debaixo do ponto de vista (Ja navigabili-
dade.
Do parallelo 1 1® 3o' approximadamente, onde estão as nas-
centes, até ao 5® o5', na cachoeira Quicunji, tem o rio um cur-
XX] E OCCIDENTAL I4I
so desenvolvido de 58o milhas geographicas, sinuoso, acci-
dentado, com um desnivelamento total entre os pontos ex-
tremos de i:i5o metros, ou à peu prés i™,98, como média
por milha geographica.
Pedras, cachoeiras, rápidos e cataractas, de que tenha-
mos conhecimento ha n'este rio doze; a saber: i.% no paral-
lelo IO® 17', a leste de Muene Songo; 2.', em 10® 25', perto
do riacho Camba; 3.% em 10° 08', pedras Caxita; 4.% em
10° o5', quedas Luiza; 5.*, em lo** 08', cachoeira a montante
de porto Muhungo; 6.*, em 9® 20', Zamba; 7.', em 9® 19',
Tuaza; 8.*, em 9®, cataracta Cunga-ria-Cunga ; 9.*, em 7**
42', Suco-ia-muquita ou Suco-ia-n^bundi; io.% em 7® 38', a
jusante do Cambo; ii.% em 7° 35', no meio de numerosas
ilhas; 12.*, em 5® o5', a cachoeira Quicunji, que só poderá
dar passagem na força das chuvas.
A maior extensão navegável é, pois, a que medeia entre a
cataracta que se acha em 7® 35' e Quicunji, ou seja 190
milhas geographicas.
O rio então é amplo, de largura variável, nunca menor
que 70 metros, e fundo entre 5 e 20 pés.
A corrente perde um pouco do seu Ímpeto no curso supe-
rior, deslisando o rio na estiagem a i,5 milha de veloci-
dade.
Emfim, terminaremos por dizer que sendo as nossas lon-
gitudes rigorosas, pois o levantamento em parte chronome-
trico foi referido á partida e chegada ao presidio portuguez
do Duque de Bragança, e este ultimo ao terminus na cos-
ta ; afigura-se-nos que o ponto de affluencia do Cu-ango (ou
Ibari N^kutu), como se vê nas cartas a montante de Stanley
Pool, está erradamente collocada a leste de mais.
Difficilmente se concebe uma disposição de terreno em
que dois cursos de agua, do valor do Cu-ango e Congo-Zai-
re, correm quasi parallellos e em sentidos oppostos.
Em breve, porém, teremos a resolução doesta duvida
pelas longitudes que á Europa ha de trazer o intelligentè ex-
plorador, mr. De Brazza.
14^ AFRICA CENTRAL [CAP.
Chegados á margem do rio que tempos antes havíamos
transposto a jusante, começou uma nova e feliz epocha para
nós, como fatídica fora a da partida d^elle.
No momento de assentarmos o arraial correram indíge-
nas de pontos diversos, que n^uma hora nos pozeram em
circumstancias de retomar os respectivos logares.
Era uma faina índescriptível ! Missangas e peças de fazen-
da, permutaram-se por gallinhas, porcos, carneiros, farinha
c um numero infinito de cabaças de inaliivo.
Gritos, gargalhadas c discussões, confundiam-se com os
grunhidos surdos de um porco que expirava, com os lamen-
tos de um carpeiro em via d'isso, com o piar de gallinhas
agonisantes.
Um perfeito matadouro!
No meio, de pé, com o cozinheiro ao lado, procedíamos
a successívas arrematações, discutindo com este, argumen-
tando com aquelle, e accedendo por fim a quanto queriam.
E quando o sol do dia 1 1 nos fez as ultimas despedidas,
já nos deixou satisfeitos, achando-o por isso mais bello do
que na margem do Fortuna.
Havíamos comido cada um por quatro, sendo necessá-
rio reunir e guardar os mantimentos supplementares, a fim
de que os estômagos não perdessem de todo o habito ao
regimen da simples ração.
Depois, como verdadeiras creanças, os nossos, esquecen-
do as tristezas de horas antes, encetaram um famoso batu-
que, que durou emquanto existiram as cabaças de maluvo,
e ao som do qual os chefes roncavam, como se estivessem
no mais profundo dos ermos.
Era a véspera do anniversario natalício de um de nós.
A 12 de junho completava os seus vinte e nove annos,
ufanando-se por se julgar o mais novo dos exploradores
entrado para o sertão.
Decidimos pois ficar no campo esse dia, e aproveitalo
em visita e divagação pela margem do rio, onde abundavam
crocodilos e hyppopotamos.
Xxl E OCCIDENTAL 143
Servir-nos-ha também esse repouso para aqui fallar sobre
o celebre maluvo, ou vinho de palma, a que com frequência
temos alludido.
O vinho de palma que se encontra n^esta região da Africa
do parallelo 7® para o norte, e nunca ao sul, excepto perto
da costa e em pequenas altitudes, é uma bebida agradável,
cujo sabor dá uns longes da essência do moscatel, sendo, ao
sair da planta, extremamente gazosa e aromática.
No fim de vinte e quatro horas começa a fermentação
acética, e torna-se muito acre, acrescendo a circumstancia
de embriagar com facilidade.
É assim que os indígenas a apreciam.
Extrahe-se de duas plantas diversas, a Elais Gmneensis
e Raphia, de que temos fallado, verdadeira palmeira acaule.
No primeiro caso fazem os indígenas a ascensão da plan-
ta, e cortando perto da base a haste que sustenta os novos
fructos, collocam ahi uma cabaça, a fim de receber a seiva,
a qual successi vãmente vão substituindo; no segundo, pró-
ximo da nervura média das folhas (que constituem o apoio
das tipóias da costa), praticam um corte, introduzindo n^elle
cabaças próprias, terminadas em bico, onde se continua re-
colhendo o sueco.
O liquido extrahido doesta ultima é relativamente mais
agradável, aromático e abundante do que da primeira.
Nos grandes m//-c/n7o, por nós atravessados, encontrá-
mol-a sempre profusa, constituindo verdadeiras regiões vi-
nhateiras.
Gentio algum ousa tocar nas alheias cabaças, c a infrac-
ção ou quebra doeste respeito traria graves consequências.
A exploração da apreciada bebida é feita com certa re-
gularidade, assim como o fraccionamento das florestas .que
a produzem.
Seguem para recolhel-a um systema alternado de collocar
as cabaças, isto é, ao cair da tarde e ao romper do dia.
De manhã cedo pelos bosques observavámol-os fazendo
a primeira recolte e perto do pôr do sol repetindo-a, a fim
144 AFRICA CENTRAL [CAP.
de a ter fresca ou em determinado grau de fermento, con-
forme o gosto dos consumidores.
Emfim, a extracção deve ser de muitos milhares de litros
por senzala, a julgar pelas quantidades que vimos consumir
nos si tios onde estivemos.
O rio Cu-gho descreve, do ponto em que nos achámos,
uma curva para leste com a configuração approximada da
letra U.
O seu leito é summamente tortuoso, as margens elevadas.
Indicaram-nos grande numero de lagoas * em direcções di-
versas, entre as quaes uma para o noroeste, nas terras de
Macume N^jimbo, onde diziam ter o rio a sua origem.
Como imaginássemos ainda uma vez ser o celebre Aqui-
londa, que desde a chegada a lácca procurávamos, inquiri-
mos da sua grandeza e posição, ficando desilludidos.
É pois certo e terminante não existir tal lago, e nós, ao
contrario de quasi todos os exploradores que ultimamente
têem estado em Africa (os quaes se não descobriram em ri-
gor lagos, pelo menos estudaram algum pouco conhecido,
como por exemplo Stanley o Victoria, Cameron o Tanga-
nika, Serpa o Carri-Carri), tivemos de eliminar um, que de
resto nos ia endoidecendo emquanto por lá andámos.
Os naturaes permaneciam boquiabertos quando lhes fal-
távamos no grande lago Aquilonda, e ainda mais assombra-
dos a respeito do celebre rio Barbela, que lhe indiciávamos
como canal de esgoto do mesmo lago.
1 Todas as lagoas por nós observadas n'estes parallelos, e mesmo
as que indicámos por informações, não constituem, como á primeira
vista possa imaginar-se, vastos charcos no meio de planuras extensas,
o que levaria a suppor serem as dez referidas entre as bacias do Cu-
ango e Cu-gho, talvez os derradeiros traços de um grande lago meio
disseccado.
Pelo contrario, são pequenas bacias de 2, 3 e 4 milhas de extensão,
cercadas de morros altos, d'onde a agua, na força das chuvas, elevan-
do-se, se escapa por pequenas ravinas, que breve seccam ao baixar
do nível.
E OCCIDENTAL
■ 45
«Nada, não e^cístci; era a resposta.
E nós, depois de muito matutar, chegámos á conclusão
de ser a dita bacia apenas uma chimera creada na cabeça
de algum dos missionários (Capuchinhos?) que percorriam o
Congo, a quem os naturacs do Zombo ou do Sosso, haven
do discursado acerca do Cu ango e grandes nos de leste,
mdicaram como ficando similhantes aguas para o lado da
Lunda; tal circumstancia deu logar a que suas reveren-
díssimas, com uma noção vaga sobre as amplas bacias, as
inscrevessem nos apergaminhados mappas com a designa-
ção de Aqua Lunda, latinada que de futuro deu natural-
mente o Aquelunda e o Aquilonda.
Dez milhas a montante do nosso campo recebe o Cu-gho
um afluente pela margem direita, denominado Cauali, que
nascendo no Danje tem um percurso nSo inferior a loo mi-
146 AFRICA CENTRAL [CAP.
lhas de extensão, dando escoante ás aguas da vertente leste
do plateau do Finde.
O Cu-gho, verdadeira barreira das terras desertas do
norte, é povoado ao longo da margem direita por numero-
sas senzalas de ma-hungo, de quem já falíamos, altamente
supersticiosos e de todo ignorantes, que se entregam á pesca
e ao exercício venatorio nas terras vizinhas.
A estas tribus pertenciam alguns dos caçadores que vi-
mos pelas florestas.
Um facto digno de mencionar-se aqui é o da disposição es-
pecial das zonas climatológicas relativamente á flora, onde
a latitude e a altitude sobre esta têem a sua conhecida in-
fluencia.
Como o bao-bab, a palmeira conserva as suas regiões de-
limitadas com perfeito methodo.
Assim a Raphia, productora do maliivo, que no norte
profusamente encontrámos, desapparece como por encanto
ao sul de uma linha, que prolongamlo na direcção do oriente
o curso do rio onde nos achamos, corta depois para o sul do
parallelo 8®, pela Africa dentro.
Ao norte por toda a parte a Raphia, ao meio dia nem
um só pé!
É possível que para o coração do continente isto varie,
como por exemplo na Lunda, mas esse facto provém da
menor altitude para esses sitios.
Decorrido em socego o dia 12, alliviados do estado fe-
bril que invariavelmente nos perseguia, distribuídos os me-
dicamentos precisos, como o chlorato de potassa para dois
escorbuticos, o nitrato de prata diluído para um ophtalmico;
quina, camphora e adhesivo para quatorze feridos, e sul-
phato de magnesia para vinte desejosos, encerrou-se tudo,
proseguindo depois.
Chegara o momento de nos despedirmos das terras do
norte. •
Nem as forças nem os recursos permittiam aventurar-nos
ainda uma ve2 por ali.
XX] E OCCIDENTAL I47
Decidimos, pois, abandonando o projecto de cortar direi-
tos ao Ambriz pelo Finde e Lu-oje, seguir ao susudoeste, e,
determinado a bacia do Lu-calla, marchar depois para o Cu-
anza, cujo curso estávamos dispostos a reconhecer.
A i3, ao soar da alvorada no arraial, doentes e sãos, ac-
commodando-se como podiam, ergueram as ossadas, e, re-
tesando os músculos, avançaram com 6o libras ás costas.
Primeiro o paiz é plano, mas adiante torna-se accidenta-
do. Ao longe, no oesnorueste, apercebem-se estiradas maças
de vegetação mais escura.
Eram as margens do Cauali, que para o norte conduzia
as suas aguas.
Ao sueste uma densa barreira indicava também o curso
de desenvolvido rio. ^
Era o Sussa que, parallelamente áquelle, leva as aguas de
Matamba, por via do Cu-gho, até ao Cu-ango.
Caminhávamos pois na linha divisória das aguas dos dois
rios, apenas guiados pela bússola.
Numerosas lagoas, com disposição em tudo similhante ás
por nós já indicadas, ladeiam o trilho por leste e oeste, onde
sequiosos fomos buscar a agua necessária.
• Estávamos em plena epocha do sueste.
Nos pontos altos, rajadas de vento impetuoso fustigavam
a caravana com uma energia espantosa.
Brancos cúmulos corriam velozes para o lado do oceano.
O aspecto do céu era absolutamente o mesmo que no mar,
na região geral.
Dos affluentes do Sussa, no plateaii elevado, passámos
para os do Cauali, descendo sombria encosta, e então infi-
nidade de pequenos riachos, sulcando em todas as direcções
o terreno, marcavam de per si um accidente, que só a custo
se vencia.
Pequenas aldeiolas começam a povoar o caminho, d^onde
os fhdigenas, saindo em tropel, nos sjeguem durante horas.
A vegetação tem aspecto característico e differente dos pon-
tos que observámos mais a leste.
148 AFRICA CENTRAL [CAP.
Arvores de esguios troncos lançam-se do fundo dos val-
les em procura da luz que lhes falta, espalmando ao sol,
como verdadeiras umbellas, os ramos superiores, onde as
folhas lustrosas e originaes cobrem com a sua sombra o
terreno.
Entre ellas ergue-se uma de crescidas dimensões, elegante,
coberta de brilhantes flores encarnadas, que por vezes con-
stituem zonas da floresta, em tudo similhante á Spathodea
campanulata.
Pelo ar solto voam em todos os sentidos brancos penna-
chos, ténues, de fios assetinados, que colossaes, Erioden-
dron (?) despediam sob a acção do vento, formando no solo
um verdadeiro tapete.
Nas margens dos riachos próximos das habitações a can-
na saccharina cresce extraordinariamente, chegando a ter
o",o7 e o"*,o8 de diâmetro.
O milho por estes logares produz sempre. Aqui -um pé
já formado, ali outro em via de crescimento, de forma que
se nos tornava fácil obtel-o fresco, para assado nos fornecer
o pão.
De tabaco viam-se plantações inteiras, assim como algo-
dão em abundância nas terras menos arborisadas e que pa-
recia ser representado por mais de uma espécie.
Perto da aldeia Quimana encontrámos segunda vez o tri-
lho que do Holo vae á costa, e se dirige ao grande pombo
(encruzilhada) no sueste de Encoge (N'Hoje); ahi, subdivi-
dindo-se, parte um directamente para o Ambriz, o outro
para o Bembe, ao longo do M'briche (rio), até ao Ambri-
zette, onde este ultimo vae desaguar.
Em Songanhe (aldeia) acampámos ao cabo de quatro dias,
a fim de adquirir mantimentos e recebermos a visita do so-
ba Catuma Cangando, que ficara atraz, velho de grandes
barbas e feio aspecto, envolvido n'um immenso panno de
riscas.
Foi dia de balbúrdia, no qual os brancos estiveram jem
exposição mais de seis horas seguidas.
sxl
E OCCIDENTAL
149
Cousa alguma os fazia retirar do nosso acampamento,
e as damas, por mais curiosas, postadas diante de nós, bo-
quiabertas passavam horas, para de seguida se dirigirem ás
cargas a observarem, e logo depois á cozinha commentando.
Estiveram a ponto de nos obrigar a despir, por teima-
rem que tínhamos todo o corpo coberto de longos pellosi
como os das barbas!
I 5o AFRICA CENTRAL [CAP.
Breve lhes veiu porém o desengano.
Como um de nós se retirasse para a respectiva cubata,
já cansado da exposição, quiz aproveitar o ensejo e, acorti-
nando o buraco que dava entrada á choça, procedia a ablu-
ç5es, n'uma das banheiras de borracha que possuiamos.
Não havia ainda cinco minutos que o triste (á feição de
uma Vénus) se espadanava contente nas pequenas ondas
do oceano improvisado, quando umas poucas de bellas se
lembraram de levantar a cortina.
Com tão grande infelicidade porém o fizeram que, ao pu-
xal-a, despregou-se, e então, oh céus! appareceu de chapa
um Neptuno, cujos gritos desordenados pozeram tudo em
alvoroço.
Era uma scena indescriptivel o pavor da turba á appa-
rição inesperada do que se lhes afigura um monstro.
Mulheres e creanças berravam, corriam, como o podiam
fazer á vista de qualquer crocodilo !
O próprio soba estivera quasi para fugir.
Cousas humanas!
Imagine-se que lisonjeira situação.
Após uma longa e feliz carreira pelo velho mundo, mar-
cada talvez pelo despertar de quatro paixões e cincoenta
sympathias, ver-se um mortal subitamente inspirando sen-
timentos de terror, á similhança de qualquer lobo ou urso
desembrenhado ; é triste.
Restabelecidos doeste vexame, decidimos jantar para sa-
tisfazer o appetite; passando o resto da tarde no convívio
dos visitantes, a quem mostrámos armas, que descarregáva-
mos para explicar-lhes os phenomenos; depois encerrou-se a
sessão, a fim de coagir as senhoras a tratarem da cozinha
dos maridos, que em derredor as exhortavam com pala-
vras e gestos de esfaimados, indicando-lhes o ventre, onde
uma enorme depressão, tendo o umbigo por centro, era in-
dicio do vácuo que lhe ia no interior.
Ao raiar de 17 suspendemos e mareámos (na phrase de
marinheiro), soltando o rumo ao susudoeste.
XX] E OCCIDENTAL l5l
A pequena aldeiola abandonada retomou o seu ar melan-
cholico, os homens retiraram-se, e as jovens, com um ul-
timo olhar, despediam-se saudosas das riquezas que se lhes
escapavam, e das quaes maior proveito podiam ter tirado.
«Vamos para o caliinga^b (oceano), bradava a iroupe con-
tente, entoando em coro a seguinte copla, que nós (com a
devida vénia) ousadamente traduzimos :
O Cu-ango atraz fica,
Por traz d'estes matos;
Os brancos não voltam,
Vão ver os odtos! *
Eh'Eh-é! Eh-Eh-él
Trepando uma elevada encosta entrámos nas terras do
importante soba Catuma Caimba.
Breve uma infinidade de aldeiolas nos appareciam por
todos os lados.
Quitanguca, Cabenda-Candambo, Mucole-Maiale, Funda-
Imbi, Petro e Quicanga foram outros tantos logares onde
não faltaram conversas e cabaças de cerveja, com grande
regosijo dos nossos, que pela boca de Capulca o exprimiam
dizendo :
«Assim é que se pôde andar com o coração contente!»
Modo errado (a nosso ver) de apreciar os factos, pois era
ao estômago que elles deviam referir-se.
Um costume original entre os povoadores doesta terra, e
que observámos em quasi todas as recepções, é o da lim-
peza da guela do soba.
Quando ao regulo, no meio da sua arenga, afflue a secre-
ção da larynge em maior abundância, acena a um sujeito que
está perto, para servir de operante.
Este, ajoelhando respeitoso em frente do chefe, abre as
mãos, e juntando-as como se estivesse sustendo um livro,
espera a dadiva que lhe destinam.
1 Odtos, barcos dos europeus.
102 AFRICA CENTRAL [CAP.
Então s. ex.* ronca, puxa, accommoda com movimentoç
da língua o liquido de encontro á parte interna dos incisi-
vos, e despregando os augustos lábios projecta-o de seguida
nas palmas do individuo fronteiro, que leva as mãos ao cor-
po e esfrega-se com o conteúdo, concluindo por uma untu-
ra nos sovacos dos braços !
*
Como fossemos caminhando no dia seguinte perto da
senzala do regulo N'gana N'zendo, surprehendeu-nos no
mato uma enorme multidão de homens e mulheres, que em
coros e palmas faziam arruaça espantosa.
Approximando-nos, vimos a meio o cadáver de um velho,
estendido no chão.
Um heroe de pennas na cabeça, sentado de moxo, dirigia
a cadencia do canto, batendo palmas a compasso.
Ao lado, azafamados, uns poucos abriam cova, emquan-
to outros juntos de panellinhas preparavam, segundo pare-
cia, um remédio (a não ser alimento para o morto).
No acto de surprehendel-os ergueram-se todos, e abando-
nando o defunto vieram admirar-nos; porém nós, não que-
rendo interromper a ceremonia, partimos.
Adiante, na senzala Munda, descemos uma elevada en-
costa, entrando na bacia do rio Cauali, cujas nascentes
em breve transpozemos.
Estávamos nas terras do Danje.
A oeste ficava-nos Luamba*, a leste Matamba e Pacaça
Aquibonda.
Perto, ao nordeste, estavam as origens do rio Sussa, a
que já nos referimos, ao sul as do Lu-ando, a oeste as do
Lu-calla, nas terras do Calunffã-CsLniimho^ limite dos esta-
dos do Mutemo Ambuilla (Dembo).
^ As terras de Luamba constituem um districto que hoje está quasi
independente da Jinga. São governadas por um soba importante, Vun-
^a-ia-Vunda-N'gola (o maior dos Vundas de Ngola), geralmente co-
nhecido por Calunga-Luamba, e que poucas relações tem com o rei
da Jinga.
KS]
E OCCIDENTAL
l53
Esta região, interessante debaixo do ponto de vista hy-
drographico, foi por nós explorada tanto quanto possivel,
a fim de estabelecer definitivamente a distribuição das aguas.
Dos pontos mais altos avistávamos os montanhosos ter-
ritórios dos celebres Dembos, cujos povoadores de leste são
conhecidos pelos Caculo-Cabaça.
Foi por aqui, e justamente ao passar o riacho Camáxe,
a£Ruente do rio Danje, que um desagradava! facto nos deixou
consternados.
Descendo a eminência que inclinava para o riacho em li-
nha estendida, sentimos perto o estrondo de um tiro.
Voltando-nos, vimos um dos homens que mais próximo
ia, abandonando a carga, cair inopinadamente no chão.
Espantados dírigimo-nos a elle, e uma poi;a de sangue, ao
levantal-o, nos explicou tudo.
l54 AFRICA CENTRAL [CAP.
O infeliz fora varado pela bala, de que escapáramos mi-
lagrosamente, pois íamos na vanguarda d'elle.
O incidente era devido á imprevidência: embora constan-
temente o recommendassemos, nunca conseguimos dos nos-
sos rapazes que trouxessem em marcha as armas descar-
regadas !
Quissongo (o velho) n'esse dia, ou por que se dispozesse a
caçar, ou a sua natural cobardia o induzisse a ter a arma em
segurança, carregou-a escondido, e, quando passou junto de
umas arvores que obstruíam o trilho, virou-se para accom-
modar a carga; ao abaixar-se, porém, esbarrou com um
ramo, que levantando o gatilho, desfechou a arma, e, como
estivesse voltado para a retaguarda, o projéctil partiu na
nossa direcção.
Uma pobre mulher, com um filhinho ás costas, achava-
se por tal forma collocada no alinhamento, que mal pode-
mos comprehender como escapara.
Vadeando o riacho, corremos pressurosos para a senzala
fronteira do F«;/rfíi-ia-Buta, a fim de começar o indispensá-
vel tratamento.
O projéctil entrara pela base da região abdominal, e,
atravessando os intestinos, fora alojar-se na nádega esquer-
da, muito próximo da superficie.
A primeira tentativa consistiu em operar uma incisão, e,
depois da sondagem, ver se conseguíamos extrahir a bala.
Infelizmente escapou-se para o interior quando a procurá-
vamos.
Todos os esforços eram inúteis; o nosso companheiro
estava irremediavelmente perdido.
Emfim, pensadas as duas feridas, esperámos as conse-
quências.
O homem nem sequer soltava um queixume, e olhando
para o assassino como para qualquer dos outros, perma-
necia scismatico.
■
Notável coincidência : este infeliz teve sempre o presenti-
mento de que havia de morrer no mato!
XX] E OCCIDENTAL l55
No Cu-ango estivera á beira da sepultura com uma dy-
senteria; escapara então para succumbir quasi no limite dos
trabalhos.
Coitado !
Vede agora, leitor, o que vale a vida em Africa.
Emquanto concluíamos a operação enviámos José á al-
deiola para comprimentar o soba, e levar-lhe um presente
de 6 jardas de riscado, annunciando ao mesmo tempo a nos-
sa chegada.
Decorrida meia hora volveu com a resposta do regulo.
É a seguinte:
— O soba está satisfeito com o presente.
«Tem muito gosto de ver os brancos em sua terra, e
logo virá comprimental-os.
a Falta, comtudo. . .
— O que? respondemos nós, antevendo alguma exigência.
— Falta, dizia José, meio enleado, que o soba diz terem
os brancos commettido hoje um crime em sua terra; mata-
ram esse homem e é preciso pagar; porque se elle fosse á
terra dos brancos, e matasse alguém, a isso o obrigariam.
Esta declaração, feita em alta voz diante do desgraçado,
era por tal forma brutal, que no primeiro momento a idéa
foi, munindo-nos de um cacete, fazer sentir ao guia a obri-
gação de ser mais humano, e não pôr-se defronte do fe-
rido a dizer-lhe que estava morto.
Mas as cacetadas em José reclamariam como coroUario
a respectiva correcção no Quissongo, que tudo occasioná-
ra; por isso nós, attendendo á idade do ultimo, absolvemos
ambos, e perguntámos ao interprete:
— Quanto pretende o soba pelo crime?
— Quer 4 jardas de algodão.
Assombroso! 4 jardas pela vida de um homem!
Mais caro levam por o inhumar, pois que adiante nos pe-
diram 6 jardas por similhantc serviço!
A 26 de junho, ao rumo do sul, passávamos nas cabe-
ceiras do Lu-ando, que deixámos determinadas, e a 27 des-
l56 AFRICA CENTRAL [CiU».
cansou-se do r»;/c/a-ia-Ebo, limite das terras do Vanda-ieL-
Cassanda, onde o nosso companheiro exhalou o ultimo
alento, sendo ahi enterrado.
Era o sexto individuo que nos morria, e a quinta sepul-
tura que abríamos no mato, porquanto o primeiro perece-
ra em Benguella.
Emfim, graças á Providencia, o mais difficil passara e nós
ainda viviamos. Verdade é que o clima para o litoral come-
çava a peiorar, mas após tantas vicissitudes não havia a
infelicidade subir a ponto que succumbissemos quando já
próximos estávamos do termo da missão; e n^estas philo-
sophicas considerações, ao som das enxadas que perto ca-
vavam, decorreu a tarde de 27.
A 28, quando ainda pelas senzalas vizinhas se resonava,
surdiamos das exiguas cubatas para pôr em marcha a co-
mitiva pela quinquagesima vez, partindo ao longo da bacia
do Lu-ando, que tinhamos vadeado da primeira com agua
pelo pescoço.
Adiante desenrolavam-se-nos os valles, onde corre ò Lu-
calla, verdejantes, animados com grupos de senzalas e nu-
merosos rebanhos, pelo meio dos quaes íamos tranquillos,
graves, reflectindo na possibilidade de os transformar em
bifes.
Tomando o atalho traçado pela passagem das caravanas,
n^elle nos engolfámos, vendo em derredor somente os ma-
cissos.
Havia meia hora que nos envolvêramos no trilho.
Ao lado de mestre Zé, alegre narrador, caminhávamos
descuidosos, ouvindo a historia de um crocodilo do Cu-
anza (que pessoalmente conhecera}, e assegurava ser tão ve-
lho que, quando o \nra, já eile tinha comido mais de cem
pessoas. No lombo, diaa, enraizara uma pequena jSoresta,
e na barriga, no acto de o matarem, entre vários pequenos
artigos, como manilhas, enxadas, bancos, etc, encontraram
um feitiço importante, ao qual o sobredito crocodilo devera
a indicação das \'ictimas:
! SI^OUS 333! SSASANCA vV ""^
á
^ft ^ U.- /* -s-r.
XX] E OCCIDENTAL íbj
Capulca, acercando-se, explicou um processo especial, ba-
seado no emprego de certa herva, de que pequena porção,
bem mastigada e lançada ao rio, era suíliciente para afu-
gentar todos os crocodilos do mundo, podendo assim evi-
tar-se tanta desgraça; e passando de um ao outro polo com
a sua natural volubilidade, encetava a exposição de uma es-
tranha cosmogonia dizendo :
— O céu é de pedra, e as estrellas são ... de mica (doesta
pedra que luz, foi a phrase), quando subitamente nos dis-
trahiu o apparecimento, no horisonte ao sudoeste, de bom
numero de casas alinhadas.
Era Duque de Bragança, d^onde partiramos alguns mezes
antes.
Á medida que nos approximavamos, recapitulando os in-
cidentes da nossa viagem e das luctas no norte, occorriam-
nos elles á idéa com a mesma fidelidade como se nos tives-
sem succedido na véspera.
Os tórridos calores de lá, as terras desertas que percorrê-
ramos, as pungentes angustias que as febres nos tinham feito
experimentar, os incessantes receios de não poder proseguir,
a resolução de voltar, a fome e sede emfim, tudo nos recor-
dava, como se realmente ali estivéssemos ainda.
A presença da fortaleza que nos defrontava era a causa
originaria doestas considerações, cuja preciso estudo com-
parativo nos levou a seguinte philosophica conclusão, que
não temos a vaidade de apresentar como nossa:
«O mau e o bom são questões relativas.»
E lembrando-nos as gallinhas e presuntos do nosso velho
Silvério (ao que muitos dirão, «só pensavam na barriga»,
juizo que nem de leve contestaremos), partimos, redobrando
a marcha!
Devemos notar ainda aqui, e pela ultima vez (para intel-
ligencia dos leitores), que sendo um dos maiores incommo-
do3 das grandes viagens em Africa comer mal, só o pôde
exceder a falta absoluta de comida; em nossa particular opi-
nião, necessário se tomaria grande rudeza ou uma imper-
l58 AFRICA CENTRAL [CAP.
turbabilldade anglosaxonia, para não experimentar verda-
deiras comichões á idéa de nos installarmos perante uma
bem servida mesa. E como não somos uma (modéstia á
parte) nem outra cousa, justamente nos deixávamos pos-
suir doesta alegria, que ás vezes quasi se traduzia na von-
tade de, em agarotado transporte, dar dois pinotes no ca-
minho !
De resto, seria esta propensão infantil talvez resultado do
viver do mato, e consequência do contacto com o negro,
cujo caracter tem esse fades especial.
A verdade é que mais tarde, no Central, em Lisboa, ou
no Grand Hotel, em Paris, prescrutando as nossas dispo-
sições, nunca nos achámos precisamente dispostos a dar
os taes saltos, no momento de nos sentarmos á mesa!
Digamos aqui entre parenthesis que estabelecido simi-
Ihante uso, que a hygiene de certa forma auctorisaria pela
circumstancia tão attendivel de tornar mais activas as func-
ções vitaes, nós de forma alguma o combateríamos, so-
bretudo se ás gentis mtss elle se tomasse extensivo, obri-
gando-as a tal pratica antes de ingerirem a sopa.
Sigamos porém a nossa narrativa, interrompendo os de-
vaneios facetos.
Quanto mais se andava, menos próximo parecia o termo
da jornada, tal era o desejo de chegar antes da tarde; e
compellindo José e os companheiros, esbaforidos, suados,
lenço na fronte ou no forro do capacete, suspirávamos,
lembrando-nos o effeito que produziria por ali a voz de um
empregado do caminho de ferro, echoando pelas quebradas :
« Fw;/t/a-ia-Cassanda, quinze minutos para almoçar.»
Após pequena discussão entre ambos, relativamente ao
local para o estabelecimento da estação, n^esta parte da
imaginaria linha (facto em que não houve accordo pleno),
chegámos á margem do Lu-calla.
O velho Silvério esperava-nos já ali, e em breve fizemos
n^uma velha canoa a passagem da nossa gente, que se com-
punha então dos seguintes indivíduos :
Capulca, cozinheiro. . . . .
Catraio, ajudaine observador
Filippc, creado
Mupei, creado
Gapenda, creado ,
Quissongo
Mestre Zè, guia
Josíi (velho) ,
Filho do Quissongo . . . . .
Lianda
José
Otuho ,
Quimbundo
Quimbundo (pequeno) - . .
Ganga
Gando
Somma
Fortuna
Muto
N'jil3
Jamba
Quissongo
Quingando
N'gila (pequeno)
Gutnbe
N'jamba (grande)
Sabi
Bonga
Calumbo
Gando (velho) ,
Quièu
Cassanda
Domingos (N'jin(i)
Cambuta
Narciso (velho)
Tamby
Benguella.
Bcnguella.
Benguella.
Mulondo.
Peinde.
Biè.
Luanda.
Biè.
Lunda.
Tunda e Ceili.
Tunda e CelU;
Tunda e Celli.
Tunda e Celli.
Tunda c Celli,
Tunda e Celli.
Tunda e Celli.
Tunda e Celli.
Tunda e Celli.
Tunda c Celli.
Tunda e Celli.
Tunda e Celli.
Tunda c Celli.
Tunda e Celli.
Tunda e Celli.
Tunda e Celli.
Tunda e Celli.
Tunda e Celli.
Tunda e Celli.
Tunda e Ceili.
Tunda e Celli.
Tunda e Celli.
Tunda 6 CelH.
Cassanje.
Cassanje.
Cassanje.
Cassanje.
Cassanje.
Cassanje.
AFRICA CENTRAL E OCCIDENTAL [CAP. XX]
»„..
.„„...»„„
Mangumbala (Chico)
Cassanje.
Cassanje.
Cassanje.
Cassanje.
Cassanje.
Cassanje.
Caconda.
Luanda.
Biè.
Sambo.
Dombe.
Joaauim
Chico
António (Undalla)
Mulher de Quissongo
Mulher de Capulca
Operado o trabalho, cortámos radiantes para o antigo
acampamento, emquanto Silvério ordenava os preparativos
do jantar.
COIHETOIIHW VEULUnlUl (QUIHBlllBl)
CAPITULO XXI
Duque de Bragança — Sua importância e fertilidade — Mais um jantar
com o chefe — Coordenadas astronómicas e magnéticas respectivas
— Um soba compadre — As creanças africanas e duas considerações
acerca d'ellas — Os infantes e os adultos — Curiosidade bem com-
prehendida e resposta que a deve satisfazer — Como da fortuna se
pôde passar á miséria — O dia 24 de julho e um capitão avesso ao
raciocínio — O acampamento em chammas — Os papeis dos expedi-
cionários e as munições do armamento — Carregadores e ladrões
— As cinzas brazeadas e felicidade providencial — Otubo e o ajudan«
te observador — O bi-sonde e a ultima noite do mez de julho.
«Um, dois, tres. . . hora», gritou um de nós, emquanto
no vasto circulo em derredor metade da população do Du-
que observava o notável phenomeno, commentando-o a seu
modo.
Era o horário para os estados, que um dos chefes da ex-
pedição determinava pela altura do sol, tendo o abba em es-
tação; ao mesmo tempo o outro explorador, acocorado jun-
to da mala, ia contando no chronometro os segundos que se
succediam.
Depois ouviu-se com voz cadenciada o observador excla-
mar :
— Trinta e tres grados e quarenta e tres centésimos.
TOL.n ii
l62 AFRICA CENTRAL [CAP.
Ao que lhe responderam:
— Três horas, vinte- e sete minutos, um segundo e nada
de terceiros.
Este ainda teve como replica a seguinte resposta:
— Azimuth trezentos cincoenta e nove e cinco décimos,
norte por leste; dia 3o de junho de 1879.
Recolhendo de seguida os instrumentos, dispersou-se a
turba, postando-se de longe em pequenos grupos, a expli-
car o facto conforme lhe parecia, expondo, por exemplo, as-
serções doesta bitola:
»
— Estão a ver pelo canudo as terras por onde andaram!
Após tantas vicissitudes, eis-nos n'uma terra hospitaleira
á velocidade zero (pois que estamos parados), e tenciona-
mos socegar algum tempo, entre os encantos do ócio e a
mesa do amigo Silverip.
Duque de Bragança é o presidio portuguez mais avançado
no nordeste.
N^uma posição geographica que as coordenadas seguin-
tes determinam latitude sul 8° 57' 16^', longitude este de
Greenwich iG'' 10' 00'', altitude io6o™,o, tem para cifras da
declinação, inclinação e componente horisontal respectiva-
mente os algarismos 18° 5o', 34° 58', 6,85.
Assente em platcaii sem arvores, junto á margem direita
do Lu-calla (rio), compoe-se a sede do concelho de ampla for-
taleza feita de adobes, com setteiras, parapeitos e um fosso
em mau estado; cercam-na duas dúzias, quando muito, de
habitações, entre as quaes figura como mais notável a re-
sidência do chefe, que lhe fica ao oriente.
O seu estabelecimento data do tempo em que o governo
enviou para ali uma expedição no intuito de reprimir os ex-
cessos dos indigenas jingas, que nas suas incursões amea-
çavam o districto de Ambaca.
O movimento commercial é quasi nuUo.
Apenas uns saccos de jinguba, algumas cabaças de azeite
e feixes de taciila por ali se permutam; quanto a casas im-
portantes de negocio nada observámos por aquelles sitios.
^
XXI] E OCCIDENTAL l63
Pôde, porém, avançar-se que com um pequeno esforço
talvez se tornasse a dita terra n'um vasto di«tricto agrí-
cola, pois por lá vimos o tabaco, o algodão, a ginguba, e
mais ao norte, no Danje, a canna saccharina, colossal es-
plendida, e outros artigos; deve comtudo attribuir-se o seu
estado inculto á preponderância militar.
O concelho do Duque, longe do centro do governo, pos-
suindo em média destacamentos de cincoenta e sessenta
praças, quando não tem sido sede de operações, como re-
centemente contra os Caculo-Cabaças, era considerado me-
diocre campo de exploração, por aquelles chefes militares,
que cubiçosos, esquecendo-se da dignidade da sua patente,
commettiam as mais atrevidas extorsões, já na cobrança dos
dizimos (hoje bem abolidos), já nas exigências aos jingas vas-
sallos.
Ainda ha pouco tempo um, segundo nos contaram, ex-
poliou de modo insólito o triste soba, a quem mandara por
simples soldado (dos moveis) intimação para o pagamento
de certa multa, mediante cabeças de gado. Como recebesse
recusa, partiu com o destacamento sob o seu commando,
depois de aggregar-lhe todos os voluntários dos arredores,
e n^um touv de viain roubou cento e oitenta rezes que o
regulo possuia.
A consequência foi este retirar-se para a Jinga, como mui-
tos outros anteriormente tinham feito, despovoando assim
o concelho.
Mas prosigamos no que importa, pois não queremos en-
trar em similhante assumpto, o qual tem acarretado injus-
tas e desagradáveis accusações ao governo portuguez, quan-
do d * resto se nos afigura que não ha motivo algum para
culpal-o.
As terras de que tratamos são regularmente férteis, o cli-
ma apresenta-se de certo modo salubre, e se o não é mais
deve-o á proximidade do rio, cujas margens alagadas cons-
tituem focos de infecção; tornando-se pouco vulgares os ca-
sos de febres Secisivas, como no litoral se conhecem.
164 AFRICA CENTRAL [CAP.
Na epocha que vamos atravessando sopra sob um céu
claro, de cumulus raros e brancos, o vento fresco do sues-
te, o qual refrigera a temperatura durante as horas em que
é mais elevada.
Os povoadores sao uma mistura de jingas, ambaquistas
e alguns bondistas, que com os soldados de Luanda se têem
entreligado, constituindo as familias existentes, as quaes se
dedicam ao amanho de pequenos arimos, d^onde tiram o
quotidiano sustento.
Redigiamos apenas estas linhas n'uma pagina em bran-
co do nosso diário (porque, graças a Deus, nunca o nosso
papier tira à sajin), quando fomos interrompidos por um
mensageiro do chefe, com o seguinte recado:
«Senhor diz que o jantar está na mesa.»
Era uma faina ininterrupta em casa do bom Silvério, a
quem a nossa fraqueza trazia preoccupado, obrigando-nos
a bom numero de passeios por dia, para, mediante o es-
tômago, refazer as forças perdidas.
Arrumando pois cautelosamente o (volumoso seria exage-
ro) rabiscado livro no fundo da mala, aprestámo-nos com-
pondo a toilette^ reconhecidos, como qualquer pobre diabo
de viajante, a todos os benefícios a elle feitos pelo paiz que
atravessa.
A refeição passou como as demais.
Cada um expedia os pitéus, com maior ou menor velo-
cidade, descrevendo, contando devaneios comparativos de
lácca com o Duque, intercortados de exclamações provoca-
doras da hilaridade, frescas, picantes, etc.
«Nada peior que o mato», dizia um, que inspirando-se
na gloriosa apparição de uma gallinha recheiada e fumegan-
te, a par da enorme travessa de pirão, soltou a seguinte pre-
tenciosa sentença, com ares de mestre:
« Se o inventor do paraizo conhecia as misérias de simi-
Ihante viver, excelso mau gosto teve em collocar ali Adão.»
Verdade em que todos concordaram, após dois minutos
de recolhimento.
E OCCrDENTAL
l65
— A fatal sede do desconhecido (e abria o ventre ao volá-
til a fim de ver o qae tinha dentro) leva-nos a abandonar
pátria e familia, a pôr em risco a saúde, a vida mesmo,
por esses matos virgens, onde o menor dos soffrimentos é
a febre.
Estávamos approximadamcnte por estas alturas, quando
nos appareceu, como visão estranha, milagrosa, um vulto
escondido em amplo panno de riscado, cujas dobras lhe
occultavam a fígura, tendo, como cúpula do grande edifício,
uma enorme barretina de praça de prer, muito maior do
que a por nós admirada na cabeça do augusto jagga Cam-
bollo Cangonga.
Ao vel-o suspendemos attonitoa, esperando se decifras-
se o enigma, quando o nosso amphytriao veiu aclaral-o.
l66 AFRICA CENTRAL [CAP.
— É O meu compadre, disse, a quem o baptisado de uma
filha enlaçou na família.
Continuando a inspecção do sujeito, soubemos estar den-
tro do panno nada menos que um soba, cujo nome se pro-
nunciava assim: F;/;/<i(j-ia-T'chirimbimbe, o qual com o
mais prasenteiro semblante, arrancando da barretina, nos
deu um aperto de mão.
Era um soba compadre, género para nós inteiramente
novo !
Observando de perto o homem, que nos saudava com
um copo de vinho, calculávamos mentalmente a grande dif-
ferença entre este hoje civilisado e os hirsutos selvagens
e malcreados régulos do sertão, exclamando para Silvério:
«A maneira de civilisar a Africa é fazer dos sobas com-
padres!»
Em volta d'elle pulavam dúzia e meia de garotos, não sa-
bemos se prole do respeitável T^chirimbimbe, que satisfei-
tos e contentes faziam em sessão tumultuosa uma berrata
incomparável, levando-nos n^esse dia, ao recolhermos, a es-
crever no nosso diário pela primeira vez algumas considera-
ções sobre os infantes africanos.
O joven em Africa é sem comparação mais intelligente e
agradável que o adulto.
Creanças de cinco annos praticam actos tão ajuizados, e
têem raciocinio tão claro, que surprehendem todos.
A alegria é innata n^elles, e n^isto em nada ficam atraz
dos da Europa.
Ao contrario das creanças orientaes, taciturnas, tristes,
com o amarellado da côr da pelle que lhes dá um aspecto
sempre doentio, o pretinho, retinto, luzidio, de ventre de-
senvolvido, corre, salta, grita, desde o nascer até ao pôr do
sol.
Não sendo educadas no espirito religioso por algum as-
ceta brutal, do que resulta o povoar-se a imaginação da
creança de temores estúpidos, o adolescente não conhece
medo nem é supersticioso ; mesmo da própria feiticcria pou-
XXI] E OCCIDENTAL 167
CO mais sabe alem do pequenino chifre ou trapinho que a
mãe lhe poz ao pescoço, para o livrar da morte.
Á medida, porem, que da infância passa á adolescência
modificam-se estas circumstancias ; perde a sinceridade, tor-
na-se muito casmurro, desconfiado, cubiçoso, e sobretudo
estúpido.
Será porque n^essas epochas, pensando apenas na singela
satisfação das necessidades materiaes, o preto não exercita
a intelligencia, e doesse estado apathico resulte quasi atro-
phia ou embrutecimento, como acontece um pouco na Eu-
ropa com esses abstractos, que pelas ruas, acaso sem re-
flectir, architectam uma constante idéa, a maior parte das
vezes irrealisavel ?
Não o sabemos.
A verdade é ser o adulto relativamente mais estúpido,
perdendo-se de todo na velhice.
O álcool e o cânhamo devem sem duvida ter a sua acção
»
no derradeiro caso.
Com os mulatos 'o facto diverge um pouco.
Os homens não se embrutecem por igual forma, mas
quando jovens assimilham-se aos orientaes.
São, alem de tristes, menos perspicazes e espertos.
Não se entregam aos jogos infantis dos pretos, e se por
acaso n'uma multidão doestes últimos apparece um dos pri-
meiros, anda sempre desviado e como que receioso d'aquel-
les com quem brinca.
QuJndo homens, se uma educação superi.or lhes não dis-
sipa os fundos prejuízos, parecem vergar sempre ao peso de
desgosto incurável.
A menor phrase ambigua afigura-se-lhes uma allusão, o
mais singelo dito um epigramma.
Gonsideram-se, sem causa plausível, raça inferior.
Suppoem-se desprezados, e n'este permanente despeito
buscam os elementos do activo trabalho intellectual, que
é talvez o motivo da conservação das suas faculdades men-
taes.
l68 . AFRICA CENTRAL [CAP.
Voltando porém ao preto, podemos afiançar, resumindo,
ser elle em pequeno feliz, folgasão e dado aos brinquedos.
Não é no geral mau, e se ás vezes ha disposições para
um caracter perverso ou vicioso, só as revela tarde, quan-
do já bastante desenvolvido.
Apresentando assim sobre o assumpto o nosso juizo, for-
mulado durante a digestão do jantar do dia 3o, juizo tal-
vez contestável, para muitos com mais experiência que nós,
principiámos a dispor as cousas a fim de em breve deixar-
mos Duque de Bragança.
Gomtudo, como entre os nossos leitores pôde haver algum
que, por bem comprehendida curiosidade, se lembre de ex-
clamar :
«Mas estes homens, que tantas vezes apresentam, como
rasão das separações e marchas especiaes, o interesse de
alargar a área dos seus trabalhos, por que motivo volve-
ram ao Duque, onde já tinham estado, e não procuraram
outro caminho, muito embora quizessem attingir o Gu-anza?»
Nós, com o máximo respeito, passaremos a esclarecel-o,
abrindo o seguinte paragrapho.
Quando em marco de 1879 chegámos ao concelho do Du-
que, achavamo-nos alijados de uma boa parte dos nossos
haveres, visto o calculo por nós feito em Cassanje para por
leste do Gu-ango attingir o parallelo 5®, directamente ao
norte, não ser applicavel ao caso de agora, em que, cor-
rendo a oeste, nos achávamos quasi á mesma distancia 5**
parallelo.
Goncluiu-se, pois, que urgia completar as fazendas com
um numero talvez igual ao despendido na travessia do Gu-
ango para o Duque. ^
Requisitadas á auctoridade, aguardámos a chegada ali.
Como não apparecessem, e a estação adiantasse, decidi-
mos avançar sem ellas, a fim de não ficarmos no Duque
eternamente, fazendo pelo caminho a possivel economia.
Ao chegar porém ás terras de lácca as nossas suspeitas
começavam a confirmar-se, pois que apesar de umas dimi-
XXI] E OCCIDENTAL l6g
nutas peças fornecidas pelo sr. Figueiredo, de quem já fal-
íamos, único possuidor de fazendas no concelho, vimos es-
cassearem os recursos por forma a preparar-se-nos para a
volta a perspectiva de pobreza aggravada com a doença,
decidindo portanto retroceder.
Por isso deixámos de visitar o Muene Puto Cassongo, re-
ceiosos de nada ter que dar-lhe em proporção das suas exi-
gências, e náo proseguimos mais ao norte, até encontrar o
caminho do Zombo, desconfiados de que era insufl&ciente a
fazenda.
Inevitável se tornou volver ao Duque, onde sabiamos exis-
tirem recursos; por consequência o nosso itinerário para o
sul, sendo ao longo do Cauali, ficou depois subordinado ao
ponto onde nos achámos, e que estas explicações devem ter
definido.
Atravessando desassombradamente o mez de julho, re-
sarcidos de forças e de vontade, esperávamos só pelo dia
19, para estudar um eclipse parcial do sol, observação que
era nosso desejo trazer á Europa.
Recebida a fazenda, pagos e despedidos, por não nos se-
rem já precisos, os carregadores do sertão, que no capitulo
precedente se designam sob a palavra «Gassanje», tratámos
de enfardar parte da mesma fazenda, a fim de breve seguir-
mos nos trabalhos.
O leitor vae ver agora como de momento para o outro
caem por terra os melhores planos, e n^um minuto, da gran-
deza e da fortuna, se appella para o singelo pataco no bolso
do collete!
Corria formosa a tarde do dia 24 de julho, anniversario,
na capital da nossa boa pátria, do ^advento da liberdade.
O sol, descendo para o poente, espargia no céu, doesse
lado, milhões de agulhas de oiro.
Na fortaleza hasteada a bandeira nacional, na guarda os
soldados de grajide uniforme, davam ao pequeno recinto
um aspecto de gala, lembrando que apesar de longe da me-
trópole, distantes d 'essa nação que cobriu com o seu glo-
lyO AFRICA CENTRAL [CAP.
rioso estandarte milhões de milhas quadradas do globo, nas
colónias os filhos compartilhavam da justa alegria de seus
irmãos na Europa.
Dentro em pouco o crepúsculo invadiu tudo.
Na forma do costume achavamo-nos na residência do che-
fe, em derredor da mesa de jantar.
Servia-se o café.
Questionava-se calorosamente para encaixar na cabeça
de um pseiido-ceLpitão preto (dos moveis) a definição de pa-
rallelo, a fim do homem entender que, sem estar na embo-
cadura do Zaire, haviamos attingido o parallelo da embo-
cadura.
O infeliz era d'aquelles que nem comprehendem o axio-
mático principio: o todo é maior que qualquer das partes;
pela simples rasão de haver raposas que têem o rabo maior
que o corpo!
«Não c possivel, exclamava furioso, não podiam estar em
tal sitio do Zaire; isso é engano!»
E concluia com o seguinte raciocinio:
« A mim já aconteceu seguir em direcção do sul (e apon-
tava para leste) e achar-me ao fim de contas ao norte ! Com
os senhores passou-se naturalmente o mesmo, d^ahi provém
o engano!»
A isto com demasiada paciência replicávamos que natu-
ralmente não; até era pouco provável succeder isso a qual-
quer, quanto mais a homens do mar; e se s. s.* se fizesse
n'essa occasião acompanhar de algum mortal que conhecesse
os rumos da agulha, talvez conseguisse jfer como da confusa
noção dos pontos cardeaes provinha a causa natural d 'essa
phenomenosa viagem.
E calculando, com toda a justiça, que s. s.* era approxi-
madamente tolo, íamos rematar similhante capitulo com um
ponto final, quando os gritos de soccorro e o toque de fogo
pelas cornetas do destacamento nos fizeram erguer espan-
tados.
, « Fogo, fogo ! » era o que se ouvia.
f
XXI] E OCCIDENTAL I7I
Massas confusas de povo corriam pela praça fronteira na
direcção do nosso arraial, gritando como possessos. Não
descobrindo a causa de similhante rumor olhávamos estu-
pefactos ora para Silvério, ora para o capitão, quando al-
guns carregadores esbaforidos chamaram por nós.
Saindo da residência, eis o que vimos.
O nosso acampamento ardia completamente.
Vagas de fogo furiosas, diabólicas, partiam de todos os
lados, açoutadas pelo sueste forte, devorando as barracas
do capim resequido, com uma rapidez vertiginosa.
Era um oceano de labaredas, que pelo escuro da noite
tomava proporções phantasticas, para onde corríamos pres-
surosos e arquejantes, vendo os nossos trabalhos perdidos.
Cartas, mappas, diários, tudo se nos afigurava presa das
chammas.
E doidos, sem saber o que decidir, corríamos direitos
ao campo, bradando para quem encontrávamos:
— Salvem primeiro os livros.
Gomo se poderá dizer em verdade o que n^esse momento
experimentávamos ! Como dar idéa do assombro e da afflic-
ção de dois pobres homens que viam n^alguns minutos des-
feitos os sonhos e as esperanças de vinte e quatro mezes de
esforços, e para quem a perspectiva sorridente do elogio
dos seus trabalhos se convertia na calada desconfiança de
sermos umas nullidades? !
Penetrámos porém no recinto esbrazeado, onde o calor
suíFocante e espantosa vibração do ar impedia quasi res-
pirar-se.
Em dois segundos parecia também que estávamos a ar-
der, sendo preciso sair á pressa. .
Das duas barracas dos chefes erguiam-se apenas os es-
queletos tisnados, onde ultimas linguas de fogo lambiam a
casca resequida dos troncos.
Em derredor continuava o igneo elemento a sua destrui-
dora tarefa.
A meia distancia do campo, malas, caixas, fardos a ar-
n1
172 AFRICA CENTRAL [CAP.
der, uns já destruídos outros em via d^isso, achavam-se dis-
persos, sendo arrastados na precipitação.
O perigo era immenso.
De todos os pontos armas carregadas disparavam-se ao
contacto da chamma, balas explosivas rebentavam junto de
nós, e caixas de munições, voando em estilhaços, punham
em perigo a vida de quantos ali se viam.
Na medonha faina tratávamos os dois de safar as res-
pectivas malas, que ao principio não encontrámos, e só mais
tarde descobrimos uma d'ellas envolvida no brazeiro com
parte do livros em ignição.
Foi então que nos apercebemos, decorrido o primeiro mo-
mento de pasmo, do estado reaKdas cousas.
Por entre as chammas agitavam-se uns vultos negros cor-
rendo por um lado, surdindo pelo outro, que nós chamá-
vamos debalde, porque ao approximarmo-nos desappare-
ciam pelo escuro para o mato.
Capulca desvendou o mysterio, e mais um desengano nos
convenceu de que não ha fiar nos homens do sertão.
Era o caso que emquanto nós com meia dúzia dos mais
dedicados tratávamos de salvar os papeis e material scien-
tifico da expedição, Otubo com uns poucos de companheiros
ban-sumbi e alguma gente do sitio, por meio das cargas
dispersas, que lhe cumpria guardar, arrancava peças, rou-
bando quanto lhe vinha á mão, para de seguida esconder
no mato, não tendo sequer vergonha de servir de exemplo
a alheios.
Não tentaremos descrever o desgosto que similhante in-
fâmia em nós produziu.
Indignando-nos tão condemnavel crime, corremos em pro-
cura d'elle, para acto contínuo lhe applicar o merecido cas-
tigo, quando fomos surprehendidos pelo encontro de um
novo maraudeur^ que nos deixou estupefactos!
Era ... o capitão dos pontos cardeaes, que surrateiramen-
te em corridinhas (para o sul roubava uma peça, indo de
seguida enterral-a ao norte), discutia com um soldado, o
XXI] E OCCIDENTAL lyS
qual preso do sitio opposto de uma peça disputava a pro-
priedade ao sobredito senhor!
Que fazer? Só nos occorreu chibatal-o.
O ladino porém escapou-se ligeiro, deixando-nos cons-
ternados.
Dia angustioso, scena terrível!
Volvendo ao campo, continuámos a ordenar o transporte
do pouco que nos restava para a residência do chefe, o bom
Silvério, que, soflFrendo rheumatismo, não poderá coadju-
var-nos.
Eram onze horas quando terminou o incidente.
O escuro envolvia tudo.
A sós, de pé no meio do quilombo, scismavamos.
O vasto campo era um montão de ruinas esbrazeadas,
d'onde se erguiam sinistros os vultos das carcassas de al-
gumas barracas, formadas de paus negros, em que havia
scintillaçoes das ultimas faiscas.
N'um e outro ponto esvoaçavam bocados de papel á mercê
do vento, que nós suspeitávamos ser um mappa ou uma in-
formação preciosa.
Só o dia nos podia desenganar; aguardavamol-o pois an-
ciosos, e voltando á residência fomos fazer o inventario.
Por uma felicidade providencial, nós que tínhamos por
costume após os trabalhos do dia reunir os papeis, e collo-
cal-os sobre as malas para á noite continuar na tarefa, ha-
víamos n^esse dia mettido boa parte para o interior.
Não obstante esse cuidado, ficaram de fora alguns de uso
constante, como livro registo de observações meteorológi-
cas, de que apresentamos o fac-simile de uma das folhas
ao leitor, álbuns de desenho (pela maior parte bastante es-
tragados), caderno de coordenadas, etc.
Uma porção da fazenda que ultimamente adquiríramos
tinha ardido nos fardos pelas extremidades, outra desap-
parecêra.
Missanga e contaria achava-se dispersa, armas carboni-
sadas, roupa nossa queimada ao ponto de um ficar com as
174 AFRICA CENTRAL [CAP.
simples calças que trazia, e o outro com um vetusto cha-
péu roto na copa.
N'esta toilette, de longas barbas, rosto e mãos tisnadas,
os cabellos saindo pelo buraco do chapéu, deviamos apre-
sentar, ao romper da aurora, o aspecto approximado de um
d'esses cavalheiros para quem o viajante aperra por cau-
tela as pistolas, quando se lhe deparam n'uma estrada.
Reentrando no arraial, foi então que apreciámos com um
olhar de tristeza o estado das cousas, avaliando bem o ca-
taclysmo.
Depois de á frente de todos applicarmos exemplar casti-
go a Otubo, e conseguir d'elle a indicação dos logares onde
tinha os artigos sonegados, que montavam á bagatella de
vinte e tantas peças, afora menus objectos, começámos a
exploração pelas cinzas, recolhendo todos os bocados de
papel que na área de i milha se achavam dispersos.
Que destroços o fogo produzira na sua medonha passa-
gem!
Do montão de resíduos surdia um aneróide requeimado,
de outro um relógio ennegrecido, entre traves o observató-
rio meteorológico em ruinas, thermometros arrebentados,
restos de polainas, tacões e solas de botas ardidos, cúpu-
las de capacetes despregadas, e inclusive uma pobre águia
que dentro de uma palhoça amarráramos, para apresentar
na Europa, appareceu grelhada, jimto do pau que lhe ser-
via de prisão.
Concluídas as pesquizas regressámos, a fim de com os
restos dos últimos diários reconstituir quanto fosse possí-
vel, tratando de indagar a causa do fogo, que n'um mo-
mento nos revelaram.
Fora o maldito ajudante observador!
Catraio, havendo collocado o observatório ao ar livre,
pareceu-lhe, por um susurro especial que ouvira dentro de
uma das barracas e por duas ou três ferroadas, que um
bandão de formigas guerreiras atacara por aquelle lado o
quilombo.
«nl E OCCIDENTAL I^S
Preoccupando-se com este facio, lembrou-se de ir á lan-
terna do observatório, e saccando da vela que accendeu na
cozinha próxima, poz-se em derredor do fundo a observar.
EfFectivamente o bi-sonde lá estava, e os primeiros por
elle pisados, mordendo, fizeram tombar o pateta para cima
do fundo, de vela em punho.
Foi o necessário para que o fogo pegasse e o vento, la-
vrando, lizesse o desastre que acabámos de narrar.
Durante o dia 20 estava a expedição em via de reorga-
nisar-se.
Se minguados eram os nossos recursos antes do fogo,
agora achavam-se sobremodo diminuídos, tomando-se pre-
ciso partir sem demora, e abandonando a idéa de retroceder
pelo Calnnga-LaztrA)Z., ir ás nascentes do Bengo, nas ter-
ras do Calandula, para então ganhar Ambaca.
As cinco horas da tarde, reunido conselho, decidiu-se par-
tir a 1 de agosto pelo caminho directo, levando em nossa
companhia o velho Silvério, que havendo requerido a exo-
neração do logar de chefe, e pela chegada do substituto, de-
cidira desarmais estabelecer a sua residência nas pedras de
Pungo N"dongo, onde o esperava uma commoda casinha e
a magra reforma de talvez 45í?ooo réis,
Promptos, pois, deixámos que pelo socego soassem as ul-
timas badaladas das doze da noite, que terminando o mez
de julho, foram echoar pelas encostas de envolta com o
alerta das sentinellas da fortaleza, e após o somno ergue-
mo-nos com a aurora.
CAPITULO XXII
Definitiva partida do Duque de Bragança — Mestre José, o Lu-chilo e
as patrulhas — O Ptyelus olivaceus e o capitão Silvério — Macaco
agonisante e gato em liberdade — Assombroso protesto — Pássaro
original e novo tio do interprete — Samba-Cango, o Hango e o Lu-
calla — Breve noticia sobre o rio, terrenos e vegetações — Cariom-
bo e o Porto Real — Canoas desconhecidas e novo systema de pro-
pulsão — Uma visita a Pamba, quatro considerações sobre ella e
um elephante do reino vegetal — A caminho das Pedras Negras —
Mestre Zé e os basaltos — Uma batota pregada á sciencia — A seda
indígena — Pungo N*Dongo, seu aspecto e constituição — Notáveis
pegadas impressas nos penedos — Factos dignos de menção— O por-
to Hunga e um bosque de laranjeiras — Philosophicas considera-
ções dos auctores- iVii terra dos olhos, quem tem um cego é rei!
A cachoeira Caballo — O Cu-anza, obstáculos, peixes, cataractas.
Breves reflexões sobre estas — Malanje Calundo, Pungo N'Dongo.
Antes de deixarmos definitivamente o presidio, urgia pas-
sar revista a todos esses fardos que constituem a bagagem
do viajante em Africa, e sobretudo aos relativos a alimen-
tos, cuja má organisação é causa, em caminho, das mais se-
rias desordens.
Por isso, emquanto o velho capitão com uma paciência
de Job, e no interesse de eíFectuar a retirada, dava ordens
e ralhava com os seus portadores, nós transpúnhamos ob-
▼OL. n II
1 78 AFRICA CENTRAL [CAP.
jectos de um ponto para outro, substituindo portadores, e
fechávamos caixas, completando por nossa parte a arruaça
que ia pelo campo, o qual em breve abandonaríamos.
Depois um carneiro deu ensejo a discutir-se largo tempo
para encontrar respectivo portador; em seguida as cortinas
da tipóia do velho Silvério foram causa de ralhos e protes-
tos com os encarregados d^ellas; o trem de cozinha que
nunca cabia na miihamba a elle destinado (simplesmente
porque Capulca, querendo andar leve, para lá mettia as
malditas botas e um attirail de bugigangas rejeitadas pelo
carregador, o qual dizia não ter obrigação de as conduzir),
originou insólita querela, de que proveiu o cozinheiro car-
regar duas panellas; e emfim a divisão da pelle de um boi
para alpercatas, concluiu com uma tourada a matinal scena !
Estavam as cousas n^este ponto, quando resolvemos a
marcha, ao grito de «leva arriba».
Tomando o nosso posto na frente da caravana, por meio
de plantações, deixámos a encosta, ao fundo da qual ser-
penteia o riacho Quimbaxe, para seguidamente fazermos a
ascensão da collina que nos defrontava.
O começo da viagem passou sem incidente digno de men-
ção especial, a não ser o facto de meia dúzia de cacetadas
infligidas em O tubo, que á ultima hora apparecera embria-
gado, abandonando a carga e enfiando-se para uma cubata,
onde duas doniellas pareciam dispostas a escondel-o.
Bella manhã nos favorecia.
O sol resplandecente dourava o extremo das arvores do
bosque que íamos percorrendo, cujos ramos entrecruzados
constituiam uma abobada de verdura natural, onde milha-
res de aves, gorgeando, fugiam ao approximarmo-nos.
Mestre Zé, a nosso lado, conversava alegre e risonho,
apontando-nos na frente duas sepulturas que indicavam o
logar de duplo assassinio, commettido por um selvagem
chefe, o qual parece tinha por costume desfazer-se de quan-
tos lhe não eram sympathicos,- no momento de os enviar ao
corte da lenha, ordenando o seu fuzilamento; pelas descri-
XXIl] E OCCIDENTAL I79
peões suppozemos ser o mesmo que praticara o escandalo-
so roubo do gado!
Bellezas da administração militar subalterna!
»
Hora e meia de marcha levou-nos ao rio Lu-chilo, de agua
crystallina, de que no presidio se servem, tendo na margem
direita uma patrulha*, onde os caminhos se bifurcam.
Tomando pelo sudoeste, podemos a proa cm Ambaca e
assentámos o primeiro arraial n'um sitio denominado Cas-
sanje.
Em descanso, á sombra de um sycomoro, d^onde o Ptye-
liis Olivaceiís gotejava incessantemente, assistiamos descui-
dosos a uma faina do velho Silvério, que lhe absorvia to-
dos os cuidados.
Tratava de procurar um gato e pôr a salvo um macaco.
Silvério era extremoso pelos animaes; perseguia-o po-
rém infelicidade constante. E raro, dizia elle, transportava
um bruto que lhe não succumbisse no caminho.
Doesta vez parecia confirmar-se a sua asserção, pois que
o macaco, victima de um coiip de soleil e tendo caído á
agua no ultimo riacho que transpozemos, achava-se pros-
trado e agonisante, sendo infructuosos todos os recursos
médicos.
Quanto ao gato, accesso em felina ira por se ver immer-
so nas profundezas de um sacco, cautelosamente amarrado
pela boca e que o carregador applicava de encontro a quan-
tos troncos via pelos campos, mal se apanhou solto, fugiu
pela floresta, ganhando a appetecida liberdade.
O nosso bom companheiro, afflicto com a perda dos dois
animalejos, permanecia inconsolável, e apesar das nossas
considerações, tendentes a mitigar-lhe a profunda magua,
elle tremulo, raivoso, erguia-se, ameaçando os portadores,
a quem indicava como culpados, querendo attingil-os.
1 As patrulhas são umas habitações que se acham espalhadas por
parte da província, sob a guarda de dois ou três soldados moveis, as
quaes servem de pousada aos viajantes em transito.
l8o AFRICA CENTRAL [CAP.
Rheumatico, porém, nada conseguia, porque aquelles ao
vel-o safavam-se como gazellas.
Sentando-se então cansado, vomitou o seguinte Juramento
solemne, para allivio do que lhe ia na alma e exemplo dos
vindouros com iguaes disposições.
«Juro que nunca mais tomarei affeição a bichos. Ter ami-
sade a animaes é completa tolice!»
Comprehende-se de certa forma (por este vehemente pro-
testo) que transe passava o velho capitão, e fácil será apre-
ciar quanto é natural ao homem encanecido na vida dos
matos, aborrecido dos pérfidos manejos dos indígenas, a
inclinação para os irracionaes, na esperança de encontrar o
reconhecimento e a fidelidade que entre homens baldada-
mente procurou.
A tarde d'este nefasto dia foi empregada n'uma tentativa
venatoria, no intuito de conseguir o exemplar de um noi-
tibó que ao primeiro crepúsculo apparece esvoaçando por
toda a parte, e á qual uma longa penna na extremidade de
cada aza dá aspecto original.
É conhecido na sciencia pela designação de Cosmetor-
nis vexillariuSy e dos indígenas d'ali por quimbamba.
Alguns dizem que as pennas têem, como a cauda das
Viduas paradiseas^ uma epocha de apparecimento, após a
qual caem; outros negam este facto.
A familia Caprimulgidae tem aqui mais representantes,
como a Huicumbamba^ Caprimulgos Shelleyi e outros.
Como anoitecesse, tornou-se impossível colhel-as, de for-
ma que volvemos á patrulha, nada tendo conseguido, e agru-
pando-nos em volta de uma vela, passámos duas horas a
ouvir historias ao capitão, até nos separarmos, aguardando
com Morpheu que a terra em sua rotação diurna se dignas-
se trazer approximadamente ao plano do nosso horisonte
o deslumbrante astro do dia.
Logo que os primeiros clarões nol-o annunciaram, poze-
mo-nos de caminho, pela fresca madrugada, consolados e
contentes.
E OCCIDENTAL
José acabava de nos dizer que em AmbacQ tinha outro . . ,
tio!
Súbita revelação que nos levou a inquirir :
— Tens então uma familia immensa ?
— Immensa.
E n'uma hora completa contou-nos, sempre a caminho,
minuciosamente a historia d^ella, que nós distrahidos (mas
fingindo attender), não ouvimos, pelo simples e attendivel
facto de que mediocre importância podia ter para a ethno-
graphia africana a reconstrucção das raízes aos ramos da
gigantesca arvore genealógica do nosso illustre guia.
A segunda pousada foi na patrulha de Samba Cango,
onde nos entretivemos com a leitura de um edital do com-
mandante da divisão (assim se chamam, não sabemos a
causa, os subalternos dos chefes}, afhxado na parede, cuja
l82 AFRICA CENTRAL [CAP.
orthographia e construcção era tal que em cada letra tinha
uma asneira; exemplo: / acimjicára itendido, etc.
Seguindo a oessudoeste pousámos no Hango, ladeando
as serras de Papa.
A medida que nos approximavamos de Ambaca o Lu-
calla crescia em leito e volume de aguas.
Já não era o riacho próximo das terras do Fwwi^-ia-Ebo,
mas sim um curso de agua accentuado entre os terrenos
desiguaes por onde serpenteia.
Successão contínua de valles, uns desnudados, outros ves-
tidos de verdura, dispostos na perpendicular á linha que se-
guíamos, contrasta com as formações da margem opposta,
onde se via a elevada serra Vunji.
O curso sinuoso é semeado de pedras, pequenas ca-
choeiras e outros embaraços que lhe tiram todo o valor.
Parando no caminho apenas meia hora, fizemos n'este
dia umas boas 12 milhas, indo estabelecer o bípouac em
Bulo Jango.
Ao noroeste uma extensa serra nos encobriu o horisonte.
A oeste observavam-se por toda a parte morros azulados.
A vegetação tende a desapparecer.
O grés vermelho compõe os terrenos escabrosos dos cam-
pos suburbanos, onde nem uma senzala se avista.
Bondo-ia-Quilesso ficava em caminho, onde nos começa-
ram a apparecer com profusão esses elephantes do reino
vegetal (bao-babs), em Angola conhecidos pelo nome de
imbundeiros, cujas formas grotescas não têem similhantes
na flora africana.
A marcha então tornou-se rude e incommoda.
As collinas escarpadas, estevas e rastolhos seguiam se
flancos abruptos, que nós subíamos e descíamos já com
bastante difficuldade.
Adiante transpozemos a custo o rio Gariombo, que se
divide no ponto da passagem em três troncos distinctos,
indo cair sobre o Lu-calla justamente onde este rio volta
ao sul.
XXlll E OCCIDENTAL l83
A 8 de agosto chegávamos a Porto Real, pomposo nome
a que não corresponde o logar assim designado, pois nem
uma canoa encontrámos.
Mas tivemos de admirar mais um espécimen do engenho
indigena, nas exóticas embarcações ali em uso.
Como não possuem madeira para a construcção de am-
plas canoas, visto as campinas de Ambaca serem nuas
(chegando os povos a cozinhar com capim), resolveram
elles o problema pelo modo seguinte:
Cortando feixes de viabu^ despojados da cabelleira su-
perior, seccam-nos por uma exposição prolongada ao sol,
reunindo-os depois de maneira que a pilha tem a forma de
um triangulo isorceles, fazendo lembrar as canoas de viba-
djiy observadas por'Schweinfurth entre os Bornus.
Seguidamente collocadas na agua, não usam para as mo-
ver pás nem remos, e apenas no lado opposto ao angulo
agudo dois muleques com os ventres assentes sobre o bor-
do, nadando com as pernas, fazem de propulsores.
É um completo systema de hélices parallelos, que ao tra-
balharem juntos* seguem linha recta; guinando para um ou
outro lado, conforme o da direita ou esquerda suspende os
movimentos.
A longa pratica tem-lhes adquirido notável experiência,
fazendo que não haja occasião de engano.
Após o transporte da gente ainda nos detivemos um
pouco, a fim de os ver sem cargas fazendo evoluções no
meio dó rio, com presteza notável; e sendo este por aqui
povoado de crocodilos, não tem havido exemplo de ser de-
vorado alguns dos hélices (graças talvez aos feitiços), que
em geral se compõem de uma semente ao pescoço, um
chifre ou outro qualquer artigo !
Notando similhante processo como digno de ser aprovei-
tado no mato., promettemo-nos empregal-o em futuras ex-
plorações que fizéssemos no interior, e deixando o porto
partimos para a Praça Velha, logar onde outr^ora estava
estabelecida a residência do chefe, que por mais bem si-
184 AFRICA CENTRAL [CAP.
tuada que a de hoje foi justamente posta de parte para nSo
abrir uma excepção ao velho e useiro costume portuguez
de installar sempre nos peiores logares.
Somos assim.
A hesitar entre Qntra ou a Trafraria para estabelecer a
sua residência, qualquer bom lusitano optaria pela ultima,
allegando que . . . está mais á mão, ou é. . . menos incom-
modo, etc.
No dia seguinte, transpondo novamente o Lu-calla, deci-
dimos fazer uma visita á Pamba (sede do concelho), que
para oeste nos demorava a 5 milhas de distancia.
A caminho muito cedo, quando a Scops leucotis e a Athe-
ne perlãta (espécie de corujas), por aqui abundantes, pia-
vam agoureiras^ empoleiradas em velhas arvores, fomo-nos
mettendo ao atalho, a fim de pela fresca fazer os necessá-
rios trabalhos sobre o rio, e dirigirmo-nos depois para o nos-
so posto objeaivo.
Não se imagina a decepção que experimentámos á vista
da aldeiola, que na sua maior simplicidade se reduz a uma
rua com três casas (se tanto se lhe pôde chamar) e dúzia e
meia de palhoças.
Por meio de uma campina desnudada entra-se para o re-
cinto, tropeçando n*uns grupos de pretos que acocorados
expõem ao sol e ás moscas dois quartos de boi, algumas
batatas e farinhas, denominando-o pomposamente co sitio
de mercado i.
Rachitica e tristonha, a misera aldeia, assente no grés e
nos gretados schistos que lhe servem de apoio, carran-
cuda e como suspeitosa dos próprios que a povoam, é la-
deada de uns pés de ginguba e de tabaco, os quaes dis-
persos n^lma encosta que para o norte se inclina, vão en-
contrar em estreito valle o riacho Pamba.
Em derredor, como sentinellas gigantes, dezenas de mor-
ros ergucm-se dos plainos, de escalvados granitos, produ-
zindo febre ao comtemplal-os.
Um sol de rachar completa a original impressão, re-
XXÚ] E OCCIDENTAL l85
quintada á vista de seis europeus de lenço na cabeça, per-
nas ulcerosas e aspecto cadavérico.
Aterra ali a lembrança da morte, que um lucto perma-
nente ainda mais desperta, visto em Ambaca andar tudo
vestido de preto.
Como todos sabem, Ambaca é a pátria d'esses heroes
que nós respeitosamente apresentámos sobre a designação
de ambaquistas.
Claro é que em ponto algum da província se poderia ser
mais facilmente enganado como nVquella sania terra, com-
quanto deixasse de nos succeder isso na occasião, pois já
íamos precavidos, mas havendo tantas vezes sido victimas,
ao fallar em ambaquistas acode-nos sempre á idéa prevenir
que se abotoem.
Dizem que Ambaca foi outr'ora muito povoada; tinha
opulência, trabalhava, mexia-se.
Seguidas perseguições e violências da auctoridade (opinião
d''elles) fizeram com que os habitantes se dispersassem, in-
vadindo as terras próximas, em procura de trabalho.
Será isso verdade, e é incontestável que desde tempos
remotos esse então districto se considerava como 5 mais
rendoso para quem o administrar é um meio de conseguir
determinador/w — locupletar-se, disputando-o por isso os
chefes com similhante manha.
Hoje mudaram as scenas, e a nossa opinião (que por
muito simples antevemos já ser condemnada) resume-se no
seguinte :
Ambaca nada vale, porque lhe roubaram quanto tinha.
Que importância pôde ter uma terra com falta de povoa-
dores, e onde os poucos existentes são systematicamente ex-
poliados ?
Exhausta, embora o terreno tenha aptidão para certas
producções, nada apresenta por falta de amanho.
A ginguba e o tabaco, principaes culturas no districto,
acham-se em plantações tão rareadas, que difficilmente se
comprehende resulte d'ahi a riqueza, de forma que é fácil
l86 AFRICA CENTRAL [CAP.
prever o completo abandono d^aquellas elevadas terras, se
alguma circumstancia imprevista nao vier modificar a situa-
ção presente.
Mas como não aspiramos a expor aqui um plano econo-
mico-administrativo para reorganisar os concelhos da pro-
víncia portugueza do oeste, continuemos na missão que nos
é especial, deixando a quem competir tão árdua tarefa.
Depois de divagar pelos subúrbios o tempo necessário
para estabelecer três estações do abba, reunir os elementos
precisos ao levantamento rápido da terra em questão, e de
visar o terminiís d'essa linha férrea, denominada caminho
de ferro de Ambaca (por ora existindo apenas na imagi-
nação ardente dos agricultores e negociantes africanos, e
em compridas folhas que os archivos especiaes escondem a
olhos profanos), voltámos á residência do official que substi-
tuía o chefe, a fim de ahi restabelecer as abatidas forças
pelo conhecido processo da carne e do pão.
Depois do almoço apartámo-nos, desejando aos habitan-
tes de Ambaca mais saúde e menos calor, e cortando a leste
dirigimo-nos para o acampamento.
Antes de ali chegar encontrámos uma d'essas monstruo-
sidades, citadas já n^este capitulo, a qual indubitavelmente
a natureza produziu em dia de má disposição.
Referimo-nos a um imbiindeiro, cujo tronco estupendo se
erguia no nosso caminho, e que pachorrentos ousámos cir-
cum-percorrer no intuito de avaliar a sua circumferencia.
Media o Goliath i5 braças completas, e as raízes atira-
va-as a trinta passos de distancia, sendo precisa uma via-
gem a fim de ir ás extremidades !
De novo nos dirigimos para o rio, que atravessámos
n'uma jangada, pousando na outra margem, a fim de fazer
o croquis que apresentamos, lamentando a ausência de um
paizagista mais hábil do que nós, para da scena tirar todo
o partido.
A 8 de agosto continuávamos na peregrinação, a cami-
nho das Pedras Negras.
XXIl] E OCCIDENTAL 187
Subindo e descendo morros e ravinas, fomos caminhando
entre bosques, peia fresca madrugada, guiados por mestre
Zéy que de nariz para o chão, assim como nós, procurava
basaltos !
Era agora a nossa mania, em vista de nos terem decla-
rado que na serra Hengue havia uma rangée basáltica,
encontrar um bocado, onde quer que fosse, a fim de á von-
tade podermos recorrer a vulcânicas acções para a explica-
ção dos penedos de Pungo N^Dongo, que de resto ainda á
data não conhecíamos.
Considerando infructuosas as pesquizas geológicas, e por-
que já mestre Zé, pela vigésima vez, nos mostrasse pene-
dos, exclamando «é isto», decidimos abandonal-as e admi-
rar a natureza, a qual ali desenrolava um magestoso pano-
rama que o dr. Livingstones havia primeiro apreciado.
A immensa ramagem era ao mesmo tempo abobada e
sede de uma orchestra, onde passarinhos de todo o tama-
nho gorgeavam.
Symphonia original echoava pelas solidões; uma emoção
indescriptivel nos enchia o espirito, encantados por tão poé-
tico transe.
N'um momento veiu-nos á idéa uma incursão nos domi-
nios da rede, e chamando sorrateiramente os carregadores,
depois de metter para a algibeira a fatal caderneta e o lá-
pis, enfiámos para a tipóia, recostando-nos.
Foi uma verdadeira desgraça, porque instantes depois,
imaginando viajar em sonho, permittimo-nos cerrar um
pouco as pálpebras, a fim de que a illusão fosse mais com-
pleta, resultando sem querer um somno prolongado.
As duas horas despertámos.
Olhos semi-abertos, a boca resequida como uma sola,
reuníamos idéas.
Estávamos n'uma campina desarborisada, que o sol feria
de chapa.
Pássaros, arvores, frescura, basaltos, tudo desapparecêra
agora !
l88 AFRICA CENTRAL [CAP.
Da linda paizagem só conservávamos a memoria fugaz ;
da topographia das terras nem uma palavra.
— O lá, bradámos, pára, pára.
E apeando-nos, para descargo de consciência, demos
uma descompostura áquelles que nos carregavam!
— Bárbaros, deixaram-nos assim dormir.
— Vamos, quantos rios passámos, montes, etc?
E de álbum sobre o joelho, ouvindo e escrevendo, pre-
gámos á sciencia uma batota, inventando as curvas da ter-
ra percorrida.
Achavamo-nos nas margens do rio Heleji, onde se bifur-
cam os caminhos de Pungo N'Dongo pelo Lungue, e de Ma-
lange por Calundo.
Tomando pelo da direita, breve encontrámos uma pa-
trulha, onde noite de repouso nos dispoz a continuar pelo
fresco amanhecer a nossa jornada para o sul.
Entravamos justamente no limite interior da região mon-
tanhosa.
De todos os lados, em redor das nossas pessoas, viamos
serras, picos, morros, cordilheiras, que, projectando uns so-
bre os outros, pareciam encadear-se sem descontinuidade,
alongando-se até onde os olhos podiam ver.
O caminho torna-se de mais a mais solitário, sendo muito
raro encontrar uma habitação por ali.
A caça do ar frequentemente apparece.
De quando em quando uma rola ou perdiz, cruzando os
ares, atravessava rápida o nosso caminho, sem o mais leve
íncommodo, pois a abundância agora fazia-nos esquecer que
a caca também se come.
Pela primeira vez vimos uns casulos notáveis, cuja forma
se approxima da do sector tirado a um queijo, tendo dentro
(facto curioso) mais de uma chrysalida, o que facilmente se
percebia pelo ruido ao chocalhar.
As paredes bem entretecidas são feitas de uma substancia
em tudo análoga á seda, talvez muito aproveitável, e se-
guramente não conhecida na Europa, como é a da aranha
XHI] E OCCIDENTAL 189
qui-vuvi, á qual já nos referimos, e que encontrámos em
toda a parte.
Torneando com o trilho em estreitas voltas pelos exten-
sos bosques, entrando com elle ora n'um riacho de fundo
arenoso, ora por uma garganta entre encostas a prumo,
flanqueando as serras Catenda, Cachinje, Quílulo, desem^
bocámos para a planície longa e desembaraçada, onde um
panorama original nos aguardava.
O quadro que tínhamos sob os olhos abrangia a extensão
de algumas léguas.'
Em terreno pouco alto, coberto a espaços pelos ma-
tutinos vapores, viam-se erguer grupados, sem ordem, enor-
mes penedos de formas diversas, desde a columna até á
esphera, projectando-se uns sobre outros, e alongando-se
para leste, perder-se nos horisontes d'esse lado.
igO AFRICA CENTRAL [CAP.
Affectando estranhas configurações, as penedias vistas de
longe pelo caminho que trilhávamos, afiguram-se a um cas-
tello colossal, com suas ameias e torreões, obra que só a
gigantes seria dado architectar.
Eram as pedras de Pungo-N'Dongo (vulgarmente conhe-
cidas pelas Pedras Negras), onde o governo de Portugal
estabeleceu a sede de um concelho.
A medida que nos approximavamos variava o aspecto
d^esses rochedos, que a diminuição da distancia fazia mais
grandiosos e soberbos, por os augmentar rapidamente aos
nossos olhos.
Altivos, no meio da planície a que alludimos, parece de-
fenderem o vasto recinto por elles cercado, dos olhares in-
discretos e da vegetação que por toda a parte os rodeia,
contentando-se em levar para lá fresca agua, a qual borbu-
Ihando-lhe nos flancos, se precipita por vários regatos para
Qs terrenos mais baixos.
Emfim, passado tempo avizinhámo-nos da entrada do
nornoroeste, embrenhando-nos por um carreiro estreito,
entre as espaldas d^esses colossos.
Da analyse que fizemos concluímos que são as penedias
de Pungo N'Dongo, exclusivamente constituídas por um
conglomerado duro e resistente, em que figuram schistos
argillosos, de envolta com o gneiss, porphyros, alguma
mica e a alludida espécie de basalto, para o qual porém
deve haver toda a reserva, pela duvida em que estamos.
Dispostos justamente sobre a latitude de 9® 40', alongam-
se ellas para leste sob o nome de Guingas na extensão de
25 milhas até ás pedras de Quitoche, perto do ponto de
affluencia do rio Lombe.
A primeira idéa suscitada a quem faz a ascensão de
qualquer dos penedos (porquanto quasi todos são accessi-
veis), e que, reconhecendo a sua disposição, tenta explicar,
pela existência em todo o conglomerado de calhaus perfei-
tamente roliços, a acção indubitável da agua, é que ou-
tr^ora o leito do rio Cu-anza deslisava pelas pedras, e
rN
XXII] E OCCIDENTAL I9I
um effeito vulcânico, elevando-as, deslocou o curso do mes-
mo rio umas poucas de milhas para o sul.
Uma circumstancia que ainda veiu arreigar mais em nosso
espirito esta suspeita foi a existência, na rocha próxima da
encosta de um dos penedos, de pegadas humanas á mistura
com as de quadrúpede, certamente cão, que nós vimos e
desenhámos por serem authènticas.
N'uma d^ellas, bastante longa, reconhece-se perfeitamente,
pela melhor accentuação dos dedos, que o auctor, trans-
portando-se por terreno húmido e pastoso, escorregara
ao assentar o pé em terra, resultando doesse facto o com-
primento excessivo.
Outras mais pequenas e próximas pareciam ser de mu-
lher ou de adolescente, todas bem distinctas e sobre que
nenhuma duvida pôde subsistir.
— Que pena, dizíamos, não podermos carregar com este
penedo para a Europa !
— Que mina!
E como por muita parte se encontram em cerros e pe-
nedos pegadas de felizes, que abalando para o céu (facto de
resto supinamente material, e se nos afigura uma verdadeira
profanação «atirar para o céu o que pertence á terra»),
nol-as deixaram cá como memoria; a exemplo de Bhrama
em Ceilão, de Mahomet no Sinai (que d'isso encarregou o
camello), lamentámos o acaso não ter proporcionado a uti-
lidade de similhantes marcas, no interesse de qualquer cren-
ça, que tanto aproveitaria da sua exposição methodica e
bem remunerada.
No interior, pelos espaços livres entre os enormes roche-
dos, acha-se construída a villa em ruas tortuosas ao capri-
cho da disposição das terras, tendo pelos sulcos, onde se
deposita o húmus, laranjeiras e outras arvores de fructo,
possuindo entre varias originalidades a de ter um dia me-
nor que nas terras fora das pedras, pois para ella raia a au-
rora mais tarde e anoitece mais cedo, em vista da altura
desmesurada dos penedos.
192 AFRICA CENTRAL [CAP.
Regatos deslísam pelo interior agua fria e limpida, natu-
ralmente accumulada durante as chuvas em cavidades da
rocha, e que ouvimos accusar de provocadora do escorbu-
to, asserção que não garantimos, nem nos merece credito.
N^uma das viellas encontrámos perto de um cercado enor-
me bao-bab, ao qual se ligam numerosas tradições, visto
sobre elle se reunirem em outro tempo os conselhos da cor-
te da Jinga, na epocha em que a celebrada rainha ali habi-
tava.
Para o lado do oeste indicaram-nos umas ruinas, como sen-
do a antiga residência do ministro portuguez José de Sea-
bra da Silva, a quem os azares da politica atiraram, no
tempo de Sebastião José de Carvalho e Mello, da amarro-
quinada poltrona de direita espalda para as esteiras e ma-
bellas de uma cama de mato !
Emfim, feita a ascensão de um dos rochedos, divagámos
pela villa, depois de jantar com algum dos amigos, rece-
bendo pela primeira vez a noticia do que o nosso compa-
nheiro Serpa Pinto chegara no principio do anno são e
salvo a Durban, e decidindo, em nosso alto saber, dissipar
na pátria os exagerados prejuízos que sobre as Pedras Ne-
gras têem os nossos compatriotas (a quem recommendámos
Pungo N^Dongo como um dos pontos mais salubres da
provincia) dispozemo-nos, sem perda de tempo, a proseguir
nos trabalhos, fazendo o reconhecimento ao Cu-anza.
A 27 de agosto, deixando com as pedras os ócios de dias,
dêmos as costas ao arraial e cortámos ao rumo de S. 4 SE.,
a caminho de porto Hunga.
Já não eram, porém, as marchas certeiras de outr'ora
que se operavam.
A alimentação, as aguardentes, e as numerosas comiti-
vas transitando para a costa, distrahiam todos em conver-
sas e novidades, tornando-os avessos ao trabalho.
O calunga, o calunga, eis em que todos pensavam, e vo-
tando o Cu-anza ao desprezo, chegaram a achal-o o mais
mesquinho dos rios.
XXII] E OCCIDENTAL igS
Mestre Zé, receioso da nossa insaciável e exigente curiosi-
dade, taxava tudo de pouco importante, convicto de que se
nos mostrasse uma cataracta nós desejaríamos logo ver duas,
e bamboleando-se com donaire, parava cincoenta vezes para
conversar pelo caminho.
Pelas quatro horas da tarde surgiamos no porto Hunga,
aonde nos esperava uma elegante casa de campo, circum-
dada de aprasivel laranjal, coberto de dourados fructos.
Recebida a visita do velho soba, a quem um monstruoso
feitiço que lhe haviam feito (na sua própria opinião) o tinha
cegado de repente, descansámos o dia seguinte no centro do
expesso bosquesinho, pensando em muitas cousas.
Breve estaria terminada a nossa tarefa.
lamo-nos approximando do mundo civilisado, e essa cir-
cumstancia, embora agradável, tinha um quer que fosse de
amarga.
Tristeza inexplicável se apoderava de nós ao reflectir no
antigo modo de vida.
Não obstante cheio de perigos e soffrimentos, tinhamo-
nos affeicoado.
»
O seu cunho primitivo e singelo captivára-nos.
A barraca do dia, os murmúrios do mato, as vozes dos
nossos, a independência completa, tudo nos perpassava pela
mente, impressionando-nos.
Sentíamos saudades, e olhando para os companheiros de
annos exclamávamos in mente:
— « Breve desapparecerão para sempre ! »
Não se vive impunemente, durante mezes, de forma qual-
quer, sem nos habituarmos, e ha immensa verdade n'esse
velho provérbio «o habito é uma segunda natureza».
Custa o que se soffre no meio dos matos adustos de Afri-
ca, mas no regresso poucos haverá que não tenham experi-
mentado um sentimento doloroso, ao dar esse golpe que,
separando-nos de uma vida repleta de movimento e novi-
dades, atira de novo comnosco para a rotineira existência
dos mac-adams da Europa.
voL. n i3
194 AFRICA CENTRAL . [CAP.
Que fazer em similhante conjunctura ?
Erguendo a mão para a laranjeira próxima, esgalhando
um ramo (com grande desagrado do hortelão), afogámos os
poéticos sentimentos, que nos iam n^^alma, no sumo de duas
enormes laranjas. Depois, propondo ao velho Silvério, que
de barrete na cabeça e de ventre para o ar parecia abysma-
do nas profundas considerações que sempre suggere a idéa
doesse circulo (que tem o centro em toda a parte e a circum-
ferericia em parte nenhuma) a que nós chamamos infinito;
fizemos a ingestão de terceira, distrahindo-nos com uma par-
tida á chineza, isto é, apontando a posse de cada laranja
para quem adivinhasse o numero de gomos, algarismo par
ou impar.
Silvério, infeliz em todos os jogos, não atinou uma única
vez!
A 29, pelas onze horas, achava-se a expedição a jusante
dos grandes rápidos de Mutula, perto da residência do soba
N^gola Quituche, seguindo sempre a margem do Cu-anza,
onde encontrámos outro regulo sem vista, que apresentou,
quando inquirido do modo como a perdera, uma rasão em
tudo idêntica á primeira; a saber:
Feitiço que lhe pregaram tinha-o cegado de um olho; dias
depois, outro originou igual desgraça!
E como só os sobas fossem cegos por esta região, afi-
gurou-se-nos que por aqui se podia paraphrasear a antiga
sentença nossa conhecida; assim:
Na terra dos olhos, quem tem um cego é reil
Volvendo na perpendicular ao caminho, pois que o rio,
obrigado pelas penedias, corta directamente ao sul, espada-
nando por entre os penedos, sentámo-nos á beira dos rá-
pidos, considerando
N'aquelle engano d*alma ledo e cego,
Que as. . . moscas não deixaram durar muito I
Eflfectivamente assim foi. Este logar estava infestado de
ninhos das pequenas moscas que, como já dissemos, fazem
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XXII] E OCCIDENTAL IqS
mel como a abelha, as quacs, ao presentirem-nos, saíram
cm turbilhão, dirigindo o ataque.
Parece que em especial lhes agradava o suor dos bran-
cos (talvez por menos odorífero e mais salgadiço), e avan-
çando sobre nós e Silvério, enraivecidas, cobriram-nos com-
pletamente.
De cada palmada esborrachávamos dezenas; uma cen-
tena, porém, logo apparecia para as substituir, sendo inef-
ficaz o trabalho de as arredar.
Partindo a fugir, ao longo do rio, caminhámos pelo es-
paço de uma hora em desordem, entestando seguidamente
com a senzala Candumbo, onde se encontra o trilho dire-
cto de Pungo N'dongo para Malanje.
A leste, n'uma curva desenvolvida e atormentada, alarga-
va-se o rio, na mais galante das cachoeiras que víramos em
toda a exploração.
Denomina-se Caballo.
O seu aspecto é formidável.
Linhas parallelas de rochedos espaçados igualmente entre
si, e n'um desnivelamento gradual, constituem uma extensa
escada a toda a largura do leito, determinando tantas pe-
quenas cascatas quantos saltos successivos, que observando-
se a distancia formam enorme lençol de redemoinhos espu-
mantes.
A montante tem elle duas ilhas cobertas de arvoredos, a
que os indígenas chamam qm-colo (Quiangolo) e qui-colo (Ca-
quilla).
Defrojite d^ellas acampámos, desbastando as vastíssimas
gramineas, em partes trilhadas pelos hyppòpotamos que de
noite invadem as margens baixas; c, depois de completar o
croquis da cachoeira, passámos a escrever no diário o que
v'amos referindo.
O rio Cu-anza, por todo o trajecto feito, não passa de
curso de agua sem valor, cheio de obstáculos, onde mesmo
a transposição de uma margem para a outra é difficíl. Do
porto Hunga ate onde nos achamos tem seis cachoeiras e
196 AFRICA CENTRAL [CAP.
rápidos, d'aqui a montante muitas mais e de maior impor-
tancia.
De 40 metros como média de largo, desenvolve-se na di-
recção de oeste ao longo de uma alta serra, denominada
Quiambella, que o mai^ina pelo sul.
Ao safr das planícies do Songo, monótonas, immensas, o
rio volta quasi perpendicularmente para as terras accidenta-
das, onde de salto em salto opera a descida até ao mar.
E OCCIDENTAL
O morro Catenha e ao nornoroeste os Quitoeto são as duas
grandes balizas que as aguas do plateau torneiam pelo Lu-
cuila e Cu-anza para ganhar o leito médio de esgoto, mar-
cado pelo curso do ultimo.
Extremamente fértil em peixe, crustáceos e reptis, d'elles
apresentámos alguns exemplares colhidos mais a montante,
198 AFRICA CENTRAL [CAP.
entre os quaeS figura o mimtalandonga, Euprepes Ivensi
(espécie nova), que, encontrando-sc no rio Lu -ando, habita
também o Cu-anza.
Um exemplar de rã, alguns de caranguejos por ali fre-
quentes, e de reptis, não menos encontrados; peixes vá-
rios, etc, nadam pelo rio satisfeitos, fazendo nós a apanha
que apresentámos n^este capitulo, reproducção photogra-
phica feita na Europa dos espécimens trazidos e conserva-
dos em álcool.
Bagres enormes são colhidos no Cu-anza e lagos margi-
naes, onde depois de seccos ou expostos ao fumo se en-
viam para o Songo e outros districtos, constituindo um ne-
gocio indígena de alguma monta.
Fallaram-nos por lá no celebre peixe-miilher (Manatiis
senegalensis) , como sendo visto a miude para alem dos rá-
pidos.
Nós porém nunca tivemos ensejo, em ponto algum, de
observar senão a pclle de similhantes animaes, sobre cujos
hábitos os indigenas contam historias pouco dignas de cre-
dito.
Vèem-se por toda a beira do rio hyppopôtamos, bufan-
do contentes, de envolta com crocodilos, que pelas ilhas
de areia aquecem ao sol os couraçados dorsos, fugindo ao
menor rumor.
As faunas ornithologica e entomologica dão margem para
largo estudo, o qual um naturalista chegado ali recentemen-
te aproveitaria com vantagem, mas que nós, cansados, tive-
mos de pôr de parte, por impossibilidade de nos dedicarmos
então a taes trabalhos.
Assim acabam sempre estas viagens.
O explorador, no principio febril, impaciente, tudo quer
ver e registar, e da geographia para a meteorologia, doesta
para as sciencias naturaes, anda em constantes divagações,
extenuado, esbaforido, entre o theodolito, o escalpello, as
prensas para plantas e o papel para cartas.
Mais tarde começa a reduccão.
T — .^-
XXII] E OCCIDENTAL IQ(>
Primeiro sao os insectos, depois as aves, seguidamente
as plantas, de forma que, quando perto da costa, quasi se
limita a gcograpliar.
Durante dois dias continuámos ainda a nossa peregrina-
ção ao longo do rio, assentando a 3i de agosto, pelas onze
horas e trinta minutos, o arraial em Quibinda, a fim de ahi
proceder aos trabalhos necessários.
D'*esse ponto, a montante obra de 7 milhas, tem o rio uma
cachoeira denominada Quitaxe, e 8 milhas mais acima des-
penha-se no Condo, cataracta importante, assas conhecida
dos nossos negociantes, que de Malanje ali vão como re-
creio.
Aqui julgamos a propósito um parenthesis para a seguinte
e singela consideração : o facto de citarmos as diversões dos
nossos compatriotas residentes em Malanje, prop5e-se a ad-
vertir quem ignorar o caso, que as cataractas do rio Cu-anza
tèem por sina ser descobertas por quantos exploradores es-
trangeiros se approximam dY*lIas.
Foi assim que o dr. Livingstone, na sua curiosa traves-
sia, achou por melhor, abalando do Cabo da Boa Esperan-
ça, pelo Alto Zambeze ate ao Dondo, descobrir ahi, como
por encanto, a cataracta Cabullo, que estava a dois passos
de Cambambe, a qual nós conhecíamos de tempos imme-
moriaes; e ainda ha poucos dias um outro viajante chega-
do ao Condo (mupa do) inesperadamente annunciou á Eu-
ropa que a presenteava com uma novidade hasta entonccs
desconocidal
Ora, a simples inspecção do mappa de Angola, denomi-
nado do marquez de Sá da Bandeira, bastará para mostrar
quanto essas allcgações desauctorisam os alludidos geogra-
phos, provando o seu desconhecimento das cartas geogra-
phicas existentes; e sobretudo o ultimo caso é facto de tal
ordem, que não admitte commentarios.
Nós, elucidando o leitor, abandonaremos as cataractas
do Cu-anza (que não descobrimos) para proseguir em nossa
viagem.
AFRICA CENTRAL
[CAP.
Saudada a aurora do dia i de setembro com os primeiros
gorgeios das aves, deslisámos por uma fresca manhã, ao
rumo de nornordeste, pelo trilho que se dirige a Malanje,
a fim de ligar os nossos trabalhos com os operados junto
d*aquelle sitio antes de partínnos para as terras do norte.
Comprehender-se-ha que tal ligação tinha toda a impor-
tância, porquanto agora, após mezes, íamos volver a um
ponto onde o chronometro determinara uma longitude, e
portanto fazendo segunda observação obteríamos a média
das marchas com extremo rigor, e o absoluto local de toda
XXU) E OCCIDENTAL 20I
a região levantada relativamente a Malanje, a qual por sua
vez seria corrigida quando estivéssemos na costa.
Cumpre-nos dizer, para honra do seu constnictor, o sr.
Dent (de Londres), que o chronometro (dos melhores en-
contrados por nós), chegou ahi com uma variante de 2,5
milhas.
Uma circumstancia de toda a vantagem, é que no traje-
cto estudávamos constantemente as marchas, pois de tem-
pos em tempos, parando durante dois, três ou quatro dias,
com alturas no primeiro e ultimo, obtinhamos aquellas em
todo o rigor.
Nunca achámos differenças, diga-se a verdade, e o chro-
nometro, entrando em Benguelía com 4' . 3o' depois de uma
verdadeira accUmação, assentou em 7*. 3o', e assim mar-
chava ao attingirmos a costa.
Facilmente se deve avaliar quanto um instrumento d'esta
ordem no mato é auxilio precioso, sobretudo se notarmos
que o maior curso de agua por nós determinado (o Cu-
ango) corria na Unha norte sul, e que uma grande parte da
202 AFRICA CENTRAL [CAP.
sua projecção foi feito a chronometro, pois que á piancheta
ou theodolito se tornava impossivel levantar setecentas mi-
lhas seguidas por entre bosques, morros, regos e campinas.
O processo geral por nós desenvolvido para o traçado das
cartas teve sempre por base a determinação constante das
coordenadas geographicas, para o maior numero de esta-
ções possiveis, d'onde então, por successivos tours dliori-
:{Ofi, conseguíamos por cruzamentos abranger uma zona de
caminho de 20, 3o e mais milhas.
Aproveitando os três grandes recursos da navegação, la-
titude, longitude e azimuth, empregámol-os sempre como
primeiro elemento de todos os trabalhos, e assim os com-
pletámos depois, quer por theodolito, quer por piancheta,
nas regiões restrictas e de mór importância.
O chronometro, portáftto, era um dos mais valiosos ins-
trumentos, porque tínhamos todas as cautelas, o que se nos
afigura absolutamente necessário no mato, quando possa
ser combinado com os satellites de Júpiter para grandes ar-
cos de longitude.
Ai porém do explorador que determinar estados seguida-
mente por sateUites d^aquelle astro!
Em pouco os erros para um e outro lado suscitar-lhc-hão
confusões, de que diflicil será livrar-se, podendo só evital-
as pondo o relógio de parte.
Um chronometro pelo menos torna-se indispensável, e
quem á Africa for sem elle, ver-se-ha na impossibilidade de
trabalhar, ou restringir-se a pequenas porções de terreno,
de que poderá trazer cartas precisas, com perfis correctos,
curvas de nivel, mas das quaes a geographia africana de
hoje pouco aproveitará.
Passado o resto do dia no Lombe em Caballa, receben-
do visitas, dando presentes, ouvindo historias, fechámos o
diário sem noticia de vulto, e dormimos de um somno as
nove horas que se succederam.
A 2 de setembro estávamos perto de Malanje, no Lombe
do Motta, no intuito de ir a Cacol-Calombo visitar umas
XKll] E OCCIDENTAL 2o3
grutas, mas que a febre nos impediu, e no dia seguinte
íamos a caminho de Pungo N'Dongo pelo trilho de Calun-
do, anciosos de concluir a viagem, visto a gente estar cx-
hausta de forças e com pouca disposição para obedecer ás
nossas ordens.
Muitas comitivas se cruzavam, que nós constantemente
tinhamos de attender.
A 8 de setembro chegámos ao campo, terminando a via-
gem sem incidente importante.
1
CAPITULO XXIII
Novamente acampados — O pulex peneirans e um enio^oario notável —
Variabilidade dos ventos em Pungo-N*Dongo — O bordão do expe-
dicionário e a penna do escriptor — Ultimo adeus a Silvério — Cabeto
e as moscas do Cu-anza — O pára-raios do mato — Capanda e a ve-
getação para oeste. Noticia sobre a sua omithologia — O sangue e
o Nhangue-ia-Pêpe— Cataracta no Cu-anza — O sobaDumba— Cas-
soque — Von Mechow e o seu mau portuguez — O Bango e as va-
riantes climatológicas — O Cu-anza e a cataracta CabuUo — Ullímo
olhar para as terras do interior — O Dondo. Recepção e obséquios
feitos aos auctores n'aquelle ponto — Viagem pelo rio — Luanda. Dis-
tincçóes, amigos ali residentes — Mossamedes — A caminho da pá-
tria.
De volta a Pungo N^Dongo tornámos a installar-nos no
antigo arraial, a fim de durante alguns dias conceder á ca-
ravana o repouso necessário para proseguir no trabalho do
rio e depois caminhar em direcção á costa.
Dos concelhos mais importantes do interior haviamos já
visitado Malange, Duque de Bragança, Ambaca, Pungo
N'Dongo; faltava-nos, pois, Cazengo, Golungo, Icollo ou
Zenza, e Dondo.
Como, porém, este ultimo nos ficasse sobre a margem
do rio, decidimos seguii-o directamente, marginando o Cu-
206 AFRICA CENTRAL [CAP.
anza, e então observar os outros, se as forças nol-o permit-
tissem.
Passámos, pois, os últimos dias em pleno socego, comen-
do, conversando, uns em passeios, outros em visitas, alguns
fugindo ás garras de Satanaz, e pondo-se, por meio do ba-
ptismo, sob a salvaguarda do Omnipotente, sobretudo ra-
parigas 'ao que nós de prompto accedemos), e emfim, muitos
a tratar as doenças que ainda os minavam e outras recen-
temente apparccidas.
Desde a partida do Duque de Bragança nos atacara um
novo flagello, pertinaz, insistente, desconhecido no sertão,
para concluir de certo modo a historia das misérias que o
clima, as formigas e os mosquitos tão brilhantemente co-
meçaram.
Era a infernal pulga do Brazil (Piilex penetrans)^ que em
abundância povoa toda esta terra, e introduzindo-se nas
feridas, nos dedos dos pés c das mãos, ahi provoca ver-
dadeiras inflammaçõcs, ás quaes se precisa acudir de prom-
pto, para muito especialmente algum descuidoso negro evi-
tar o perigo de perder qualquer membro.
São vulgares os casos de pernas amputadas a pretos que
se deixam invadir pelo vil insecto, não se lembrando de
extrahil-o*, e em quem mais tarde, por litteralmente cheios,
o tratamento se torna impossivel.
Atacados sobretudo nos pés, andavam elles pelo quilom-
bo meios coxos, cambaleantes, sendo urgente soccorrel-os,
a fim de que podessem breve, em retir?.da, carregar os res-
pectivos fardos.
Um outro immundo animalejo (espécie de entoioario)
appareceu também por este tempo, não menos pernicioso
que o primeiro, comquanto mais raro.
Introduzindo-se nos músculos das pernas (como no caso
visto por nós) poe no interior ovos, d^onde sae um verme
curto e roliço, absolutamente á feição d'aquelles que se en-
contram na fructa, o qual, abandonado á sua tarefa, opera
ravages espantosas.
XXIII] E OCCIDENTAL 207
Multiplicando-se com grande facilidade, como succede em
todas as degradadas espécies do reino animal, é bem de
suppor que no fim de um praso mais ou menos longo a
victima tenha o orgáo ferido em grave risco.
Nos quadrúpedes não ouvimos que o encontrassem ; a pul-
ga ataca os porcos e os cães, sendo um dos acommettidos
a nossa cadella, á qual era preciso dispensar assiduo des-
velo, cm vista do deplorável estado em que tinha as patas.
Parece que as cabras são dos pequenos quadrúpedes os
únicos livres doestes incommodos visitantes, pois todos nos
afiançavam não haver exemplo de se encontrar uma inva-
dida.
A temperatura nos últimos dias elevára-se bastante, com
especialidade nos frequentes intervallos de calma que ha em
Pungo N^Dongo.
As pedras estão collocadas n^uma zona em que os ven-
tos têem variações multíplices.
A regularidade do sueste e noroeste do interior, conforme
as epochas, não se nota aqui, assim como as certeiras vira-
ções da costa.
O vento, rondando constantemente do sueste ao sudoes-
te, por vezes ao noroeste, produz nos embates, alem da cal-
ma, um calor insupportavel, que prostra quem está sob a
sua acção.
N^estas circumstancias veiu encontrar-nos a tarde de i3
de setembro, sentados á porta do nosso pequeno tembé, mes-
tre Zé á direita cosendo um fardo, em frente os rapazes en-
tregues â faina de organisar as cargas respectivas, e á es-
querda Capulca dando os últimos retoques culinários n^uma
perna de carneiro assada, para cuja ingestão nos prepará-
vamos.
Restava um ultimio passo, e estaríamos com o oceano,
nosso elemento, onde desde jovens passámos as melhores
horas da existência.
Mais umas poucas de milhas, e capacete e polainas não
teriam rasâo de ser.
208 AFRICA CENTRAL [CAP.
O comprido cajado a que habitualmente nos arrimáva-
mos, seria substituido pela férrea penna; ás conversas de
mestre Zéy pôr-se-ía termo com as rabiscas, que, transmit-
tidas ao publico, lhe traduziriam as nossas impressões de
viagem.
Ponderando este ultimo trabalho, estremeciamos.
Nós, que jamais cuidáramos em soltar pelo mundo o nos-
so pensamento typographado n'uma folha ou folhas de pa-
pel, julgávamos ser trabalho superior ás próprias forças re-
digir de novo as observações e pol-as ao corrente da scien-
cia sob uma formula acceitavel, e que fatalmente iríamos
échouerl
Hoje apenas somos d 'essa opinião quanto k formula ac-
ceitavel, a qual o leitor resolverá, consentindo que prosiga-
mos.
A azáfama da tarde seguiu-se o socego da noite e a elle
os bulícios da aurora.
Ao oeste das Pedras Negras o trilho corta directamente
para o mar por Capanda.
Como, porém, urgisse ligar os nossos trabalhos de agora
com os já feitos no Cu-anza, decidimos partir de novo ao
sul, a fim de encontrar o rio.
A 14 de setembro, pois, ao nascer do dia aprestava-se
tudo.
Dentro da residência de Silvério davamos-lhe o ultimo
abraço, tristes e saudosos, porquanto a convivência de me-
zes estreitara entre nós e o bom velho laços de verdadeira
amizade.
«Vão, vão! exclamava; a Europa os espera para graíifi-
cal-os de tanto soífrimento e apreciar os seus serviços.
«Chega agora a occasião do descanso, é aproveitar.
«Quanto a mim, estou velho, nunca mais voltarei a vel-os^
o sepulchro breve me recolherá os ossos.»
Bom amigo, recebe d'aqui uma saudade. Praza a Deus
que taes presentimentos fossem errados e que na tua es-
treita vivenda, junto da esposa e da innocente filhinha, en-
XXIH] E OCCIDENTAL 209
contres agora o descanso necessário, depois de tão laborio-
sa vida.
Segundo dizia mestre Zéy as nossas divagações em nada
seriam perturbadas.
Poderíamos fazer em socego o reconhecimento do rio,
contando estar a 23 ou 24 de setembro no Dondo, guiados
por elle, muito conhecedor de quantos trilhos havia.
Em linha, pois, desfilámos, pela esquerda das pedras,
passando uma hora em Caughi, espécie de villa fortificada,
propriedade de um antigo senhor, que por aqui tem notá-
vel influencia.
Hoje em abandono, por causa das dissensões entre filhos,
está approximadamente reduzida a um montão de ruinas.
Percorrendo o atalho que continua serpeando por meio
de tristonhas florestas, acampámos ás doze horas na mar-
gem do Cu-anza, em frente do sitio denominado Cabeto,
junto a uma pequena cachoeira.
Apenas ahi, fomos combatidos em forma.
Nunca tão pertinaz assalto nos fora dirigido pelas cele-
bres moscas, de que falíamos, como n'este dia fatal.
Era impossível socegar, escrever ou propor-se a qual-
quer trabalho!
A correr de um lado para o outro, a cabeça envolvida
n'um lenço, longo panno na mão, pretendíamos enxotar os
teimosos insectos, que provocados redobravam de furor.
Era uma balbúrdia extraordinária, de que nem barracas
nem fumo tiravam partido, e só o declinar do sol e a noite
poderam desembaraçar-nos, proporcionando algumas horas
de descanso.
No dia seguinte partimos com as ultimas sombras. As
montanhas afastam-se do rio; o solo e o valle, alargando
n'este ponto, deixam ver parte do curso, que espraia para
de novo se embrenhar entre os accidentes de um terreno
convulsionado.
Sanza Manda ficava-nos adiante, onde enormes barcões
derrocados indicam o logar em que outr'ora as levas de es-
210 AFRICA CENTRAL [CAP.
cravos vindos de alem rio eram recebidas, para seguidamen-
te as enviarem onde convinha.
Por aqui notámos pela primeira vez no tecto das casas
os ramos da n'dui, conhecida na sciencia por Decamej^a-to-
nantis, e que os indigcnas lá collocam no intuito de pre-
servar as habitações das faiscas eléctricas.
Afigurou-se-nos nada aproveitável o pau para similhante
destino, porque embora muito resistente e talvez bom con-
ductor, não terminava em ponta; pelo contrario, bifurcava-
se quasi sempre, não estando alem d^isso regularmente liga-
do á cúpula do edifício.
Parece, pois, servir antes de feitiço do que de preserva-
tivo, assim como as garrafas que adiante encontrámos im-
plantadas em todos os tectos.
Volvendo por Gapanda, visto junto á margem do rio tor-
nar-se a passagem quasi impraticável, seguimos através d''es-
sas esplendidas cordilheiras de granito, entre as quaes se
falia da existência de trachytes ou rochas vulcânicas, que
evidenciadas seriam do maior interesse para a sciencia.
O terreno vae baixando gradualmente, a vegetação é me-
nos basta, o capim abundante, do meio do qual emergem
exemplares de imbundeiros, fazendo lembrar gigantes gar-
rafas de Ghampagne, palmeiras exóticas e colossaes Erio-
dendron, de tronco rectilineo, em parte coberto pelos ramos
da nburututo (Cochlospermum angolensis) de flores amarel-
las, Erithrinas de cachos encarnados, e outras plantas; onde
saltam numerosas aves, que cobrem algumas arvores com
os seus ninhos suspensos, chegando n'uma d^ellas a contar-
mos quarenta e sete.
D^entre as mais dignas de menção figura o n giinguachi-
to, espécie de tucano, conhecido por Biicorax caffer (Boc),
denominado o peru do mato, mais corpulento do que os vis-
tos na Europa, longo bico, pescoço pela parte anterior
vermelho, cauda extensa, o qual em bandos, pousando nas
arvores elevadas, povoam estes bosques, cada um com a res-
pectiva fêmea, justamente como os pombos.
f
XXIII] E OCCIDENTAL 2 1 1
A sua caça torna-se difficil pela altura a que sempre se
acham pousados e porque, postado um de sentinella, ao
mais leve rumor nas proximidades solta o grito de alarme,
cô-cô, partindo todos a voar.
Outro é o Scopus umbretta (Gmelin), a que chamam a furta
ninhos», á feição do cuco.
Interessante pássaro, tem por costume, segundo nos con-
taram, nunca fazer o próprio ninho," e passa o tempo a es-
preitar a construcção de qualquer, que depois de completo
furta, introduzindo-se n^elle.
Emfim, encontra-se também a conhecida Biiphaga ery-
throrrhyncha (Stanley) ou Tanagra erythrorrhyncha, no-
tável animal, que se alimenta das carraças, percorrendo o
corpo dos bois em procura d'ellas e formando os ninhos
com os pellos arrancados ao gado.
Bigodes, freiras, viuvas, maracachoes, esvoaçam conten-
tes por toda a parte, sendo um negocio importante apa-
nhal-as, para as vendas na costa.
É extraordinário o movimento ininterrupto de comitivas
subindo e descendo pelo trilho que seguiamos.
Raro decorria uma hora que dezenas de negros, com
cargas ás costas, não cruzassem comnosco, prolongando
pela mesma forma o caminho.
O azeite era o artigo que com mais frequência transpor-
tavam; sem embargo via-se a borracha, algum marfim, gin-
guba em saccaria, etc.
São em verdade notáveis as longas marchas dos pretos
no interior, sobretudo em serviço de correio.
Espingarda ás costas e mucanda n^um pau, avançam em
passo largo, chegando a fazer 40 milhas por dia.
Um portador (espécie de empacaceiro) nos afiançaram
haver feito viagem, em caso especial, do Pungo N'Dongo a
Luanda, na bagatella de três dias, volvendo ao ponto de
partida justamente no mesmo tempo.
E já que se falia em empacaceiro, apresentando ao leitor
o retrato de um da Quissama', digamos, para dissipar a idéa
AFRICA CENTRAL
[CAP.
original que doestes homens se tem feito na Europa, duas
palavras apenas.
Chegou-se a suppor e a escrever algures que os empaca-
cetros constituíam outr'ora uma espécie de associação secre-
ta, organisada contra o cannibalísmo.
Nunca, propondo similhante questão, ouvimos na pro-
vinda de Angola quem a corroborasse. EUes próprios não
têem d^isso a menor idéa. Desde o seu principio parece ha-
verem sido caçadores de mpacaça (búfalo), e por este gé-
nero de vida mais atrevido tornaram-se auxílio poderoso
nas viagens para o interior. Por isso eram empregados no
serviço de correios, em acompanhar comitivas, etc, do que
xxill] E OCCIDENTAL 2l3
resultou o governo portuguez agremiar grande numero d'el-
les n'uma espécie de corpo, destinado em parte aos misteres
já alludidos.
Ultimamente dispersaram-se, e é por exemplo na Quissa-
ma, onde em muitos casos o cannibalismo se exerce ainda,
que existem empacaceiros.
Na longa arma lazzarina vêem-se os anneis feitos de pelles
dos animaes mortos por elles.
Envolvidos n^um sórdido panno, trazem comsigo todos os
artigos necessários para o mato, terminando em geral por
enfeites de pennas ou chifres na cabeça, para lhes dar um
tom mais arrogante.
Assim marchavam estes sujeitos a sós por entre florestas
e campinas, com uma singela zagaia ás vezes na mão, ali-
mentando-se de raizes, dormindo nas arvores, combatendo
as bestas de presa, que frequentemente de sentinella os
obrigavam a passar, durante dias, empoleirados em cima de
qualquer bao-bab.
Entre as comitivas a que alludimos, figurava uma de ban-
gala, d^aquelles cujos parentes nós haviamos recebido a dis-
tincta hospitalidade a que dedicámos algumas paginas do
volume primeiro, e de quem conservamos a mais grata re-
cordação.
>
Acampados. junto de nós, entabolámos sem demora re-
lações.
Agora, mansos como cordeiros, fingiam elles não ter o
menor conhecimento de quanto ali se passara.
Chegavam, segundo diziam, do sertão de Lubuco (Luba),
d'onde lhe pedimos esclarecimentos.
Bem podiamos, porém, interrogal-os, que nada se conse-
guiria.
Sempre o mutismo ou o systema da aflfirmativa.
O que de preferencia nos interessava saber era se exis-
tia na realidade o grande lago Quifanjimbo, se tinham ali
canoas e em redor os povoadores pertenciam á raça de
anões.
214 AFRICA CENTRAL [CAP.
A tudo nos respondiam que sim, emquanto desenháva-
mos o retrato de um, a fim de pelo menos aproveitar d'el-
les o elemento para os darmos á estampa.
Convencidos ficámos mais uma vez de não comprehen-
derem os negros que cousa seja o desenho, e a perspectiva
então desconhecerem-a em absoluto!
Parece ignorarem por onde devem começar, não fixam,
nem se orientam, e por mais que se lhes queira pôr o de-
senho na devida posição, elles ou o inclinam ou curvam a
cabeça, sendo-lhe impossivel aperceber as imagens.
N^este caso, por exemplo, que era um busto, o observa-
dor deitou-o, não distinguindo sequer ser retrato de homem
o que tinha na mão.
Talvez chegasse a convencer-se d^isto se o desenhásse-
mos de tamanho natural!
De resto é fácil prever-se quanta difficuldade ha de expe-
rimentar o homem em conceber uma idéa para que o seu
espirito está pouco desenvolvido.
O notável porém é elles executarem algumas obras de
arte, nas quaes se reyela certo estudo e reflexão.
Gravam nas armas e em muitos instrumentos figuras de
animaes e de homens, chegando até n'estes últimos a dis-
tinguir-se com precisão os caracteriscos da raça preta; con-
seguintemente, em vários casos, o observador fica sem per-
ceber por que rasão elle, que confeccionou um boneco para
lhe servir de feitiço, não comprehende depois o mesmo bo-
neco feito por mãos mais hábeis e próximo da verdade.
No meio das comitivas, em marcha no mato, ha sempre
uma infinidade de objectos curiosos, dignos de exame, so-
bretudo aquelles que se referem á ornamentação.
Todos os negros desejam ornar-se desde a cabeça, e os
ban-gala são loucos.
Tranças, rabichos, entrelaçavam-se com búzios, contaria,
chapas de metal, etc, a fim' de architectar os exquisitos pen-
teados que, em tiras raspadas nos intervallos, levam ás ve-
zes semanas a fazer.
XXii;] E OCCIDENTAL 2l5
Verdade é que depois resistem mezes, sob o inducto re-
petido de azeite de palma.
As pennas e pelles sao artigos indispensáveis com que
elles se enfeitam, conseguindo sempre um aspecto ainda
mais selvagem.
A matéria para esses adornos pouco lhes importa.
Pedras, conchas, cobre e ferro empregam-se indistincta-
mente.
Apreciam muitas vezes tanto o fio de cobre como o den-
te humano.
O corpo soffre também.
N'um a orelha furada, nbutro a membrana do nariz, fo-
ram victimas da ponta do ferro, para ahi introduzir um toro
de madeira, que os impede no ultimo caso de proceder á
limpeza necessária, e mesmo a respirar bem.
Agora a gravura á faca no corpo vae-se vulgarisando,
devido sem duvida ás viagens para o Luba, e mais ao nor-
deste, onde similhante gosto é commum.
Imaginem-se os sofFrimentos doestes selvagens, para con-
seguir a formosura a seu modo!
É um permanente cortar em toda a musculatura!
Se começarmos pela circumcisão, usual entre ban-gala e
praticada muitas vezes quando adultos^ vemol-os mais tarde
limar os incisivos superiores, que partem; fazer furos nas
orelhas, rasgar o nariz, golpeiando por meio do ferro o qua-
dril, enfeitar o peito, etc, não incluindo as brutaes ope-
rações dos bin-banda (curandeiros), cujo systema de ventosas
(a cutello c a chifre de boi) basta para incutir medo.
Breve, terminadas estas considerações, retiraram-se os
indigenas pelo bosque fronteiro, onde estava construído o
respectivo quilombo^ passando o resto da tarde e a noite,
de cachimbo na boca, em volta das fogueiras.
Comer não vimos nem um.
E notável como estes homens, em viagens de longa du-
ração, supportam as fadigas de extensas marchas, sob pesa-
dos fardos, sem se alimentarem!
I
2l6 AFRICA CENTRAL [CAP.
Com descuido sem igual, andam dezenas de léguas, com
uma raiz de mandioca á cinta, outras vezes sem cousa algu-
ma, bebendo agua aqui, fumando acolá, e á espreita, resi-
gnados, de um punhado de farinha.
Que misera existência arrasta o indigena n^estas viagens
perigosas, onde muitas vezes o abandonam sem a minima
caridade !
Na comitiva de que falíamos, por exemplo, dera^se um
frisante facto.
Dois irmãos haviam partido em companhia para o Luba;
um d^elles porém, ulceroso e dysenterico, vira-se forçado no
caminho a largar a carga que o outro tomara e dividira
pelos amigos, desamparando o infeliz, que preso pelos po-
voadores foi sem duvida feito escravo.
A i5 pousávamos no Sengue, onde o Cu-anza tem duas
cachoeiras, Quissaquina Gaboco e mupa Palanca, no meio
de terrenos escalvados, cujo aspecto fazia calor; a 16 em
Mu ta, chegando a 17 por meio de cabeços e cerros ao
Nhangue-ia-Pcpe, no qual acampámos, perto de uma sen-
zala cercada de macisso de euphorbias, a fim de no dia 1 8
visitar a cataracta próxima, o que se effectuou.
Immensos cajueiros cobriam o terreno em que nos achá-
vamos.
Os desfiladeiros, através dos quaes se precipita o Cu-
anza, apertam-se por maneira que o rio terá ahi, quando
muito, 3o metros de largo.
Saltando n'uma catadupa de 8 a 10 metros, continua
entre pedras o seu sulco sinuoso para o oeste, desviando-se
aqui de um cerro, introduzindo-se mais alem por uma gar-
ganta, de que a serra Cassasio, no districto dos Nliongos,
constítue grande obstáculo.
Junto da cataracta observámol-o da elevada escarpa da
margem direita, cuja altura era tal, que difficil nos foi dis-
tinguir um pescador que em baixo divagava pela margem.
Escusado será dizer-se que em similhantes circumstan-
cias náo é navegável, e d^ahi até ao Dondo não o pôde
XZm] E OCaOENTAL 2 1 7
também ser por forma alguma, attento o seu leito peri-
gosíssimo.
Feito o levantamento e mais trabalhos consequentes, vol-
támos ao campo minados pela febre.
O nosso estado de fraqueza approximava-se do limite.
Nos últimos dias pouco comiamos, e como geralmente
após a refeição das três horas sobrevinha a febre, os pou-
cos alimentos eram rejeitados, de modo que passando dias
inteiros sem refazer-nos, enfraquecidos sob a doença, tudo
nos obrigava a concluir uma empreza com que as nossas
forças já não podiam.
A caminho, em ig, dirígimo-nos para as terras do soba
Dumba, potentado importante de outr^ora, com quem o
governo teve estreitas relações, e que hoje parece decaído
de importância, pois nem sequer pensámos em visital-o.
Aqui apresentou-se-nos o mais serio embaraço que em
todo o trajecto entre Pungo N*Dongo e o Dondo se encon-
tra, o qual de futuro, na construcção de uma estrada, deve
dar aos engenheiros immenso trabalho.
São umas elevadas serras que na perpendicular ao ca-
minho o barram completamente de norte ao sul.
O próprio engefiheiro preto, que tão bem traça os seus
atalhos, pois jamais se atira a rampas forçadas, foi aqui
impellido a cruzar os montes em sentido directo para ga-
nhar a vertente oeste.
Chegados a Danje-ia-Menha, acampámos.
A febre recrudescera, impedindo-nos todo o labor.
As feridas escorbuticas tinham-se aggravado tanto, que
na marcha nos impunham dolorosos soSnmentos.
As gengivas, inflammadas, sangravam a intermittencias;
um sentimento penivel de cansaço apoderára-se de nós, e
quasi não podiamos com o magro corpo, agora isento de
muitos pares de libras de peso.,
Tomava-se também manifesto um enfraquecimento men-
tal, por isso o calculo da mais singela latitude bastava para
nos preparar horas de enxaqueca.
2l8 AFRICA CENTRAL [CAP.
Emfim era a anemia, com essa infinidade de symptomas
hoje mais ou menos conhecidos e que bem pouco agradá-
veis são de experimentar.
Consagrado o resto do dia a tratamentos, repousámos;
erguendo-nos com o louro Phebo a 20 de setembro, e arri-
mados ao bordão, proseguimos.
Como acabássemos de transpor pequenos riachos e uns
estabelecimentos que se denominam Cassoqui, saíu-nos á
frente numerosa comitiva, a qual pelas cargas especiaes,
onde se viam caixas selladas, malas novas, etc, nos fez
antever a presença de algum europeu.
Inquiridos os portadores, confirmaram-nos a suspeita, e
em poucos instantes vimos surdir n'uma curva do caminho
dois brancos, adiantando-se para nós o da frente, que pelo
porte parecia o chefe.
Era homem de estatura regular, vigorosa, tez rosada,
barba loura, envergando casaco de cotim e cobrindo-lhe a
cabeça um amplo chapéu.
Inspirando-nos confiança o seu modo prasenteiro, decidi-
mo-nos quebrar o silencio que guardávamos (suspeitando al-
gum pouco expansivo filho da Gran-Bretanha), e dirigir-lhe
o comprimento de estylo entre nós:
«Bons dias, cavalheiro.»
A sua resposta logo percebemos que a nossa lingua lhe
era pouco familiar; entretanto devagar e com pausa conse-
guimos fazer-nos comprehender.
Após dez minutos de conversação, tinhamo-nos apresen-
tado mutuamente.
Von Mechow, pois era elle, explorador allemão, vinha de
Luanda e dirigia-se para Malanje, onde tencionava organi-
sar comitiva, para com um bote próprio que possuia fazer
por agua a descida e reconhecimento completo do Cu-ango
até ao Zaire. •
O transporte de cargas e embarcação haviam dado ao
illustre viajante bastante trabalho, pela falta de portadores
aptos e de homens que o ajudassem.
XXUl] E OCCIDENTAL 219
A sua boa vontade, porém, a tudo fazia face, e contente
dispunha-se a tentar fortuna.
Expostas algumas das dificuldades por ali encontradas,
as quaes Von Mechow parecia pouco perceber, e que ver-
savam principalmente sobre a Jinga, seus habitadores, e
emfim sobre a febre e sofFrimentos do sertão, íamos se-
parar-nos, quando elle, cortando o fio do extenso discur-
so, nos interrompeu:
fiSignhory disse em mau portuguez que nos fez sorrir,
estar muito coitada h
Presumindo ser uma apreciação relativa ao nosso lasti-
moso physico, apropriávamos um ar compungido, quando
elle erguendo a zagaia que trazia enfeitada com o pennacho
da cauda de um boi, tendo na ponta uma raiz de mandioca,
exclamou para a arma:
€ Estar muito coitada também h
Desconcertados e meios confusos, conhecendo que a ex-
clamação não mirava o intuito que suppunhamos, mas sim
ir tudo conforme (por não vermos a zagaia precisamente
anemica como nós), demos remate á entrevista, dizendo:
€ Estar tudo coitada i> (tudo vae bem).
Com um aperto de mão apartámo-nos, reflexionando en-
tre ambos:
«Elle entra, nós saímos. Deus o fade bemi»
De Cassoque acampámos no Bungo, passando ainda esta
noite com febre.
Achavamos-nos então a 279 metros; breve estaríamos
ao nivel do mar.
Que differença na temperatura, na pressão e no meio
em que viviamos agora!
O fresco sueste das altas planuras fôra-se.
A atmosphera, pesada e sombria, annunciava-nos a pro-
ximidade do oceano, pela accumulação de vapores que a vi-
ração reunia sobre as extensas terras litoraes.
»
Entretanto sobre veiu a noite; os montes que nos cer-
cavam, variando de tinta, passaram successivamente do azul
220 AFRICA CENTRAL [CAP.
ao branco brilhante, iliuminados pela lua quasí em quarto
crescente.
Desde a véspera que por assim dizer não comiamos.
O estado do estômago e da boca, de envolta com as fe-
bres, nao o permittia
Era esta a ultima vez que envolvidos nas pelles dormi-
ríamos nos fundos a moda do mato para depois transpor
os limites da civilisação, onde os nossos trabalhos pouco ti-
nham a analysar.
Dissipadas as trevas da noite pozémo-nos a caminho, ne-
cessitando então recorrer á tipóia.
O atalho flanqueava a vertente sul da serra Luena, por
cima de terrenos accidentados, interrompidos pelas ravinas;
ahi pequenos cursos de agua murmurando fam encontrar
não longe o curso do Cu-anza, o qual entre serras se despe-
XXIll] E OCCIDENTAL 221
nha em Cambambe na cataracta Caballo, ultimo obstáculo
que no seu longo percurso encontra para alcançar o oceano.
Repousando alguns minutos sob um dos bao-babs, lançá-
mos o derradeiro olhar para as terras que ao oriente nos
ficavam, e despedindo-nos partimos.
Eram dez horas e trinta minutos.
Ao sair do bosque divisámos um, adiante dois, seguida-
mente muitos postes telegraphicos, symbolos do progresso,
que nos trouxeram á realidade.
Eis a obra dos brancos !
Passando os Pambos, encruzilhada onde numeroso gen-
tio reunido estava em quitanda (feira) permanente, avistá-
mos ás onze horas e trinta minutos a argêntea fita que nas
extensas planicies marcava, dardejada pelo sol, a agua do
Cu-anza.
Era o mesmo rio que nós conhecêramos tão perto da nas-
cente, estreito, socegado, de margens areosas, e que engros-
sando pouco a pouco se nos apresentava agora magestoso
e amplo.
Por meio das quebradas observámos a tristonha villa do
Dondo, no centro de bouquets de palmeiras e coqueiros
esguios.
Findara a nossa missão.
Os atavios do mato e artigos de uso para transportar
cargas ali, requeriam ser uns substituídos, outros abando-
nados.
Emfim ao meio dia, na encosta de um cerro, fizemos alto
para abraçar e receber o europeu que nos surprehendêra.
Duarte Silva, official do exercito de Portugal, um dos dis-
tinctos e infatigáveis trabalhadores da grande commissão
que o governo portuguez mandara á Africa para especiaes
trabalhos de obras publicas, apercebendo-nos do seu cam-
po, abalara pela encosta, a fim de felicitar-nos.
Labor omnia vincit.
Breve a noticia da nossa chegada correu entre os acam-
pamentos limitrophes da expedição, d^onde outros amigos e
222 AFRICA CENTRAL [CAP.
companheiros nos enviaram felicitações e convites, com os
quaes passámos horas agradáveis.
Em seguida foi-nos offerecido pela bizarra corporação
commercial do Dondo um banquete, onde tivemos o prazer
de ser pessoalmente apresentados aos cavalheiros que a
compõem, os quaes com inimitável delicadeza nos dispensa-
ram os maiores favores e elogios.
Aprestando a partida pensávamos ainda, abandonando o
curso do Cu-anza, seguir para o norte pelo valle do Bengo
e alcançar assim por terra a capital da provincia.
Os conselhos de alguns dissuadiram-nos doesse propósito,
dizendo que as nossas exhaustas forças estavam pouco para
eommettimentos. Preferimos a vinda pelo mar*.
1 Durante a viagem observámos o que podemos sobre o rio.
A bacia do Cu-anza é uma immensa planície de solo balofo, lama-
cento, formado pela acção das aguas, extremamente fértil, que apenas
teria limite no amplo producto da canna, na mão de obra disponí-
vel, mas cujo cultivo um clima pestilencial impede.
Toda esta região é cortada por sulcos de agua, e cheia de lagoas,
que por pouco inclinadas inhibem o esgoto necessário, formando per-
manentes pântanos.
Assim, percorrendo as margens, vc o viajante, após esforços de an-
nos, uma única plantação no sitio do Bom Jesus, c duas dúzias de
mesquinhas senzalas, onde os indigenas mal resistem á influencia do
clima.
Estrada importante do interior, o Cu-anza não deve por forma al-
guma ser abandonado, pois se nos afigurou que com exíguos recur-
sos e um attento estudo do regimen das aguas, poderia ser em todas
as epochas perfeitamente navegável por vapores do porte de Silva
Americano,
Em quatro ou cinco pontos acha-se elle hoje mais ou menos em-
baraçado, mas se dissermos que n'esses logares.os indigenas, saltando
á agua com ella pelas curvas, desencalham os barcos, bem se com-
prebende que o trabalho de dragagem é dos mais simples, porque de
per si só o braço do homem e a pá removem em grande parte similhan-
tes diíRculdades.
Emfim, a barra carece de estudos especiaes, que seria vantajoso
attender já, a fim de que, por causa do esquecimento prolongado, não
venha no futuro a obstruir-se de todo.
xxili] E OCCIDENTAL 22*3
A 11 de outubro embarcámos no vapor Silva Americano,
para nos conduzir até ao Cunga, e a cujo commandante, o
sr. António de Sousa, agradecidos aqui deixámos um teste-
munho da nossa recordação.
Do Cunga, um outro de maior porte nos levou a Luanda*,
onde demos entrada a i3 de outubro do anno de 1879, en-
contrando em s. ex.* o conselheiro Vasco Guedes de Car-
valho e Menezes, então governador geral, o mais dedicado
auxilio e a mais aflectuosa recepção.
Havia setecentos e vinte e nove dias que largáramos da
capital em viagem para o sul.
Ahi fomos recebidos com toda a comitiva em casa do sr.
Manuel Raphael Gorjão, intendente geral das obras publi-
cas de Angola, para quem os maiores elogios são poucos;
cavalheiro a cujo esforço e intelligente actividade se devem
todos esses melhoramentos de que hoje gosa a provincia,
os quaes bem revelam a alta maneira de ver doesse ho-
mem superior, que avaliando com justo senso as necessi-
dades d'ali, trabalhou por forma a dotar a citada provincia,
no curto espaço de três annos, com uma extensa linha te-
legraphica, ampla officina perfeitamente montada, hospital,
postos meteorológicos, escola profissional, o estudo defini-
tivo de uma linha férrea na extensão de 25o kilometros,
1 A cidade de S. Paulo da Assumpção de Loanda, disposta na ver^
tente norte das terras alterosas que terminam no mar pelo morro de
S. Miguel, còmpóe-se de uma parte elevada e outra rasa, respectiva-
mente denominadas cidade alta c baixa.
Em derredor tem os bairros indígenas, como o de Sanga-n'dombe
e N'gombota, e numerosas casas de campo, que se designam musseques.
A ^^"3 da população interior não excederá a 9:000 habitantes, sendo
homens 3:5oo, mulheres 3:ooo, creanças do sexo masculino 1:200 e do
feminino i:3oo.
Os povoadores europeus sobem quando muito a 1:100, de que duas
terças partes são degredados.
Os musseques contam 2:000 habitantes, e os subúrbios e ilha 2:35o,
de forma que a população englobulada representa o algarismo 1 3:35o,
approximadamente.
224 AFRICA CENTRAL [CAP.
rasgando para o interior um sem numero de estradas, como
a do Cacuaco, a do Dondo para Caculo, obra de arte sur-
prehendente, a do Biballa, etc, etc.
Ahi passámos agradáveis dias no mais intimo e alegre
convivio.
A associação commerdal de Luanda distinguiu-nos poucos
dias depois n'um banquete, a que assistiu s. ex.* o gover-
nador e todo o corpo commercial, e onde nós ainda recebe-
mos outra recompensa dos nossos trabalhos e fadigas.
Emâm veiu o tour dos bons amigos que para ali tínha-
mos: José Bernardino, então secretario geral, Joaquim Sal-
les Ferreira, Francisco Salles Ferreira, Guilherme Gomes
Coelho, Miguel Tobin, delicado representante do banco Ul-
tramarino, José Maria do Prado, I. Newton, dr. Oliveira,
dr. Lopes, Miranda Henriques, Urbano de Castro, e tantos
outros, são pessoas que jamais esqueceremos.
Decidida a nossa viagem para Mossamedes, onde um
clima mais benigno nos facilitaria o trabalho de recapitular
todas as notas e reconstituir o enfraquecido corpo, partimos
sem demora a bordo do vapor Zaire, do commando de Pedro
de Almeida Tito, que ainda doesta vez nos recebeu com a
maior affabilidade.
Justamente na noite da partida appareceu-nos, como por
encanto, Avelino Fernandes, um antigo amigo, com quem
Stanley, Serpa Pinto e nós convivêramos antes de encetar a
nossa viagem, activo, intelligentç e alegre moço, muito in-
clinado aos trabalhos de exploração, e que jamais nos olvi-
dara durante os nossos labores.
Pesquizando, informando-se aqui e acolá, Avelino Fer-
nandes espreitava o momento de nos poder salvar de em-
baraços, e na costa, ao ouvir que no interior nos achávamos
em dificuldades e com exiguos recursos, o audaz mancebo
havia decidido ir em nosso auxilio, quando melhores noti-
cias o dissuadiram.
Acabava n^esse momento de chegar de Vivi, onde esti-
vera com Stanley, admirando a hercúlea obra a que esse
XXIII] E OCaOENTAL 22$
homem de rija tempera mette hoje hombros, e ao presentir-
nos correu a abraçar-nos.
Em Mossamedes passámos dois mezes com esses intelli-
genies mancebos que então occupavam os logares impor-
tantes das obras publicas, e de quem recebemos tantas pro-
vas de affeição, que impossivel seria agradecel-as.
Começávamos a respirar mais livremente.
O esplendido clima de Mossamedes, a alimentação suc-
culenta e á moda europêa, breve nos reconstituiram as for-
ças, que um trabalho moderado ajudava.
Pensámos, pois, que era tempo de volver á pátria, e pe-
los fins de janeiro, com os uhimos adeuses, apartámo-nos
a bordo do vapor Bengvella, do commando do capitão José
Roberto Franco, nosso estimável amigo.
Aqui tendes, leitor, como se passaram em Africa todos
os factos durante essa campanha de dois annos, que nós
tivemos a honra de dirigir e a ousadia de vos apresentar
sob a exagerada forma de dois volumes em oitavo.
Esperando agora da vossa benevolência a desculpa de
mais um abuso, pedir-vos-hemos o favor de ouvirdes ainda
duas palavras em conclusão.
i ■
CONCLUSÃO
Chegando ao termo doeste trabalho, entendemos conve-
niente apresentar em verdadeira synthese as soluções mais
importantes do nosso estudo, a fim de que, engloboladas,
possam avalial-as mais completamente aquelles a quem in-
teressarem.
Os limites impostos a esta obra, e um justo receio de
nos tornarmos enfadonhos, não permittem prolixidades.
Tocaremos pois ao de leve os tópicos principaes, expon-
do os factos que lhes são relativos; n''uma palavra, enca-
deando a substancia dos dois livros, pela formula mais sin-
gela que podermos.
Começaremos por um aperçu geológico.
A disposição da terra no continente africano, e com es-
pecialidade ao sul do equador, já todos hoje conhecem.
Uma bacia central deprimida, cercada por um vasto cir-
culo de terras altas, que gradualmente descem para o mar,
e por onde em profundas ravinas saltam espumantes os
grandes cursos de agua, de origem interior, até se espraia-
rem na região baixa e alagadiça que defronta com o oceano,
é tudo quanto se pôde dizer.
228 CONCLUSÃO
Sob um ponto de vista geológico muito genérico, podem
definir-se essas regiões distinctas do litoral para o interior
pela seguinte forma: a do calcário, a do grés e a do granito.
Se pqrém quizermos entrar mais detidamente no assum-
pto, veremos não serem rigorosas estas distincçoes, que as
terras em parte se confundem ou alternam, e faltam emfim
as precisas linhas de demarcação.
A natureza geológica da costa de oeste, nos pontos por
nós observados de Luanda a Mossamedes, e mesmo mais
para o norte, mostra em geral perto do mar uma zona de
depósitos terciários, farta em massas de sulphato de cal e
siandstones, de que as separam por camadas de cré bran-
co, alternando com as rochas primarias pela maior parte
gneiss, abundante em quartzo; pela mica o honiblende, o
granito e o porphyro granulado.
Para o sul apparecem grandes tractos feldspathicos.
Em Mossamedes o sulphato de cal compõe montes intei-
ros, e o carbonato de cal accumulado em conchas é muito
frequente.
Entre as camadas em stratificação encontra-se o sal gem-
ma, assim como o nitrato de potassa, que avulta.
Ao longo da serra de Mocambe, parece, conforme nos
informaram, existir uma linha basáltica de grande compri-
mento.
D'ahi começam os terrenos movediços, extremamente fer-
teis em areia, constituindo verdadeiros saharas, como no
parallelo da bahia dos Tigres.
Na transição da zona baixa para o interior, por exemplo
no Dondo, vastos tractos de rochas schistosas, em perfeita
folha, compõem o solo; o grés e o standstone, avermelhados
pelo oxydo de ferro, vêem-se por toda a parte.
Mais para o interior, em plena região montanhosa, o ter-
reno é constituído por uma rocha granito-quartzosa, muito
dura e compacta, por toda a zona atravessada até Pungo
N^Dongo, tendo para a encobrir terras provenientes da des-
aggregação do mesmo granito.
CONCLUSÃO 229
Estes caracteres geológicos devem naturalmente succe-
der-se ao sul e ao norte por idênticas regiões parallelas,
com variantes para o plan^alto, onde se viam ás vezes o
grés vermelho duro e resistente, e as rochas feldspathicas,
como na bacia do Lu-calla, etc.
As indicações sobre minas variam.
Na primeira parte do nosso trabalho falíamos d''ellas,
quando no Dombe.
Para o sul, em Mossamedes, nota-se o carbonato e sul-
phato de cobre em pequena quantidade, nas camadas de
gesso que elle cora de verde.
Existe também ahi o asphalto, segundo suppomos, e no
Dondo e em Oeiras, ao norte, o carvão mineral.
Doeste porém não garantimos o indicio, por ser fácil con-
fundir-se com qualquer betume.
De metaes preciosos pouco se pôde dizer.
A mica tem no interior illudido muitos que julgavam
possuir o segredo de uma mina de prata.
Ainda assim fallaram-nos da existente na margem esquer-
da do Lu-calla, perto do Banza Dalango, cuja visita já tem
sido tentada de Malanje.
A jinga parece abundar.
Para Cambambe dizem também existir signaes d'ella;
nunca, porém, tivemos ensejo de obter a necessária com-
provação.
A verdade é que ha ferro e cobre por todo o continente,
o primeiro de boa qualidade e o segundo não inferior ao
americano, que os indígenas aproveitam, e do qual apontam
como os maiores jazigos a Gatanga e Garanganja.
Desarborisadas de modo desigual, as três zonas de que
vamos fallando podem classificar-se relativamente á flora
pela seguinte designação : do mangue, do bao-bab e da acá-
cia, sendo esta a interior, em geral considerada mais salu-
bre, onde a influencia paludosa menos se sente e o europeu
emfim pôde com facilidade resistir.
Quasi todos os viajantes apresentam a este respeito uma
23o CONCLUSÃO
notícia favorável, sobretudo na transição para a zona monta-
nhosa.
Os grandes cursos de agua que a sulcam, destacando-se
rápidos das nascentes, a fim de se precipitarem para as
regiões baixas, não alagam ou se espraiam pelas terras
próximas, fazendo que em muitas partes sejam então raros
os pântanos.
A meio doeste vasto tracto de terreno acha-se o solo
elevado sob o parallelo 1 1% baixando gradualmente para o
norte ou sul.
Verdadeira nervura que o continente atravessa de leste
a oeste e constitue a linha divisória das aguas dois grandes
rios Zambeze e Congo-Zaire, é quanto a nós a mais apro-
priada para residir ao sul do equador, entre o trópico e elle,
parecendo estar subordinada não só á distribuição das plan-
tas, mas de certa forma influir sobre os povoadores cen-
traes.
Um facto digno de especialisar-se, é que debaixo do ponto
de vista, quer physico, quer intellectual, as tribus acham-se
dispostas a partir d^essa região elevada, em escalas descen-
dentes para o norte, sul e oeste, descendo á costa.
Se tomarmos os ganguelles e ma-quioco para termo doeste
simile, veremos nos povos que se approximam do mar, como
ba-cuisso, ba-cuando, typos relativamente inferiores aos da
região elevada.
Se ao contrario caminharmos em direcção do norte, obser-
varemos no jinga, ma-hungo e ma-iácca a mesma sensivel
differenca.
Para o sul dá-se a mesma circumstancia, se attendermos
a que os povos hottentote e betjuana são considerados os
typos mais envilecidos da raça negra.
A explicação de similhante phenomeno não se nos afi-
gura fácil. É natural que a altitude e a natureza do solo
concorram para isso, mas sem duvida a especial influencia
consiste em acharem-se elles distantes dos centros commer-
ciaes, sendo portanto obrigados a viagens.
m
CONCLUSÃO 23 1
As tribus que hoje habitam as terras percorridas por nós
no grande continente, parece terem tido pela maior parte
origem em pontos remotos e proveniências diversas, accen-
tuando-se mais tarde os typos por acções perfeitamente
locaes.
Sc pozermos por agora de banda os povos do litoral, po-
deremos ver no homem do interior, bièno, ganguella, quioco,
etc, uns traços geraes que pouco se afastam dos que va-
mos expor.
Esqueleto desenvolvido, ossos proeminentes, músculos
fortes, sobretudo da parte superior do tronco, curvatura
pronunciada da columna vertebral, logo acima da bacia,
craneo dolichocéphalo, chato dos lados, arqueando-se no
frontal, dentes obliquos, excedendo os superiores, a cor da
pellc variando do preto ao bronzeado escuro.
Para o norte o typo pareceu-nos diíferir muito do que fi-
ca exposto.
Pelo maior numero de cor retinta, o indígena d^ali, e o
jinga em especial, não tem o desenvolvimento physico das
tribus de leste, é mais franzino, e exceptua-se apenas pelo
prognathismo subnasal, talvez menos pronunciado ou um
angulo facial mais próximo 70®.
Pouco activos e investigadores, os jingas, por haverem
habitado perto do mar, que sem trabalho lhes satisfazia
grande parte das necessidades, parece resentirem-se d^isso,
nao tendo disposição para as largas viagens e grandes ne-
gócios.
Attentas as circumstancias exaradas, e o facto dos de
sueste principalmente se referirem em suas lendas a uma
vinda do norte, forçoso se torna admittir que em epochas
remotas o sertão africano foi theatro de uma grande evolu-
ção, resultando serem invadidas as terras de que estamos
a tratar.
Gomo porém (e já o citámos) á chegada dos povos de
Cassanje os jingas estivessem estabelecidos no litoral, in-
fere-se logo que estes (Muco-N^gola ou Mona-N'gola) inva-
232 CONCLUSÃO
diram Angola, fixando a sede do respectivo governo em
Luanda* muito antes dos Tembos pensarem em se dirigi-
rem para ali.
A este facto porém acresse um outro notável.
Os jingas afiançam ter avassallado o Congo quando se es-
tabeleceram.
Existia pois já o reino do Congo organisado^.
1 Lu-anda significa sem duvida parte baixa, adoptando-se esta de-
signação por estar ao principio a corte de Angola (N^gola) em Quias-
samba, na ilha arenosa que defronta a terra alta onde hoje existe
a cidade de S. Paulo.
A sua longa configuração poderia talvez ter dado origem ao nome
Dongo (embarcação gentílica), o que depois os monarchas de N'gola
conservaram para o districto em que quasi sempre residem.
Por isso se encontra nas Pedras Negras esse termo designativo dos
régios domicílios, e hoje na Jinga o sitio occupado pelo rei é ainda o
districto do Dongo.
* Bastian diz-nos que «antes da formação do reino do Congo po-
voavam as margens do Zaire tribus independentes dos ba-Vcheno (?)
ou ma-fcheno (?) conquistadas e reunidas por um chefe denominado
Nimia Luco-em (?) primeiro rei d^aquella terra, que elevou a Ban^a-
ia-Congo» (Ambassi), errada designação, como muito bem diz o esti-
mável secretario da sociedade de geographia e distincto publicista, o
sr. Luciano Cordeiro, na sua Hydrographia de Africa, e que vem de
m*baje-ia-mucanu.
Seriam pois os ma-4'cheno os authoctonas d'ali?
Eis o que se não sabe.
A palavra Luco-em é também original, e decomposta a primeira
parte parece caber sempre a creaturas especíaes; assim temos na Lun-
da a celebre mulher de quem falíamos, conhecida por Luco-quessa, os
mascaras do mato, Luco-iche, que escrevemos Luquiche, e outros.
São de toda a conveniência as constantes comparações doestes ter-
mos peculiares, a fim de ver se se consegue o fio que nos guiará em tal
labyrintho.
N'esse caso seria Luco-em o primeiro que se intitulou Muene Congo,
que por corrupção deu Mani-Congo mais tarde.
E se Congo na lingua de Angola significa devedor ou tributário, e
iche ou xi exprime propriedade, poderá ver- se n'isso a confirmação de
que os congos eram tributários de Angola, porquanto ainda hoje o mo-
narcha doesta ultima terra se designa muen'iche (dono da terra).
CONCLUSÃO 233
Doesta fórma assentaríamos em três invasões distinctas,
podendo denominar-se a dos Gongos, a dos Bondos (os que
faliam a língua blinda)^ vindos talvez de lácca ou mais de
leste, e a dos Tembos, que comprehendcria ban-gala, ma-
quioco, ma-songo, talvez bin-bundo, oriundos da região dos
lagos, os quaes no litoral se designam por Nano; e assignan-
do a esta ultima o século xvi, as outras seriam anteriores.
Estabelecidos os bondos como deixámos dito, é natural
que perto do oceano, dedicando-se á pesca, se estenderam
pelo litoral, ao longo de Benguella e de Mossamedes, a fim
de alargar a área das suas excursões piscatórias.
Mas então, nas tribus hoje por ahi reunidas, novas va-
riantes apparecem, que lançam o observador em sérias dif-
ficuldades.
Os ba-cuisso, os ba-cuando, os ba-ximba, têem um aspe-
cto diíFerente, que os approxima do typo hottentote.
A conformação trapezoidal do rosto, a proeminência das
arcadas zygomaticas, as formas angulosas, etc, tudo mos-
tra a influencia d^esses povos do sul nos habitadores d^aqui,
levando a crer que elles são mixto de bondos e gente do sul.
Teríamos assim em resumo, para as numerosos tribus
hoje comprehendidas sob a designação (pouco própria) de
Negricias, do Senegal para o sul, as seguintes divisões:
Para o norte as gentes da bacia do Ogowai, os ba-congo,
de cujo estabelecimento pouco podemos dizer e que talvez
tenham relações com os povos da bacia do Niger.
Depois os ban-bondo, que occuparam o reino de Angola,
vindos do nornordeste, provavelmente do alto Zaire, onde
hoje se encontram ma-iácca, ma-cundi *, etc.
1 Não nos parece que os ma-iácca fossem de todo desconhecidos
na Europa.
Na Relação annual dos jesuítas (Guiné) de i6o2-i6o5, diz-se: «os
invasores que na primeira metade do século xvi infestaram as terras
do oeste denominavam-se no Congo láccas, em Angola Jingas, na
Ethiopia Gallas, na Guiné Sumbas»,
234 CONCLUSÃO
Seguidamente as tribus do ma-quioco, ban-gala, ma-son-
go, ganguella talvez, que comprehenderemos sob o nome de
ba-lunda, visto dizerem-se d'ali oriundas (conhecidas como
dissemos por ba-nano), e residindo nas terras já por nós
indicadas.
Emfim para o sul, sudoeste e parte do litoral, todas essas
tribus que incluimos sob a designação de nhembas, ban-
cumbi, ban-ximba, ba-cuisso, ba-cuando *, etc.
Eis o nosso parecer sobre o assumpto, que não tem a
menor pretensão a base de relações ethnologicas das tribus
da Africa central e do oeste; e registado sem a minima vai-
dade ahi fica para quem quizer modifical-o com fundamen-
tos mais seguros do que os expostos.
Encaradas assim as tribus d''esta parte da Africa, entre-
mos agora n^um pequeno devaneio em trato mais intimo
com elles, a fim de nos approximarmos do seu exacto modo
de ser.
A vida do africano c singela e primitiva, a sua condição
social grosseira.
D'aqm logo se infere que dos habitantes de lacca já havia uma no-
ção, e por consequência a nossa idéa de os suppor antecessores dos
Bondos ou Bundas, isto é, que empregavam a lingua blinda, qui-n bunda
ou lu-'n'bunda, designação pela qual se deve a final abranger todos os
dialectos das terras de Angola e de certa forma ligal-os com os Accas,
tem os seus visos de rasoavel. Seguindo attentos o estudo de Schwein-
furi (verdadeiro mestre em similhante matéria) temos sido fatalmente
levados a assimilhar os ban-bondo aos Niam-Niam, na conformação c
disposição physica, c6r, etc, chegando quasi a convenccr-nos das rela-
ções de parentesco doestes povos tão distinctos.
1 Os ba-nhaneca e os ban-cumbi occupam approximadamente a
região comprehendida entre o rio Cu-nene e as vertentes do plateau
ao oeste.
Pelo sul limita os ban-ximba, a léstc os ban-cutuba (povos n'hcm-
bas), ao oeste ba-cuisso (errantes) c ba-cubale, ao norte tudo quanto
indicamos por ba-nano.
Cutuba parece refcrir-se á especial disposição do pahno que lhes
pende da cinta.
■IH
CONCLUSÃO 233
N^um milhar de senzalas por nós visitadas, encontrámos
sempre com poucas variantes idêntica disposição nas ha-
bitações, a mesma maneira de estabelecel-as, cobril-as e gru-
pal-as.
Estacas ao alto, ou cannas firmes no solo, entretecidas
de capim ou cobertas de argilla, sobrepujadas de um tecido
de colmo, com duas ou três divisões internas, figurando
umas a forma cónica, outras a pyramide de quadrado re-
gular, algumas o ellipsoide longo, eis tudo quanto obser-
vámos.
A casa em geral é propriedade de um só.
Quasi sempre o chefe reúne em derredor do próprio do-
micilio as palhoças de todos os habitantes, que fecha com
uma palissada, deixando-as outras vezes completamente
abertas.
Não longe estabelecem as suas lavras ou plantações,
d'onde tiram o sustento quotidiano, encontrando-se certas
espécies de vegetaes em roda da dita palissada, como ba-
naneiras, o stramonium, etc.
As suas leis e a organisação dos seus estados constituem
sempre um problema difficil de estudar, que nós tocaremos
de leve.
Sendo constante a emigração, as luctas e a instabilidade
no viver, a ordem social varia conforme as circumstancias; .
relações de um dia modificam-se no seguinte, o chefe de
hontem c substituido pelo conquistador de hoje, de forma
que muitas vezes se nos afigurou para um mesmo povo
haver principios orgânicos diversos.
De resto, os elementos da sua legislação (se assim deve-
mos denominal-a) parece não terem sido baseados no prin-
cipio orgânico da familia, ou por outra, cremos não se ada-
ptarem propriamenjte a esta isolada, mas sim ao agrupamento
de muitas.
Não foi o patriarcha que, prescrevendo regras aos filhos,
creou o primeiro elemento de lei, mas o chefe, que dispon-
do para a defeza ou conquistando, estabeleceu as primei-
236 CONCLUSÃO
ras praxes, as quaes impoz a quem considerava seus vas-
sallos.
Por isso nos estados do oeste de Africa impera como su-
premo principio creador da lei a vontade do chefe, sendo
portanto a lei tão variável como ella.
Infere-se d^aqui ser a liberdade pessoal verdadeiramente
problemática por ali; ninguém ha menos livre que o selva-
gem, cujo viver quotidiano se pauta por exóticas disposi-
ções e privilégios que o chefe dieta, impõe e não discute.
No regulo ou no chefe da aldeia reside a lei absoluta e
suprema.
Assim, o poder judicial e administrativo, que elle modi-
fica a bel-prazer, ouvindo quando muito a opinião de alguns
vassallos (macotas) mais considerados, que geralmente tra-
tam de conhecer as disposições do monarcha para as apoiar.
Assim ainda, as querelas ou divisões de terras (origem da
primitiva legislação entre nós para a garantia da proprieda-
de), são tudo attribuições d^elle, de forma que a jurisprudên-
cia se reduz a isto : palavra do chefe e obediência passiva.
A ordem social e a observância dos determinados precei-
tos dependem tanto da vontade do chefe, que a desorgani-
ção é quasi sempre inevitável á morte doeste.
Desde que um districto perde a auctoridade, os povoado-
res, á solta, infringem as velhas disposições.
Controvérsias, tumulto insólito, eis o resultado de simi-
Ihante situação, que a consciência de uma liberdade ines-
perada ainda mais augmenta.
Os fortes opprimem os fracos, commettem extorsões, ata-
cam a propriedade, roubam; é anarchia completa, a qual
elles se esforçam por prolongar, e a que só a imposição de
um muito atrevido e ambicioso dá remate, obrigando-os
sob a sua vontade a entrar na antiga ordem de cousas.
Nunca encontrámos a mais singela lei concernente ás pre-
rogativas politicas, a mais elementar noção de assembléa;
o próprio direito electivo (mesmo quando o regulo morto)
não é perfeitamente regulado e está sujeito a factos como
CONCLUSÃO 237
aquelle que dissemos haver succedido entre os ban-gala,
onde hoje não podem eleger o jagga, porquanto um dos
pretendentes subtrahiu a caixa das insígnias do mando.
Certo numero de regras e praxes observam-se, é verdade,
mas facto notável, em logar de respeitarem ao interesse
particular de cada individuo, ou ao bem commum, tendem
pela maior parte a praticas de ceremonial, estulticia in-
qualificável, a que elles se entregam com uma completa
seriedade.
As saudações, as ceremonias de recepção, as visitas ao
chefe, parece exclusivamente occupal-os, e para ellas têem
normas especiaes.
Pelo contrario, a herança do filho, o direito de legar o
que lhe pertence, a posse da esposa, são assumptos que se
regem por si, estando á mercê da primeira vicissitude.
As próprias relações com estranhos dictam-se conforme
as circumstancias, e só em casos extraordinários se pôde
suspeitar a lei (mas que Icil), como por exemplo: um branco
entra n^uma terra, comeu e não pagou ou retribuiu pouco;
o primeiro que passar, embora innocente, pagará por elle !
Regulando-se os costumes pelo consuetudinarismo (ao qual
o tempo dá toda a força) entre africanos *, alguns rudimen-
tos de lei se haverão engendrado, mas é indubitavelmente
um facto que o seu progresso tem sido nullo, e n''isto sem
duvida influe a imperfeita ou desconhecida organisação da
familia.
Em matéria religiosa, já no quarto capitulo d''esta obra
dissemos à peu prés o que entendíamos sobre o modo de
ver dos selvagens do grande continente, acerca dos feiti-
ços envolvendo terrores, das falsas noções sobre a divin-
dade, etc.
Resumir-nos-hemos ao seguinte:
Não considerando o fetichismo como uma forma de reli-
gião, a que nem mesmo cabe o nome de culto de sub-
ReferimoHios sempre áquelles com quem tratámos.
238 CONCLUSÃO
stancias materiaes, persistimos em sustentar que o negro
nenhuma possue.
Não se julgue comtudo que contestamos a existência de
uma religião entre os indígenas africanos, só pelo simples
facto de se não assimilhar quanto ali vimos ao por nós sa-
bido a tal respeito; mas porque nem uma só manifestação
ou modo de proceder nos mostrou em ponto algum pro-
pender-se para tal fim.
Se, entretanto, para constituir uma theogonia basta o mais
singelo sentimento de temor (implicando de certa maneira a
consciência que o homem nutre de cousas superiores a elle),
n'esse caso parecc-nos ter religião toda a humanidade.
Não é porem isto verdadeiro, como diz sir John Lub-
bock: «pois não pôde olhar-se como a prova da existência
de uma religião, o receio da creança pelas trevas», ao que
nós acrescentaremos, o terror do homem quando se appro-
xima, pelo escuro da noite, dos sepulchros dos seus simi-
Ihantes.
Adquirindo um feitiço, o negro suppoe representar elle
um recurso, mas a que não liga conceito preciso e ao qual,
quando muito, consagra a satisfação da posse de um obje-
cto com influencia preservativa contra os malefícios a advir.
D'esta forma o sobredito objecto não implica a idca de
relacionação com um principio superior, para quem o feitiço
tivesse o poder de attrahir as boas graças, mas simplesmente
meio material, revestido por formulas mais ou menos ma-
gicas, de contrabalançar acções, na lucta com as quaes elle
por si só se acha impotente.
É a magia requintada, completa negativ^a da religião.
E não existindo esta, chegámos a convencer-nos de se-
rem raros os sentimentos que a sua influencia desperta e
fortifica.
Não é ella (á parte o facto de pôr o homem em relação
com a divindade), a verdadeira lei da moral que a creou
e fortaleceu no espirito, o ponto cardeal por onde começa a
reger-se a consciência através os trilhos do bem e do mal,
CONCLUSÃO 239
perfeita escala em que se foram affirmando os sentimentos
crescentes, na justa medida do próprio progresso d^ella?
Indubitavelmente.
Não cabem pois esses devaneios originaes de muitos via-
jantes que, como Livingstone, imaginaram sentimentos en-
tre indigenas, encontrando uma inu-roi^c (rapariga) recu-
sando em casamento o homem que não amava?
Acaso a preta ama ou pôde amar no sentido elevado
d'esta palavra?
Se ella amasse, se tivesse a consciência doesse sublime
sentimento, que nos abre na terra as portas do céu, mani-
festava-o em seus transportes, chegando mesmo a possuir
uma crença, uma religião, pois ao descortinar a felicidade
comprehenderia que alguma cousa de mais puro pôde haver
acima da material vida terrena.
Mas quem conseguirá inspirar-lhe similhante sentimento
no estado embrutecedor de escravidão em que se acha?
O esposo? De nenhuma forma. Esse cerca-a de um fér-
reo cinto de obrigações e trabalhos despreziveis, obriga-a a
viver entre as urduras, trabalhando em seu proveito; e esta
não pensa sequer em tocar-lhe, ou mesmo olhal-o, não po-
dendo comer na mesma mesa e muito menos no mesmo
prato, nem emfim acceitar da mão d'elle bebidas. N'uma
palavra, a misera esposa afastar-se-ha do domicilio conju-
gal em cpochas determinadas de cada mez; e nos momen-
tos mais sublimes da sua existência, isto é, quando vae jus-
tamente tornar-se mãe, precisa fugir, indo ter o fructo das
suas entranhas longe doesse, em quem os peripateticos que-
rem achar um" marido sentimentalista como os da Europa.
Presa por esse cordão umbilical que a liga á matéria, co-
mo guindar-se ás transcendentes regiões do idealismo?
De maneira alguma.
A final, em boa verdade, o selvagem não fa:^ precisa-
mente idyllioy mas fazem-no por elle muitos dos que o
observam.
Postas estas considerações, continuaremos convictos pela
240 CONCLUSÃO
mesma fórma, que toda a idéa de lhe attribuir uma noção
sobre o Creador, ^f o«;/é um pouco á maneira da nossa, é
illusoria.
O negro não tem similhante noção.
Esses mesmos monos por elles feitos, em que muita gen-
te quer ver um idolo, que modificado e desenvolvido signi-
ficaria a idéa do Supremo, não passam de feitiços, os quaes
não convém confundir, porquanto o idolo adora-se, perso-
nifica, por assim dizer, um principio, e tem (se se pôde
avançar) acção directa que se implora, quando aliás o feitiço
não a possue ou pelo menos deve esta considerar-se pas-
siva.
Muitos auctores porém o sustentam, e entre elles o nosso
illustre compatriota o sr. A. F. Nogueira (na sua bella obra
intitulada A raça negra), diz que os ba-nhaneca e os ban-
cumbi designam com o nome de Huco ou Suco, conforme
os dialectos, um Deus invisível, que vê, ouve e sabe quanto
pensámos e dizemos.
Respeitando a auctorisada opinião de s. ex.*, seja-nos li-
cito obtemperar que ainda continuamos a suppor ser devida
ao contacto civilisador tal idéa, de certa forma demonstra-
da no seguinte período :
«Não lhe prestam culto ou adoração alguma, mas ...»
Se admittirmos, como muito bem diz sir John Lubbock,
que o fetichismo não comporta templos, Ídolos, etc, nem
cultos, segundo nosso humilde parecer, examine-se o pri-
meiro passo dado no caminho da religiosidade e veremos
no totémismo o começo de adoração, que o shamanismo
desenvolve por êxtases e a idolatria completa por um culto.
D^aqui por diante todos os progressos religiosos até ás
formulas superiores têem inherentes essas manifestações.
Como. pois podem os ban-cumbi (tendo da divindade uma
tão transcendente idéa, de resto, ao que parece, absoluta-
mente formulada como a nossa, caso extraordinário que
só os ban-cumbi conseguiram no meio da humanidade exi-
mir-se d trabalhadora tarefa de elaboração e successivo aper-
CONCLUSÃO 241
feicoamento das concepções religiosas), deixar de prestar-
Ihe culto, quando attingiram táo alto grau de perfectibili-
dade sobre a idéa do sobrenatural?
Por um simples motivo: porque similhante idéa lhes não
pertence, porque essa noção foi plagiada e trazida para um
meio pouco preparado, tendo pois valor de todo nullo.
Ouviram fallar de uma cousa que lhes custava a compre-
hender e deram-lhe um nome, perfeitamente como ao mar
— calunga ou lunga, cuja latitude não percebem, assim como
os ma-quioco possuíam lá o seu N*gana N\ambi^, de que
nada sabiam também.
O preto conserva-sè muito distante doesse estado supe-
rior, e difficil será desligar-se das brutaes superstições que
em geral o atormentam e uma circumstancia qualquer ag-
grava, por exemplo a noite, quando a imaginação, mais ac-
cessivel a terrores, lhe amplia as idcas do dia.
Sobre a Greação e preces é inteiramente alheio; o próprio
principio do bem e do mal ainda exige entre muitas tribus
um attento estudo, para conseguirmos definitivamente esta-
belecel-o.
E pouco admire a asserção, porque o seu conhecimento
envolve as noções do justo e do injusto, e portanto da con-
sciência.
E a respeito doesta ultima, nós estamos (não inteira, mas
proximamente) com Burton, que, fallando da Africa orien-
tal, diz:
«A consciência não existe, e o único arrependimento que
o indígena pôde sentir é a pena de lhe haver fugido o en-
sejo de perpetrar um crime. O roubo distingue um homem;
o assassínio sobretudo, se for acompanhado de incidentes
atrozes, faz d^elle um heroe.»
1 Deve notar-se sempre que N^i^ambi ou N*:çamha em lun-bundo
significa elephante, e portanto essa designação tem por fim traduzir
uma idéa de grandeza, de que lhes Tallaram e elles exprimem pelo
termo apropriado áquelle animal, o maior conhecido.
i6
▼oL. n
242 CONCLUSÃO
Este facto está longe de considerar-se na costa de oeste
rigorosamente verdadeiro, nem mesmo queremos avançar
que o africano tenha decidida propensão para o crime, como
notámos na pagina 25 doeste volume; mas commettendo-o
não experimenta o que nós chamamos arrependimento, por-
que ignora, segundo parece, ser iniquo o que fez.-
O sentimento moral acha-se embrvonario entre os indi-
genas.
O exemplo vê-se na facilidade com que tratam por paga-
mento de remir um crime.
Entre quasi todas, as tribus que conhecemos, o assassino,
possuindo bens, pôde livrar-se indemhisando a familia da vi-
ctima com uma determinada quantia; depois fica livre para
proseguir na mesma senda criminosa.
Ainda uma circumstancia comprovativa da inconsciência
do mal feito, é o desembaraço com que elles, mandados,
se prestam a delinquir.
Assim vemos qualquer preto, induzido por um chefe,
praticar um, dois ou três assassinios, por exemplo o muene
cutapa na Lunda, com a maior naturalidade, sem indícios
de remorso.
Affaire de educação.
Presumimos do nosso gabinete que estas linhas irão cair
como uma bomba sobre as convicções de muitos notáveis
pensadores na matéria sujeita.
É triste.
Lamentamos que similhante facto se dê, e respeitando
opiniões alheias, entendemos cumprir um dever, expondo
aqui o resultado da nossa própria observação, o qual de
resto podem muitos reputar falso.
Cumpre advertir sempre por conveniente que as nossag.
considerações versam sobre os povos do interior, longe do
contacto europeu, ou não o conhecendo, como ma-coco, ma-
iácca, ma-hungo, e nunca das tribus litoraes, d'onde se nos
afigura terem os viajantes trazido á Europa algumas noticias
inexactas.
CONCLUSÃO 243
A questão da linguistica aprescnta-se agora vaga, escura,
nem sabemos por que maneira penetrar n^ella.
A ethnologia como a linguistica de Africa constituem es-
tudos, por assim dizer, desconhecidos, e emittir sobre elles
qualquer opinião terá o perigo de começar por um erro.
N'um esboceto, sem o intuito de aterrorisarmos os lei-
tores, mas para lhes ofFerecer a justa medida do receio que
inspira uma incursão em taes dominios, enumeraremos de
relance (obtida a devida licença), algumas das linguas falla-
das no grande continente ao sul do equador.
Principiemos pelo norte do Zaire.
Existem o aschanti, o dahomé, o ioruba, o benga, o ueta,
o onfué, o onglo, o fanti, o insubu, o dualla, o diquelé, o
nupé, o ibo, o efique, o maxi, o evé, o otji, o acra, o baza,
o cru, o crebo, o vei, susu e o mande dos ma-nMinga, o
timné, ctc, etc.
No território do Gabão ha o m^ponguè e o ocandé, bem
como ofiote ao sul, no Luango e Cacongo.
Nas margens do Zaire o lu-congo.
Para o sul o lu-n^bundo ou qui-n'bundo, o lu-herero, o
qui-cobale, o lu-camba, o lun-cumbi, o lu-nhaneca, o lun-
gambué, fallados na margem do Cu-nene, Ovampo, etc; de-
pois, costa de oeste abaixo, o nama e o cora (dialectos hot-
tentotes), a lingua dos bosjeman, que por leste se trans-
forma no osu, no tonga, no zulu, no tebele, no batsoleta,
no sechuana, com os seus dialectos serolong, sesuto e sech-
lapi, os quaes seguidamente cedem o logar ao tequeza e ao
cafre entre a Zululandia e o Zambeze, e emfim ao ma-cua,
e línguas de Tete e Senna.
Ao norte do Nyassa vem o conhecido qui-suahéli, qui-
jâamézi, qui-nica, e os qui-camba, qui-iáo, qui-cuio, e mui-
tas outras.
Por esta assombrosa enumeração, claro está quanto o pro-
blema é grave, e não podemos nós, com um liniitado conhe-
cimento, lançar sobre elle a precisa luz.
Sem embargo, permittam-se-nos duas considerações.
244 CONCLUSÃO
A circumstancia que mais deve facilitar a variabilidade de
uma lingua consiste sem duvida em não ser escripta.
A minima modulagem ou variante no entoado pôde operar
profundas modificações na palavra e favorecer a sua conse-
quente corrupção.
A mudança de hábitos n'uma tribu basta, segundo pen-
samos, para introduzil-as.
O transporte de um paiz plano para a montanha, por
exemplo, incitará os indivíduos que até ali no valle nada
observavam a distancia, e não tinham portanto de gritar,
a prolongarem com o decurso do tempo o som de deter-
minadas syllabas, cantando por assim dizer a phrase, a
fim de se ouvirem de uma a outra serra, sem o trabalho
de a descerem.
A permanência junto de grandes cursos de agua, cata-
ractas, etc, produz resultados idênticos, de forma que uma
lingua abundante em certa região nas terminações esdrú-
xulas, poderá passar n'*outra a tel-as carregadas no final.
N'esse caso estão as linguas da Africa equatorial, e ahi
nos parece se encontra a origem d^essa infinidade de dia-
lectos que as tribus do sul faliam.
Na abalisada opinião de R. Hartmann afigura-se incontes-
tável a existência de um laço intimo entre todas as linguas
africanas.
A coberto do parecer do illustre philologo, ousámos tam-
bém declarar fora de duvida (quanto ás que conhecemos), si-
milhante relação, e que o lu-lundo, lun-n^bundo, lun-cumbi,
lu-nhaneca, tebele e cafre, representam dialectos de uma
mesma lingua mãe, cuja prova breve se mostrará pelo estu-
do dos vocabulários.
Basta o simples exame da numeração, entre os diversos
povos de Africa do sul, para que este rapprochement nos
salteie a mente.
O leitor pôde certificar-se, observando os vocabulários
que adiante lhe apresentamos, se os comparar com os de
Serpa Pinto, Cameron, etc.
CONCLUSÃO 245
N'este ultimo, por exemplo, verá que o dialecto de Rua*,
embora á primeira vista muito diíferente, tem o algarismo 4
expresso pelo termo tuâna, que os ban-cumbi dizem cnána,
os bin-bundo tiána, os ban-bondo biciidna; que o 5 é ali
tutano, os segundos dizem tdno, os terceiros exprimem da
mesma forma, e os quartos traduzem bitdno.
O algarismo 10 possue em todos uma similhança extra-
ordinária; assim, em qui-rua é di'Cumi\ em lun-cumbi ectimi\
em quin-bundo li-cumi^ em lun-bondo cumi^ etc.
Por esta rápida analyse pôde apreciar-se a verdade da
nossa affirmativa, que a comparação dos termos mais evi-
dente tornará.
As línguas africanas são em geral pobres, imperfeitas,
complicadas de variadissimos signaes, que por si comple-
tam phrases, pelo simples motivo de não existirem idcas
correlativas.
Por isso faltam áquelles que as faliam muitos termos ge-
néricos, como para arvores (que clles dizem paus); alem d'is-
so não conhecem o modo de exprimir algumas qualidades.
Um exemplo demos n^este volume, cm que o interprete
não sabendo dizer leaes, traduziu por gordos!
As dicções como as idéas abstractas, braço, animaes, se-
xo, cor, são raras, e generalisam-nas por meio dos infinitos:,
ter, ver, correr, etc.
Sobretudo para os sexos acrescentam ao qualitativo o vo-
cábulo homem ou mulher; assim, gallo e gallinha em quin-
bundo exprimem-se respectivamente por ossanja-olumc e
ossanja-occai^ gallinha homem, gallinha mulher.
D^aqui nasciam as extensas orações que tanto nos incom-
modavam, e a complicada demora em satisfazerem á mais
simples pergunta.
Um facto notável é terem os selvagens pouca ou nenhu-
ma tendência para contradictar.
1 Qwi-Rua denominado, sendo qui o prefixo, que, anteposto ao nome
da terra, se refere á língua fallada ali.
246 CONCLUSÃO
Talvez que entre elles, nos seus ftmdameJtíoSy se contra-
digam, mas comnosco succedia o contrario.
Invariavelmente tinham o swi para tudo, c este defeito
aggravava-se á medida que os apoquentávamos em nossas
investigações.
Era assim que, após uma hora de inquirição, elles, como
aborrecidos, chegavam a desmoronar todo o edifício por nós
architectado, respondendo sim a perguntas oppostas ás pri-
meiras.
Como os interrogatórios nada os interessassem, cansa-
vam-sc, conforme se nos afigurava, se não era o próprio
espirito que lhes repellia um trabalho exagerado.
As idéas de tempo, de distancia, de numero e de quanti-
dade são entre elles confusas, e ás vezes avaliadas por uma
forma que deixa o europeu perplexo.
Exemplo :
— Quanto tempo levaríamos d\iqui ao ponto onde o
Cu-ango entra no Zaire ?
Depois de extenso preambulo, eis a resposta :
— Precisa gastar dois pares de alpercatas !
Nos negócios era absolutamente a mesma confusão. As-
sim, ao comprar certa vez uma cabeça de gado por Õ4 jar-
das de fazenda, realisavamos o pagamento com peças doesta
maneira.
I completa de 18
I encetada de 1 5
I encetada de 16
Mais 5 jardas 5
Somma 54
Elles, porém, não entendendo, exigiam que se rasgasse
tudo em lotes de 9 jardas (meias peças), pela forma se-
guinte :
Completa. ... 9 + 9
Encetada .... 9 + 6 + 3
Encetada .... 9 -(- 7 + 2
27 + 22 + 5 = 54
CONCLUSÃO 247
Como já apontámos nos dialectos por nós conhecidos,
formam-se os singulares e pluraes com prefixos próprios,
que para a raça humana são antepostos ao nome da terra,
mu ou ;;///;/ no singular, ba, bin ou ban, sendo substituido
por qui ou fchi no singular, ma ou man quando se refiram
a qualificativos.
O prefixo fchi pôde empregar-se fazendo o plural em bi,
se se trata de appellativos; assim, vemos dizer:
folha, fchi-sapa — folhas, bi-sapa
branco, íchin-delle — brancos, bin-delle
Na lingua da Lunda formam muitos appellativos, o sin-
gular com mu e o plural com a; exemplo:
mulher, mu-caje — mulheres, a-caje
e ainda no lu-lunda se encontram as respectivas formações
com e e ma; a saber :
amigo, e-camba — amigos, ma-camba
Entre muitos substantivos têem ainda os dialectos lu-
nano outro modo de formar pluraes, como os que seguem :
lobo, libuiigo — lobos, djin-buugo
crocodilo, ligando — crocodilos, djin-gando
porco, ugulo — porcos, djin-gido
abelha, nhique — abelhas, dji-nhique
Emfim, 110 é radical de gente, ba o seu designativo; ///
exprime lingua, /// carne.
O prefixo cj, muitas vezes encontrado, parece usar-sc
no sentido de deprimir ou tornar inferior; é por isso que oi
ban-gala, querendo aviltar-nos, dizem em logar de mucuc
puto, ca-puto; e o Muata-Ianvo, fallando de qualquer tribi
lunda sua avassallada, dirá ca-lunda.
248 CONCLUSÃO
É isto o que approximadamente podemos adiantar nos
limites d'esta obra sobre linguas, cujo estado ainda em
atrazo carece de persistente trabalho, o qual servirá de
guia ao leitor attento para ter ingresso n'esse difficil laby-
rintho.
Eis, n'um rápido aperçu sobre as tribus africanas, a re-
senha da sua distribuição nas terras por nós percorridas,
do modo como se estabeleceram, das suas leis, maneira de
ser em matéria religiosa, e emfim da sua linguagem, a que
juntaremos duas palavras acerca de alimentação.
\ T^óde em absoluto affirmar-se que o principal alimento
ou a base d''elle nas ditas terras constitue-se pelos quatro
artigos seguintes, os quaes variam conforme as regiões: a
mandioca (Manihot aipi), mais conhecida por Jatropha ma-
nihot; a massambala, variedades do Sorghiim; o massango,
scientificamente chamado Penisctum typhoidenm (hoje per-
tencente ao género Penicillar^ia), de que existem duas varie-
dades, o liso e o barbado (sem duvida devidos á cultura); e
o milho (Zea mais), que também ali se ve com profusão.
Todos estes artigos formam o pão, depois de reduzidos
a farinha.
Infelizmente ao indígena falta o moinho, de forma que
precisa valer-se do singelo processo do pilão, único d'elle
sabido para obter aquelle resultado.
Este meio tem quasi sempre por base a infusão mais ou
menos prolongada da raiz ou do tubérculo a pulverisar,
com exposições ao sol.
Claro está, pois, que sobrevindo fermento e com elle as
necessárias variantes, todas as farinhas africanas são pesa-
das, indigestas, desagradáveis no primeiro tempo ao paladar
europeu, e incapazes de levedo para com ellas se obter pão
soffrivcl.
A isto junta o indígena, como conducto, tudo quanto
lhe apparece, carne, peixe, vegetaes, e doestes últimos basta
pequeníssima quantidade para provocar a ingestão de umas
poucas de libras de pão.
CONCLUSÃO 249
A ginguba é também para elles de grande valor e de
que tribus inteiras se alimentam.
Os jinga, os ma-hungo e os ma-iácca comem porções
phenomenaes, sem mesmo a levarem ao fogo, e conforme
a tiram da terra.
Depois seguem-se fructas indígenas e exóticas, que seria
longo enumerar, desde a Vitis heraclifolia até á bananeira,
bem como as variedades de inhames, de tubérculos da hei-
mia, de batatas, de raizes pouco vulgares, que elles devo-
ram sôfregos.
Emfim, um toro de canna saccharina, uma cabaça de
leite azedo ou de hydromel, completam a serie dos géneros
consumidos, --V
A alimentação vegetal está quasi exclusivamente espalha-
da por todo o continente.
Só em casos extraordinários se abate uma rez para con-
sumir, e então ao derredor da victima o indígena, em geral
pueril, entrega-se aos mais estupendos transportes de ale-
gria.
Quantas vezes os observámos em nosso campo, após a
morte de um boi, lançarem-se sobre elle e espatifal-o, no
meio de saltos e gritos, não abandonando sequer o conteú-
do dos intestinos !
Então seguiam-se cousas singulares em volta das panellas
fumegantes, a que geralmente dava remate um batuque des-
ordenado, cheio de scenas divertidas e patheticas.
Supportando longo tempo a fome, o indígena contenta-se
com quatro grãos de Arachis; mas, ao chegar o momento
de satisfazer-se-lhe o appetite, nada o sacia.
Ingere libras successivas de farinha, de maneira que se
lhe desenvolve o abdómen a ponto de, luzidio, parecer pres-
tes a estalar.
Nos velhos sobretudo é este facto mais saliente.
A medida que se lhes forma o vasio no ventre, enruga-se-
Ihes a pelle abdominal, falta de elasticidade, dando-lhes um
aspecto repellente e desagradável.
25o CONCLUSÃO
- O africano em geral (cumpre dizel-o) tem propensão deci-
dida para ébrio.
Seja que na escassez de líquidos fortes resida a causa de
similhante exagero quando se alcançam, ou no abuso d'ellas
encontre o preto distracção para a sua monótona e mísera^
vel vida, não pôde contcstar-se que raro vimos quem, se
lh'a cedessem, não bebesse até cair.
Comquanto as poções que fabricam possam embriagal-
os (claro é precisarem de grandes quantidades), preferem a
aguardente da Europa para tal fim, achando nos eífcitos
uma differença que vamos explicar.
A primeira vista parecerá natural a preferencia do álcool
por mais enérgico e produzir efTeito com menos trabalho;
não o entendem porém assim, e dizem ser alegre a bebe-
deira da aguardente, emquanto que a do hydromel é triste.
Ora, eftcctivamente, em Quioco, tivemos a própria ex-
periência n'uma senzala, não por uma bebedeira redonda,
mas porque indo visitar um soba pela manhã, ainda em
jejum, e sendo obrigados a beber em demasia, na volta
para o quilombo fomos presa dos primeiros fumos da em-
briaguez, um pouco differente da forma como na Europa
se manifestam as primeiras acções do álcool.
Sentiamo-nos mais leves, procurando com confusão as
posições de equilibrio; todavia, no meio de tudo isto so-
brevinha uma angustia, um constante bater nos parietaes,
dores de cabeça, necessidade de vomitar, assimilhando-se
tal estado antes ao envenenamento pelo tabaco do que á
perturbação cerebral produzida pelo álcool.
Doeste modo nada tem de estranha a especial distincção
assente entre elles para as bebidas europêas, as quaes se-
gundo parece lhes facultam sensações diversas das que pro-
porciona o hydromel e outras.*
Emfim, os homens da Africa não comem precisamente
por deleite, mas para viver. Todos os seus alimentos são
semsabores, próprios de um paladar não habituado, e lon-
ge de comparar-se ao que nós sabemos a esse respeito.
CONCLUSÃO 231
Não OS espanta a putrefacção.
Os nossos aromas principalmente affectam-lhes o syste-
ma nervoso com sensações desagradáveis, a julgar pelas ca-
retas que acompanham as experiências.
Um fructo qualquer muito doce, em tendo sabor terebin-
thinoso, será d^elles recebido com preferencia ao de um aro-
ma particular e que nos agrade.
Alguns ali muito apreciados chegam a tornar-se repugnan-
tes, como por exemplo uma variedade de Carica papaya,
cujo cheiro lembra o exhalado pelos residuos fecaes da raça
canina !
Outros são insípidos e inodoros; sem embargo chupam-
os gostosamente, com idêntica satisfação áquella que mani-
festaria qualquer de nós perante uma charlotte russe.
Apresentado o indígena africano sob estes pontos de vis-
ta, miremol-o agora por outro mais geral e philosophico.
O preto: que tem clle feito, para que ha de servir?
A historia d'elle é tão antiga como a do branco.
Por toda a parte onde este precisa luctar com os rigores
de uma temperatura elevada e de um sol dardejante, aqucl-
le lá se encontra ao seu lado, entregue aos mais árduos tra-
balhos, vivendo no meio de misérias e constituindo uma
individualidade que, sendo justamente o producto de cir-
cumstancias muito diversas, se apresenta tão variável como
ellas e de accentuacão difficil.
O seu valor physico e moral depende da direcção im-
primida pelos que o dominam. Formal-o n'uma escala re-
lativa de vicio ou de virtude, modificar as propensões inhe-
rentes á sua natureza pertence aos indivíduos com quem
vive.
Como todavia o intuito foi sempre exploral-o, o negro, á
mercê da vontade do possuinte, só movido por similhante
èm, sem opinião, sem critério, sem família, sem lar, sem
interesses, havia de tornar-se infallivelmente presa de todas
as ignóbeis paixões, de que uma natureza baixa e não coa-
djuvada pôde ser susceptível.
252 CONCLUSÃO
Desde os mais tenros annos comccou-lhc a nascer o ódio
pelos que o escravisavam, a inveja das felicidades alheias, a
fatal e consequente sede de vingança; n^estas circumstancias,
pois^ converteu-se n''uma creatura anómala, sem sentimen-
tos nem qualidades definidas, muito menos coordenadas,
cujo estudo aterra.
Nao é certamente elle o culpado, mas sim quem o do-
mina.
Negociantes, mercadores, quaesquer que fossem, explo-
rando o pobre sem nunca lhes vir á mente rccompensal-o,
desde o primeiro dia que encontraram o negro incapaz de
luctar com elles intellectualmente, votaram-o ao ostracismo,
eximindo-se a consideral-o seu irmão.
Nem duvidamos afiançar perante o mundo, e baseados
nos conhecimentos acerca do modo de ser do negro, que
ao esdavismo, mas sobretudo ao desprezo nutrido pelo ho-
mem civilisado de raça branca, deve o infeliz a sua precária
situação moral.
Campeando sempre entre os dois o fatal ódio de raça,
somos nós os primeiros a deprimil-os e desprezal-os.
Esses mesmos negrophilos que pullulam pela Europa,
se comnosco entrassem no antro descortinariam os dentes
á fera, vendo que portuguezes, inglezes, francezes, hollan-
dezes e individuos de outras nacionalidades, ali, ao contacto
do desgraçado, modificam inteiramente esses preconisados
sentimentos de piedade, dedicação c amor; e que quanto
mais do norte são as raças, tanto mais ferozes se manifes-
tam os seus ódios.
Speke, no seu livro Sources ofthe Nile, diz: aNão julgo o
preto em Africa capaz de se tirar da inferioridade em que
vive.»
Que rasões se podem pois adduzir em favor de tal as-
serção ?
O facto d'essa relativa inferioridade social?
Mas como conseguiria o indígena sair d^ella, perseguido
por toda a parte pelo branco ?
CONCLUSÃO 2 53
Desde tempos immemoriaes o Egypto tem sido o ponto
por onde todas as misérias entram no sertão. O preto, fu-
gindo temorento, foi pouco a pouco cercado, restando-lhe
apenas um recurso: evitar o mundo em via de civilisar-se.
Quem nos diz se as grandes invasões mui falladas no in-
terior, todas procedentes do norte, Djaggas, Bondos, Tem-
bos, seriam a justa consequência d'essa perseguição, e que
immensas tribus, vendo-se batidas por aquelle lado, não
abalaram para o sul ?
Assim escorraçado, deprimido, o negro internou-se em
terras bravias, não lhe sobrando tempo para luctar com a
barbara e hirsuta natureza, em prejuizo de uma organisa-
ção mais completa da sua sociedade.
Assim, o que ha feito elle?
Fugir ao constante acossamento, e trabalhando para isso
já não conseguiu pouco.
Que piedade inspira a miserável situação do preto escra-
visado!
Basta pensar nas devastações, assassínios e scenas de
requintada crueldade a que o trafico dá logar, para facil-
mente nos convencermos ser tal conjunctura sufficiente a
cohibir qualquer tendência de um povo para a vereda do
progresso.
Hoje as cousas vão mudando de forma sensível.
Depois de proscripto officialmente o trafico por todas as
nações civilisadas, o africano acha-se a caminho de uma pro-
funda modificação.
Verdade é que para o centro e no nordeste a escravatu-
ra existe ainda, apontando os viajantes as victimas por mi-
lhares, n''essas malfadadas terras; a origem está porém na
nefasta influencia da raça árabe, verdadeira peste de Africa,
contra a qual nos devíamos na Europa colligar em perma-
nente cruzada.
O estado do negro nas colónias portuguezas (as que me-
lhor conhecemos em Africa, após o grande e generoso acto
da emancipação dos escravos, que alterou muito o modo de
2^4 CONCLUSÃO
ser da vida social), e as condições do traballio, apresentam-
se com certeza outros.
A moral ganhou immenso; a equidade e a justiça, poden-
do actuar desassombradamente, os maus instinctos de per-
versas naturezas são constrangidos, perante o protesto do
affranchi, a reprimir-se pelo receio do castigo.
Ali, onde existia o negro rude, preso ás cadeias da von-
tade do colono ignaro, encontra-se já um homem, em quem
a primeira noção do trabalho livre e o consequente lucro foi
o gérmen das idéas honestas, fazendo antever futuro mais
feliz.
Elle, outr'*ora oscillantc entre o azorrague e a forquilha,
desamparado, vendo nos chefes ou senhores só creaturas
odientas, que o esmagavam e nutriam a infernal sede de
vingança, acha-se hoje liberto pelo menos da acção d'este
baixo sentimento, constituindo assim já um grande passo
na senda da moralidade e do bem.
Não comprehende por emquanto o africanç a fatal e in-
fallivel transformação que n^elle se está passando, nem mes-
mo a comprehendemos nós, pois que de tempos immemo-
riaes subsiste o preto escravisado, sem ensejo de provar
que é susceptível de tornar-se homem livre, chefe de fa-
mília e trabalhador honesto, mas brevemente ver-se-ha sob
um justo e meditado impulso caminhar (mais depressa tal-
vez do que se presume) pelo trilho conducente á perfecti-
bilidade.
Convém entretanto, como diz Cameron, não esquecer que
o nosso estado de adiantamento é o fructo de séculos de tra-
balho, e querer que o africano ahi chegue em duas décadas
importa um absurdo.
A educação do indígena deve operar-se por graduações
successivas; seria grave erro impor-lhes os nossos costumes
de hoje, sem para isso os preparar.
Suppor um preto igual ao branco, ou insinuar-lh'o, é um
crime, como judiciosamente diz Serpa Pinto a pag. 265 do
vol. II da sua obra, nos paragraphos que transcrevemos:
CONCLUSÃO 255
a Os missionários que têem pouco saber e intelligencia co-
meçam por gritar-lhe a cada hora, a cada momento, no púl-
pito sagrado (que só deve ouvir a linguagem da verdade),
que elles são iguaes ao branco, são iguaes ao homem civi-
lisado; quando lhes deveriam dizer o contrario, quando só
lhes deveriam dizer:
«Entre ti e o europeu ha uma differença enorme, e eu
venho ensinar-te a vencel-a.»
«Regenera-te, deixa os hábitos indolentes e trabalha; dei-
xa o crime e pratica a virtude; aprende e deixa a ignorân-
cia, e só então poderás alcançar um logar junto do branco,
poderás ser seu igual.
• •■•■•••••••■•••••••••■•••••••••
«Dizer ao selvagem ignaro, que elle é igual ao homem
civilisado, é mentir, é commetter um crime, é faltar a todos,
etc.»
Obrigar na verdade o preto a conformar-se com os há-
bitos e modo de viver do europeu, forçando-o n'um dia a
similhante conversão, afigura-se-nos seguramente erro.
É porém lamentável que a crescente industria de muitas
nações não permitta a subordinação a este plano, e que tra-
tando de introduzir-se em Africa sob o pretexto de praticar
o bem em favor do indígena, apenas levem em mira o lucro
do individuo e a procura de mercados onde possam diífun-
dir quanto produzem, coagindo o preto, que hontem andava
de pannos e pennas na cabeça, a trazer um chapéu alto e
envergar uma ridicula casaca.
Em matéria de religião todo o cuidado é pouco; interes-
ses especiaes já hoje começam a manifestar-se no religioso
fervor com que as missões invadem a Africa.
Do nosso gabinete antevemos, e ousamos apontar aos
governos, que uma situação embaraçosa para o civilisador
progresso do indígena principia a crear-se no grande conti-
nente.
De toda a parte as nacionalidades da Europa despejam
missões que no interior ensaiam a catechese. Por seu lado
256 CONCLUSÃO
os árabes de Koran em punho intentam a conversão, com
apreciáveis resultados já.
Cada seita, cada culto, apresentando-se como os verda-
deiros, á exclusão dos outros, o pobre preto, oppresso pelos
chefes, impressionado pelas derradeiras recordações do
fetichismo dos pães, convertido pelos missionários, que o
carregam de Bíblias e de Korans, sentindo-se giiiudado de
teque eurabichado ao anderbello (na phrase marítima), não
saberá breve onde o querem conduzir.
Se da livre America os Mormons se lembrarem um dia
de ir a Africa, o cahos eíitão será tal, que teremos um es-
pectáculo similhante ao dado junto aos muros de Babel, se-
gundo a historia diz.
Assim pois afigura-se-nos, para remediar tamanho in-
conveniente, que é necessário o estabelecimento de uma as-
sociação catholica internacional, a fim de, em plano geral
com bases idênticas, administrar pela terra negra o pão es-
piritual ao indígena.
Sabemos que a todos salteará a idéa dos obstáculos a
sobrevir na unidade religiosa, entre nações onde as formu-
las variam.
Esse assumpto, que nem pensamos resolver, será o pri-
meiro cuidado da associação a formar-se.
Um facto de tal ordem, reconhecido por todas as nações
que na Africa se encarregam de tão nobilíssimo fim, teria
d'elles toda a assistência e decidido apoio, contra qualquer
seita em via de tentativa, e principalmente contra os sectá-
rios do propheta de Yatrib.
O primeiro encargo que lhe constituiriam devera ser o
estudo dos dialectos, e a traducção de Biblias e livros de
orações n'esses mesmos dialectos.
»
Começar as conversões por ensinar hoUandez ou allemão
a um indígena, é tão extraordinário, que suppomos esforço
perdido.
Nada contrista tanto um povo como abandonar a lingua
dos avós, e hoje que o árabe tende a generalisar-se, simi-
CONCLUSÃO 257
Ihante meio daria em consequência o surprehender-lhe os
progressos ali.
Depois seguir-se-ía o esboço de um plano genérico de
organisação social, tendo por base a família, o mutuo auxi-
lio, o trabalho remunerado.
Ensinar de seguida o indigena a fazer a charrua, a ex-
trahir o ferro pelo modo mais aproveitável, a combinal-o
com o carbone para produzir o aço, levar-lhe a primeira no-
ção do moinho, revelando-lhe o modo de aproveitar a força
das aguas e as vantagens do amanho da terra, etc, é em
duas palavras o debute serio das missões n^aquellas para-
gens.
O negro, desde o primeiro dia que avistar o missionário
deve ver n''elle, não o ii ganga (feiticeiro) revestido da preta
sotaina (absolutamente dispensável), e de formulas mais ou
menos mysteriosas, mas um guia superior, carinhoso, juiz
recto, de cuja acção só resulte para elle o bem e a felici-
dade.
N'esse dia ha de infallivelmente encontrar um mestre (não
disposto a indicar-lhe com alambicado mysticismo o cami-
nho do céu), mas a pôl-o á altura de satisfazer os manejos
de uma primeira industria.
Educar pois missionários, nos meios práticos e utilistas
das artes applicadas, reduzindo, por uma devida propor-
ção, os apocalyticos e enfadonhos estudos theologicos, é o
immediato.
O commercio então desenvolvcr-se-ha gradualmente, na
medida das necessidades; o trabalho, tornado cm habito,
terá a sua influencia moralisadora; dos sacrifícios n^elle fei-
tos virá o conhecimento do valor e da economia, assim
como a convicção de que com elle se adquire o bem estar,
que breve deseja augmentar-sc.
Depois surgirão esses resultados bem visiveis, com o in-
tuito de possuir, de enriquecer, de deixar aos seus aquillo
que reuniu, de preparar-lhes uma felicidade, cujo preço se
avalia.
VOL. II 17
258 CONCLUSÃO
N'estas circumstancias que pôde um negro vir a ser?
Um homem como qualquer de nós.
Volvamos de novo á Africa, para rematar pelo estabele-
cimento do europeu ali.
O futuro do grande continente, dependendo de muitos gé-
neros de explorações, em que de certo haverá mais retentis-
sement nas mineiras (sirva de exemplo a America, a qual
como nenhuma rapidamente chamou a colonisaçao), ha de
ter sem duvida como objectivo constante a agricultura.
As ricas e variadas producções indigenas do reino vegetal,
a facilidade em aclimar as exóticas, convidarão com certe-
za o colonisador a apropriar-se d^ellas, e ligando-se á terra
exigir doesta os inextinguíveis thesouros.
É com effeito para maravilhar a accumulação e variedade
de artigos, principalmente vegetaes, d'aquelles férteis ter-
renos.
Cansa-se a imaginação de admirar os bosques de arvores
gigantes, e os múltiplos arbustos e plantas desconhecidas.
Enumerar detidamente as riquezas de tão espantoso solo
occuparia muitas folhas.
Se deixarmos por agora o negocio do marfim, que de cer-
ta forma tende a decair, comquanto seja dos mais ricos, e
que para a colónia portugueza é em especial explorado pe-
los caminhos sobre que fica Cassanje para a Lunda, o Bié
para a Catanga e Lua, e ao longo do Cu-bango para o Bu-
cusso, veremos na nossa ligeira narrativa quanto interesse
deve merecer a exploração methodica dos largos sertões do
negro continente.
A partir do litoral, no reino vegetal, temos a canna sac-
charina^ que nasce nos valles dos grandes rios, como Cu-
anza, Cu-vo, Lu-oje, etc, e ainda em pontos mais elevados,
onde a agua seja abundante, por exemplo Dombe, etc.
Produz já hoje a aguardente em quantidade para supprir
parte das necessidades do preto, e poderia, com largo des-
envolvimento, dar o assucar para os mercados da Europa.
A broca, e ultimamente um outro verme não menos peri-
CONCLUSÃO 259
goso, têem atacado as plantações, destruindo grande parte
da canna.
Um estudo attento, porém, traria como consequência a
descoberta de qualquer processo, tendente a impedir a ac-
ção destruidora de taes animalculos.
Ao lado temos as palmeiras notáveis como a Elaís gui^
neftsis, cuja polpa do fructo dá, em prolongada lexivia, um
azeite espesso e vermelho, de gosto supportavel antes de
rançar, denominado de palma, e cujo caroço submettido á
acção do fogo produz o óleo empyreumatico, de coconote,
já hoje recebido em toda a Europa.
E vemos mais:
As hfphcjene e os borassus, com folhas que se empregam
no fabrico de chapéus e outros artigos.
. As adansonias, cujas fibras do entrecasco constituem o
licomte, hoje explorado em grande escala para a confecção
de fazendas e papeis.
O palma christi, aproveitável para fins medicinaes.
O aloés, espargido com profusão.
O tabaco, crescendo em toda a parte, e sendo de notá-
vel aroma o de Ambaca.
O cânhamo, não menos frequente.
O algodão, abundante e de qualidades diversas pela com-
pleta extensão da província.
O café, já hoje apreciado nos nossos mercados, vingando
em toda a região montanhosa, sendo o de Cazengo o me-
lhor exemplar.
A ginguba, produzindo muito azeite, parece inexgotavel
no plan'alto de Ambaca e terras de leste.
As pimentas, encontrados em toda a parte.
O arroi, que no Bié observámos, e para que deverão
destinar-se grandes tractos das terras altas.
O milho, muito fértil, quer em Quillengues, Caconda 014
Duque de Bragança.
O sorgho, espalhado no interior, constituindo no geral a
alimentação do indígena.
--- ■■ : . ^^HlH^ii^iHHg
260 CONCLUSÃO
O massango, de que os ganguellas e ma-quioco se nu-
trem invariavelmente.
O bálsamo elemi, n'uma quantidade assombrosa.
A gomtna copal, cujas arvores se acham na costa e no
interior e de que existem jazigos notáveis.
A borracha, que umas colossaes trepadeiras produzem
e o indígena derriba para extrahir-lhe a seiva.
O sangue de drago, cuja exploração já se tentou.
A tacula, em permanente apanha na Jinga, e muitas ou-
tras que seria extenso enumerar.
Do reino animal nota-se:
O marjim, a que n'outro logar alludimos, representado
pelo dente do elephante ou cavallo-marinho, e em constante
busca em todo o continente.
O unicórnio, de que o rhinoceronte é o productor.
A cera, da qual os ganguellas são os maiores possuidores.
A seda, tanto da aranha como dos casulos n'esta obra des-
criptos.
As pennas de marabu e abestruz, que em muitos merca-
dos apparecem.
As pelles de boi, ou de animaes silvestres, como leopar-
do, panthera, leão, etc, e um numero de outros ainda de
pouca procura.
Emfim, os minérios (que os leitores já conhecem), entre os
quaes figura o ferro sob a forma especular ou na de hematite.
O enxofre, nos gessos.
O cobre, em toda as terras das montanhas e no interior,
apparecendo fundido com o feitio de uma cruz.
O carvão^ de que existem indicações.
O (Turo, no Lombije e outros pontos.
A pratay na Jinga (Dallango), Cambambe, etc.
O sal gemma, em extracção em muitas terras.
Esta simples resenha basta para dar a idéa da riqueza
de vasto continente de que temos tratado, o qual deve es-
perar dos nossos esforços um futuro de prosperidade, em
nada cedendo á fértil America.
CONCLUSÃO 26 1
A colonisação, porém, é o problema mais grave e de sé-
rio estudo.
A vida do europeu na Africa tropical, se não impossível
por agora, é pelo menos cheia de perigos e difficuldades ;
portanto modificar as circumstancias em que ella ahi se acha,
dispor centros populosos, constituir os meios necessários
para a existência, sanear n'uma palavra o sertão africano,
eis o que primeiro deve ter-se em vista.
Os meios immediatos que se apresentam são dois: ligar
por estradas, convenientemente dispostas, os pontos inte-
riores com o litoral, por ser aquelle o mais salubre; e diri-
gir as aguas dos grandes rios, por forma que seccando o
pântano e subtrahindo a agua ás terras baixas, se modifi-
que com essa falta a força vegetativa, origem de toda a in-
salubridade, em proveito das regiões elevadas, cuja vegeta-
ção n'esse caso se desenvolverá.
As numerosas cataractas dos rios de Africa, se por um
lado constituem obstáculo á navegação em muitas partes,
por outro facilitam a distribuição das aguas.
Conduzir estas das nascentes dos rios, por systema com-
binado de irrigações aos sitios eminentes e salubres, apro-
veitando-as como elemento de vida para o reino vegetal e
como poderosa força motora em milhares de industrias; es-
gotal-as sem custo, não consentindo estagnações; em sum-
ma, dominar e dirigir as aguas do continente, é o que pri-
meiro convém fazer, para o aproveitamento d'aquellas fe-
racissimas terras nos locaes mais elevados.
Dir-nos-hão que esse vasto problema só pôde resolver-
se no decurso de milhares de annos, e que o melhor é con-
tentarmo-nos com o que está.
As nossas singelas considerações não miram a resolução
immediata.
Representam comtudo indicações proveitosas desde já,
não só no facto da direcção a dar os trabalhos, como tam-
bém na disposição das estradas e linha de conducta para
estabelecimento successivo de colónias.
^«^
262 CONCLUSÃO
Nas eminências é que se vive melhor em Africa.
Aonde o europeu poder estar collocado a 1:000 metros
não deve restringir-se a 100.
Tem-se por incontestável serem as altas regiões relativa-
mente desnudadas; mas havendo lá os grandes rios como
acabámos de citar, para beneficial-as, todo o receio de es-
forços e capital arriscado sem proveito desapparecerá.
A Africa, pela sua estructura orographica especial, pelas
suas circumstancias climatéricas, etc, tem que proceder
muito ao inverso dos grandes continentes do hemispherio
norte.
As suas grandes cidades, os seus vastos mercados, os
seus empórios commerciaes, hão de infallivelmente estabe-
lecei*-se no interior, e tanto mais quanto mais próximos da
região equatorial.
Nas planuras do Quioco, nas montanhas de Quillengues,
no plateau da Huilla, notável pela sua salubridade, é que
veremos estabelecer-se successivamente as colónias recem-
chegadas, se quizerem viver e progredir sob a influencia do
clima do grande continente.
Na costa existirá sempre o Comptoir triste, isolado no
meio das terras áridas, sob a direcção de qualquer natural,
ou de um europeu adoentado, simples Ipgar de permuta-
ção e de deposito de géneros para embarque.
Das escalvadas barreiras pouco poderá o activo traba-
lhador colher, embora atrevido e tenaz.
Residindo ahi, preso das febres, abatido e fraco, dará á
terra os magros despojos, antes que possa conseguir resul-
tados.
Para o plan'alto é pois o caminho.
Ahi sopram os ventos frescos, respira-se desasombrada-
mente, vive-se n'um meio em que a estabilidade das tem-
peraturas médias espanta.
As tabeliãs que seguem, resultado de uma serie de ob-
servações feitas com o thermometro á profui:ididade de o, 5
durante alguns mezes, corroborarão a nossa affírmativa.
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CONCLUSÃO 267
Os grandes e rápidos meios de communicação tornam-se
portanto inevitáveis.
Ninguém precisará mais da linha férrea do que o colono
africano, porque ninguém como elle terá mais horror á
passagem marítima.
Da região litoral, repetimos, ha de fugir, e, se ahi tentar
viver, succumbirá fatalmente, condcmnando por esse facto
o grande continente á immobilidade em que hoje o vemos.
A emigração, pois, das nações civilisadas da Europa só
pôde ser chamada a colonisar a Africa quando esta lhe of-
ferecer a principal das garantias : o meio de transporte para
os logares salubres.
Toda a tentativa n'*este sentido acreditará a sobredita
colonisacão.
Conduzir o colono para a terra baixa, obrigal-o a viver
trabalhando nos valles, aonde enormes rios serpenteiam e
vastos pântanos são permanentes, comporta seguramente
matal-o.
Ganhar pois o interior o mais rapidamente possível ; esta-
belecer o europeu com a maior somma de commodidades;
destruir, por uma administração bem dirigida, a relativa re-
pugnância do preto ao trabalho, fazendo este obrigatório, c
remunerando-o; crear vastos centros de população, entre-
ligados pelas navegações regulares dos extensos cursos de
agua do interior, ou por estradas bem dispostas; evitar a
influencia fatal do pântano afogando-o, isto é, dirigindo sobre
este os cursos de agua próximos: eis o modo de resolver o
grande problema, que hoje tanto interessa a Europa.
Aproveitemos os rios viáveis para o interior; e dos pon-
tos extremos da navegação, por linhas férreas, liguemos o
sertão com a costa debaixo do duplo ponto de vista de eco-
nomia e de rapidez.
A linha férrea, esse preciosíssimo recurso da civilisação
moderna, poderoso instrumento de todo o progresso, rija
alavanca movida pelo braço potente do vapor, compete
a maior parte na gigantesca obra.
268 CONCLUSÃO
A locomotiva, sibilando atravez das vastas florestas afri-
canas, operará sem duvida os seus mágicos prodígios.
Transpondo distancias com a velocidade que lhe é conhe-
cida, levará incessantemente os recursos, a vida, o trabalho,
ahi onde existe apenas a natureza brava ; transformando os
sertões adustos em sitios habitáveis, os pântanos em par-
ques e jardins, n'uma palavra, coUocará a Africa á altura
do resto dos continentes, remindo a humanidade de uma
das maiores vergonhas, qual é a de ter parte dos seus mem-
bros ainda em perfeito estado de selvageria.
Ficarfi expostos os factos, depois d^isto resta-nos apenas
dizer com o fabulista:
Nisi utile est quod facimus, stulta est gloria.
TABELLA
DAS
DETERMINAÇÕES GEOGRAPHICAS
FEITAS DURjVNTE A
EXPEDIÇÃO DE 1877-1880
ALTITUDES ACIMA DO NÍVEL DO MAR
DAS POSIÇÕES MAIS IMPORTANTES
CALCULADAS NO OBSERVATÓRIO DO INFANTE D. LUIZ
As medidas sáo indicadas em metros. O ponto de ebullição
e a temperatura sâo expressos em graus do thermometro centígrado.
Localidades
Quillengues
Caconda
T'chimbuioca
Biè
Mongôa
Cha-N'ganji
N'Dumba Mughandc. . . .
Catuchi
T'chíquilla
Cassanje
Quesso
Duque de Bragança . . . .
N'gunaVunda
Rio Cugho
Pungo N'Dongo
Nhangue
Dondo
Mossamedes
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96,54
96,51
96.55
96,525
96,27
96,30
96,28
96,35
96,300
93,81
95,86
95,82
95,88
95,842
96,17
96,23
96,20
96,26
96,215
96,25
96,31
96,28
96,35
96,297
96,89
96,9»
96,89
—
96,896
96,90
96,95
96,92
96,97
96,935
97,00
97,o3
97,00
97,07
97,100
96,57
—
96,55
96,64
96,586
96,55
96,60
96,54
96,65
96,585
96,55
96,60
96,55
96,62
96,580
98,31
98,35
98,12
98,65
98,375
98,39
98,53
98,39
98,42
98,430
96,70
96,71
96,74
96,80
96,74
97,75
97,77
97,80
97,85
97,79
99,69
99,70
99,72
99,72
99,707
99.95
99,97
99,97
99,97
99,965
2
2
u
V
O.
B
H
25,0
25,0
24,5
24,0
18,0
20,5
24,0
16,0
26,0
27,5
27,2
29,0
29,0
26,0
24,0
23,0
25,0
25,0
23,0
28,0
3i,o
26,0
22,0
24,5
27,0
•o
869,1
1642,5
1697,3
1572,7
1112,3
1188,7
1340,1
1226,2
1180,3
945,3
1040,6
1060,1
499,0
497,5
1020,5
691,1
93,7
gm
CORRECÇÕES NO OBSERVATÓRIO DO INFANTE D. LUIZ
Antes da partida. .
Depois da chegada.
N.» 108
4-0,34
+ 0,35
Hypsoraetros
N.® 109
4-0,34
4-0,31
N.«iio
4-o,3i
4-0,27
N.»112
4-0,34
4-0,32
NOTA EXPLICATIVA
DOS
METHODOS EMPREGADOS NAS OBSERVAÇÕES METEOROLÓGICAS
E MAGNÉTICAS
O instrumento padrão para as observações barometricas foi sempre
o hypsometro (pela média de 5).
Compararam-se estes no observatório do Infante D. Luiz, antes da
partida e depois da chegada ; attendeu-se ás differenças de gravidade,
devidas á latitude e altitude do observatório.
Durante a exploração fizeram-se muitas observações hypsometricas,
e, depois de corrigir as pressões absolutas das alludidas differenças,
os estudos comparativos com as dadas pelos aneróides, a fim de as re-
ctificar diariamente. Por consequência, a pressão pelo aneróide deve
considerar-se como se fosse por barómetros de mercúrio e reduzida a
zero de temperatura.
Observou-se também com o barómetro Mackneill até ao fim do
mez de março de 1878, epocha em que se inutilisou.
Os trabalhos de meteorologia eífectuaram-se até março de 1878, so-
mente ás 7''.35' do meridiano de Washington, seguindo o plano do ge-
neral Albert Myer, observações simultâneas que correspondiam á i**
para as 2^ (p. m.) conforme a longitude. Desde abril do mesmo anno,
aquelles eram feitos três vezes por dia — 6** da manhã, á i^ para as 2^
e 8** (p. m.), obtendo-se durante a exploração o seguinte :
Hypsometros (média de 4 a 6 instrumentos) * ... 32
Barómetro Mackneill loi
Aneróide 1485
Temperatura do ar 1487
Psychrometro G56
Thermometro de máxima 482
Thermometro de minima 483
Thermometro de profijndidade 210
. Direcção e força do vento (0-5) 1487
Estado do céu e nuvens 1487
Desde maio até setembro o vento sopra geralmente dos rumos de
sueste e sul, com o céu sereno e bom tempo: chama-se então o de
cacimbo. Na outra parte do anno, de setembro a março ou abril, o
vento é do quadrante norueste, com fortes trovoadas e aguaceiros : de-
nomina-se epocha das chuvas.
Perderam-se algumas observações no fogo do acampamento no Duque de Bragança.
284 NOTA EXPLICATIVA
Na quadra do bom tempo, pela noite e manhã, ha quasi sempre ne-
voeiros intensos. Os ventos de rumos oppostos, n'estas duas epochas,
combinam com a situação das regiões aquecidas pelo sol. Quando este
declina norte, a corrente do ar deve vir do sueste e sul para a região
quente ao norte do equador. A outra, procedendo do sul e sueste, é o
alisado do oceano Indico, que, depois de atravessar a Africa meridio-
nal, se torna secco. Se o sol tem a declinação sul, o fluxo do ar do mar
a oeste para as regiões de sueste produz uma monção norueste de vento
húmido, que, passando pelas montanhas e o plateau elevado de i :00o a
2:000 metros, dá aguas abundantes e trovoadas. As temperaturas má-
ximas são maiores durante o tempo do cacimbo que no das chuvas; as
minimas, pelo contrario, muito mais fracas.
Ha pois grandes variações diurnas e muitas vezes enormes na esta-
ção do bom tempo, em consequência da serenidade do céu no plateau
de Africa.
As temperaturas máximas não excederam em geral a 3i«, sendo a
superior de 33%5. Das minimas a mais fraca foi de i® e i centígrado
nos dias 7 e 8 de julho de 1878. Todavia, com uma tão baixa tempe-
ratura não houve geada (gélée blanche). A humidade observou-se so-
mente durante as horas de calma (i*» para as 2** p. m.).
É precisamente na estação do bom tempo (cacimbo) que as difíeren-
ças dos thermometros secco e molhado se apresentam maiores; nas
horas mais quentes do dia o grau de humidade é pequeno, podendo
mesmo dizer-se que ha grande secca, porém baixando muito a tempe-
ratura de noite, o ar vem muitas vezes á saturação, apesar da pouca
quantidade de vapor.
Os nevoeiros são a consequência de taes resfriamentos nocturnos.
Assim, de manhã o tempo é frio e muito húmido, depois do meio dia
a temperatura torna-se bastante elevada e o ar sequíssimo. As alter-
nativas de humidade e secca e as grandes variações diurnas do calor en-
volvem perigo para a saúde dos europeus. As chuvas, que de ordiná-
rio se limitam a fortes aguaceiros durante as trovoadas e acompanham
estas com regularidade (vide a planche), não foram por nós registadas,
á falta de udometro, marcando apenas a sua duração. De abril a* julho
de 1878 não se notou uma só hora de chuva, nem trovoadas ou relâm-
pagos.
Quanto ao céu, na estação do bom tempo, é em geral límpido, e
no decurso do mez de junho nunca se observou uma nuvem entre a
i^ e 2^ (p. m.).
Com relação ás observações magnéticas, determinadas em trinta
e quatro estações, acrescentaremos duas palavras.
A componente horisontal obteve-se pelo conhecido methodo das os-
cillações.
NOTA EXPLICATIVA 2 85
O apparelho constava de uma caixa cylindrica de madeira de buxo,
tendo na base interior circulo de marfim graduado e thermometro cur-
vo em forma circular. Eleva-se do centro d'esta um tubo de vidro,
montada na parte superior por uma roldana aonde se enrola fio de seda,
para a suspensão da barra magnética. A barra é cylindrica, de o^jOjS
de comprimento e o",oo4 de diâmetro, terminando por dois cones. Um
estribo de latão, com pequeno gancho, serve para a suspender no fio.
O coefíiciente de temperatura d*aquella determinou-se no observa-
tório do Infante D. Luiz, em junho de 1877, achando-se q = — 0,001
entre as temperaturas de 10» a 3o^ centígrados.
Obteve-se também, por grande numero de series de ^o = 3",833;
isto é, a duração média de uma oscillaçâo á temperatura de iS*», e em
Luba foi de 3',833 sendo 4,93o (unidade ingleza) o valor da compo-
nente horisontal. As formulas empregadas foram
í:=Y ['-q (t->5»)]
X=4,93 ^
Em março de 1880, regresso a Lisboa, de novo se determinou o
tempo de uma oscillaçâo, e achou-se ^o = 3",9i3, sendo 4,965 o valor
da componente horisontal.
A perda, pois, do magnetismo da barra, durante dois annos e nove
mezes, á mesma temperatura de 25", foi de o", 0447, o que corresponde
a 0,001 35 por mez, suppondo-a proporcional ao tempo decorrido.
Esta correcção da perda de magnetismo fez-se a cada dado de per si.
A amplitude das oscillaçóes no principio manteve-se entre 25' a
3o», e para a medida do tempo empregou-se um bom chronometro,
cuja marcha foi sempre inferior a 7*.
Os resultados da componente horisontal obtiveram-se segundo os
methodos dos menores quadrados, e são os seguintes :
As linhas de igual componente seguem proximamente os parallelos
de latitude; o angulo formado com os meridianos é de 89», 7' noroeste.
O valor de 5,9 (unidade ingleza) está por 6", 4' sul, e o de 5,o por
140 20' sul, correspondendo assim uma diminuição de 0,1 por 49^,5 em
latitude.
Para inclinação usou-se o inclinometro construído por John Do-
ver. O apparelho é de madeira de buxo, o circulo vertical de marfim
e os pés e os parafusos de ebonite, O circulo azimuthal tem o",o85 de
diâmetro e é quadrado em graus; o vertical acha-se graduado em
meios graus e possue o diâmetro de o"',o65. A agulha mede de com-
primento o",o64, sendo o seu eixo assente em duas falcas de agatha,
e esta parte do instrumento é protegida por uma caixa circular com
286 NOTA EXPLICATIVA
dois vidros parallelos para se fazerem as leituras; notou-se porém n'um
dos eixos uma pequena falha, a qual tornava difficil a observação.
O instrumento tinha pouca estabilidade, por causa da leveza da ma-
téria de que a construíram, sendo os movimentos duros; e como os es-
tudos se realisavam em abrigos defeituosos, para obter uma média de
confiança era preciso fazerem-se muitas leituras nas diíferentes posi-
ções da agulha, a qual se magnetisava em sentido opposto a cada in-
versão, mediante um forte magnete.
Em consequência da difficuldade das leituras dos extremos da agu-
lha, achou-se, por um certo numero de observações feitas em Lisboa,
que o erro provável seria de + 12', devendo talvez apresentar-se maior
no campo e sobretudo no ponto explorado, em que a declinação é de
3o® a 40''. Desprezaram-se algumas por estarem influenciadas pelas
acções magnéticas locaes: como minas de ferro e até ferro magneti-
sado.
Os seguintes resultados deduziram-se dos elementos pelo methodo
dos menores quadrados.
A inclinação augmenta 1° 24' por cada grau de latitude; as linhas
isoclinicas são obliquas aos parallelos por um angulo de 17*» 19' su-
doeste. No intervallo de 7* de latitude nota-se 10° de differença de in-
clinação.
As declinações não foram observadas por um instrumento especial
ou declinometro; empregámos o bem conhecido alto-azimuth de mr.
> d'Abbadie, o mesmo que este explorador usou na campanha scientifi-
ca da Abyssinia.
Obtivemol-as pela comparação dos azimuths do sol, calculados pe-
las alturas d'este, sendo todas submettidas ao methodo referido, pro-
duzindo o seguinte :
As linhas isogonas fazem com. os meridianos ângulos de 34° 56' no-
roeste. A declinação noroeste decresce para este i° por 109' sobre os
parallelos e augmenta i» para o sul por i52' sobre os meridianos.
A força total, cujas linhas isodynamicas estão traçadas na carta, foi
deduzida da combinação dos valores da componente horisontal e da
inclinação.
À terra explorada, comprehendida entre os parallelos de 6" e i5»
sul e os meridianos de i3® e 20* este de Greenwich, é muito interes-
sante relativamente ao magnetismo terrestre. Esta região faz parte de
uma zona em que a intensidade consiste na minima do globo.
As primeiras observações da força total em Africa, dignas de con-
fiança, foram publicadas pelo general Sabine em 1837, em cartas que
mostram uma zona de forma triangular, com a maior dimensão dispos-
ta éste-oeste, entre os parallelos 10» e 3o° sul e os meridianos 23» e 43"
oeste de Greenwich, sendo a dita força inferior a 6" i' (unidade ingleza).
NOTA EXPLICATIVA
287
Em 1840 a carta magnética de Gauss e Weber apresenta uma su-
perfície oblonga disposta do mesmo modo, um pouco deslocada para
oeste, em que a força é inferior a 6,8, com uma minima (6,1) perto da
ilha de Santa Helena. Este ultimo valor foi confírmado pelos trabalhos
mais exactos do observatório magnético de Santa Helena (1840-1842).
A convexidade para este das nossas curvas isodynamicas, e os va-
lores de 6,7 a 6,8 na costa e augmentando para este, indicam uma dis-
posição similhante d'esta região de minima, ainda que se tenha des-
locado mais para oeste.
A intensidade magnética augmenta 0,1 (unidade ingleza) para este
por 2« 10' em longitude no iS» sul; mas mais para o norte, por 8° sul,
cresce vagarosamente, 0,1 por 2* 40'.
INSTRUMENTOS EMPREGADOS
Aneróides de Cazelle 2182 c 2 183
Barómetro Macneill
Correcções
Antes da partida
Junho, 1877
Depois da chegada
Março, 1880
-1- 0,28 c.
4- 0,34
4-0,34
4- 0,3 1
-h 0,34
— 0,27 c.
— 0,32
— 0,26
— 0,2
— 0,2
-0,1
— 0,6
4-0,3
4-0,4
0,0
+ 0,5
4-0,2
4-0,1
0,0
(1)
4- 0,35
4o,3i
4-0,27
4-0,32
— 0,27
— o,3o
(I)
(I)
(I)
(0
(2)
{»)
H)'psometros de Baudin n." 107
Hypsometros de Baudin n.® 108
Hypsometros de Baudin n.' 109
Hypsometros de Baudin n.° 1 10
Hypsometros de Baudin n." 112
Geísseler 55
Geisseler 56
Geisseler 57 ,
Psychronometro Geisseler)
(molhado ....
Thermometros n.* 2;
Thermometro de Funda
T.. j ,- j Baudin n.« 2 C624
Thcrmoractro de Funda .
Baudin n.* 2 6625
_. I Baudin n.® 2 6622
1 nermometro máximo . . j
( Baudin n.® 2 6623
^ . . l Baudin n." 2 6620
Thermometro mmimo . .j
(Baudmn." 2 6621
Thermometro mínimo Secrctan
(i) Partiu-se durante a viagem.— (2) Partiu-sc no fogo.
ABREVIATURAS
DAS
OBSERVAÇÕES METEOROLÓGICAS
a.
antes do meio dia
ag.'
aguaceiros
app.
appârcncias
b. t.
bom tempo
C.
cúmulos
C. (na casa
do vento) calma
c.
claros no céu
cac.
cacimba
chuv.
chuvoso
Ci.
cirrus
cor.
correndo
duv.
duvidoso
Ed.
eclipse
for.
forte
fr.
fresco
firo.
grossas
int.
intenso
irr.
regular
Icv.
levantaramse
m. b. t.
muito bom tempo
n.
noite
ne.
névoa
;==!
ncvoa intensa
Ni.
nimbos
nu.
nuvens
P.
depois do meio dia
raj.
rajadas
rcf.
refrescou
rcg.
irrregular
som.
sombra, sombrio
St.
stratos
T.
tempo
th.
thermomctro
told.
toldado
trov.
trovoada
V.
vento
K
trovões
<
relâmpagos
e
aguaceiros
^^
arco iris
_uu
vento forte
10
atmosphera nublada
atmosphera limpa
OBSERVAÇÕES METEOROLÓGICAS
FEITAS PELA
EXPEDIÇÃO AO INTERIOR DE AFRICA
NOS ANNOS DE 1877-1880
SOB A DIRECÇÃO DE
4
H. GAPELLO E R. IVENS
VOL. I 19
=00
OBSERV.
ÇÚI-S
ADVERT
Nas trcs primcirus coluninns Ja diroita di- cada nmppa, sob a epipraphc A'<
se os signacs adoptad'íS uhimíinn;nii,- pelos metL-oroloiiiitas. Quando ahi nS
Fará dctcTniinar a prcisão aimoíphcrii:Li servinio-nos, ate iio IÍni de marçi
ttr-si: fracturado o tubo do dito baromelro. KiifS instrumenlos comparara
As obsL-n-afõi:S foram conisidas no observatório metcorolopiío do Infani
As temperaturas máximas e mínimas ins^riptas nVstts mappas nolam-s
viagfm litisdc esse mesmo tempo utf ús s^is da miuihã immtdiuia, em que se li
meridinrtO de referencia é o de Greenwich. As ahitiides esiáo expressa!
As observaçóts das seis horas da manhã, quando em viagem, corrcspoiub
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878
METEOROLÓGICAS
297
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METEOROLÓGICAS
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METEOROLÓGICAS
323
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3
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879
METEOROLÓGICAS
337
Quantidade e qualidade de nuvens
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Notas
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©8-90.
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8''p.
VOL. 11
23
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OBSERVAÇÕES
MAGNÉTICAS
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DETERMINAÇÃO DA COMPONENTE HORISONTAL X P
BENGUELLA
DOMBE
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Dia 18 de novembro de 1877
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QUILLENGUES
6 de novembro de 1877
Dia 22 de dezembro de 1877
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OBSERVAÇÕES
► MAGNÉTICAS
33(j
DETERMINAÇÃO DA COMPONENTE HORISONTAL X
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BENGUELLA
Dia 27 de outubro de 1877
Dia 18 de
DOMBE
novembro de 1877
Lat. S. I2».34'.i7'/. Lon. E. Gr. i3*».25/.i5'/
Lat. S. I20.55/.I2//. Lon. E. Gr. i3».07/.45//
Alt. 6 metros. Tcmp. 2S'',o
Alt. 98 metros. Temp. 29^,0
Tempo
Numero
Duração
Tempo
Numero
Direcção
pelo
de
de
p.lo
dj
de
chronometro
osciilações
uma osciliaçâo
clironomctro
oscillaçóes
uma osciliaçâo
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m s
h m s
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1.33.28,0
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1.35.49,5
3,90
1.34.05,5
10
3,90
1.36.28,5
10
3,80
1.34.44,5
20
3,70
1.37.06,5
20
3,75
1.35.21,5
3o
3,Ho
1.37.41,0
3o
3,85
1.35.59,5
40
3,85
1.38.22,5
40
3,70
1.36.38,0
5o
3,80
1.38.59,5
5o
3,80
1.37.16,0
60
3,80
1.39.37,5
60
3,85
1.37.54,0
70
3,75
1.40.16,0
70
3,70
1.38.3 1,5
80
3,70
1.40.53,0
So
3,75
1.39.08,5
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3,75
1.41.30,5
90
3,70
1.39.46,0
100
Media . . 3,78c;
1.42.07,2
100
Mtdia . . 3,780
X = 5,ii3
X = 5,i24
BI
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) de 1877
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Dia 22 de
ILLENGl
JES
Dia 6 de
novembrc
dezembr
de 1877
Lat. S. I2°.34'.i7". Lon. E. Gr. ^3".25^I5/
Lat. S. i4«.o3'. Lon. E. Gr. i4«.oo'.o5//
Alt. 6 metros. Temp. 28**,o
Alt. 869 metros. Temp. 28^5
Tempo
Numero
Duração
Tempo
Numero
Duração
peio
de
de
polo
de
de
chronometro
oscillaçóes
uma osciliaçâo
chronometix)
oscillaçóes'
uma osciliaçâo
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m a
h on s
m a
0.48.33,5
3,75
2.44.38,0
3,75
0.49.11,0
10
3,80
2.45.15,5
10
3,65
0.49. 19,0
20
3,80
2.45.52,0
20
3,70
0.50.27,0
3o
3,73
2.46.29,0
3o
3,60
0.5 1.04,5
40
3,85
2.47.05,0
40
3,70
0.51.43,0
5o
3,80
2.47.48,0
5o
3,70
0.52.21,0
60
3,65
2.48.19,0
60
3,60
0.52.57,5
70
3,85
2.48.55,0
70
3,70
0.53.36,0
80
S80
2.49.32,0
80
3,65
0.54.14,0
90
3,73
2.5o.o8,5
90
3,65
0.54.51,5
100
Media . . 3,780
2.50.45,0
100
Media . . 3,670
X=5,ii3
X= 5,440
340
OBSERVAÇÕES MAGNÉTICAS
DETERMINAÇÃO DA COMPONENTE HORISONTAL X
QUILLENGUES
Dia 23 de dezembro de 1877
Lat. S. i4*>.oo'.o3". Lon, E. Gr. i40.oo/.o5/^
Alt. 86g metros. Tcmp. 28^5
Tempo
Numero
Duração
pelo
de
de
chronomctro
osci Ilações
uma oscillaçãc
h m 1
m 1
3.34.48-5
3,70
3.35.25.5
10
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3.36.02,5
20
3,65
3.36.39,0
3o
3,75
3.37.16,5
40
3,60
. 3.37.52,5
5o
3,70
3.38.29,5
60
3,55
3.39.05,0
70
3,65
3.39.41,5
80
3,65
3.40.18,0
90
3,60
3.40.54,0
100
.Media .. 3,655
X = 5,486
CACONDA
Dia 17 de janeiro de 1878
Lat. S. i3°.44'.53//. Lon. E. Gr. i5».02'.35''
Alt. 1642 metros. Tcmp. 25*,o
Tempo
pelo
chronomctro
Numero
de
oscillações
Duração
de
uma oscillaçác
h m 1
m s
3.00.10.0
I
3.5o
3.00.45,0
10
?,7o
3.01.22,0
20
3,70
3.01.59,0
3o
3,5o
3.02.34,0
40
3,60
3.o3.io,o
5o
3,5o
3.03.45,0
60
3,70
3.0,1.22,0
70
3,5o
3.04.57,0
80
3,60
3.05.33,0
90
3,5o
3.06.08,0
100
Media . . 3,58c
X = 5,704
CACONDA
Dia 25 de janeiro de 1878
Ut. S. l3^44/.^3'^ Lon. E. Gr. i5«.o2'.35//
Alt. 1642 metros. Tcmp. 26'',o
Tempo
pelo
chronomctro
h m t
3.29.10,0
3.29.46,0
3.3o.23,o
3.3o.58,5
3.3 1.35,0
3.32.10,5
3.32.46,5
3.33.22,5
3.33.58,5
3.34.34,0
3.35.09,5
Numero
de
oscillações
I
10
20
3o
40
5o
60
70
80
90
100
X = 5,664
Duração
de
uma oscillaçáo
m I
3,60
3,70
3,55
3,65
3,55
3,60
3,60
3,60
3,55
3,55
Media . . 3,5i)5
TCHIMBUIOCA
Dia 28 de fevereiro de 1878
Lat. S. l2^53^oo". Lon. E. Gr. i6».2i'.oo''
Alt. 1697 metros. Tcmp. 2i'*,o
Tempo
Numero
Duração
pelo
de
de
chronomctro
oscillações
uma oscillaçáo
li m 5
ni s
3.26..?o,5
I
3,70
3.27.07,5
10
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3.27.44,5
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3.28.33,0
3o
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3.3o. 1 5,0
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3,80
3.32.41,5
100
Media . . 3,740
X=5,2t5
OBSERVAÇÕES MAGNÉTICAS
341
DETERMINAÇÃO DA COMPONENTE HORISONTAL X
BIÈ
Dia 3o de março de 1878
Lat. S. 12^.22'. loff. Lon. E. Gr. i&'.5o'.ooff
Alt. 1573 metros. Tcmp. 25*',o
Tempo
pelo
chronometro
h m I
4.58.45,0
4.59.22,5
5.00.00,0
5.00.38,0
5.01.16,0
5.01.53,0
5.02. 3 1,0
5.o3.o8,5
5.03.45,5
5.04.23,5
5.o5.oo,5
Numero
de ^
oscillaçôes
o
10
20
3o
40
5o
60
70
80
90
100
Duraaáo
de
uma oscí Ilação
m t
3,75
3,75
3,80
3,80
3,70
3,80
3,75
3,70
3,80
3.70
Media . . 3,750
X = 5,2i7
BIÈ
Dia 18 de abril de 1878
Lat. S. \i^.22lAo". Lon. E. Gr. i&^.bd.oo"
Alt. 1573 metros. Temp. 23'',5
Tempo
pelo
chronometro
h m s
3.38.o6,o
3.38.44,0
3.39.22,0
3.39.59,0
3.40.37,0
3.41.14,5
3.41.51,5
3.42.29,5
3.43.07,5
Numero
de
oscillaçôes
o
10
20
3o
40
5o
60
70
80
Duração
de
umaoscillação
m s
3,80
3,80
3,70
3,80
3,75
3,70
3,80
3,80
-Media . . 3,769
X = 5,i6i
QUITEQUE
Dia 23 de maio de 1878
Lat. S. I2®.i7'.(
34^'. Lon. E.
Gr. I70.o2'.io'/
Alt. 1464 metros. Tcmp. 25",o
Tempo
pelo
chronometro
Numero
de
oscillaçôes
Duração
de
uma oscillação
h m a
ra 1
3.14.23,0
3,70
3.1 5.00,0
10
3,80
3.15.38,0
20
3,70
3.i6.i5,o
3o
3,75
3.16.52,5
40
3,75
3.17.30,0
5o
3,65
3.18.06,5
60
3,75
3.18.44,0
70
3,75
3.19.21,5
80
3,70
3.19.58,5
90
3,70
3.20.35,5
100
Media . . 3,725
X«=5.299
Dia I (
CU-ANZi^
le 1878
ie junho c
Lat. S. ii«.53'.
29^^ Lon. E. Gr. if.S-jf.^S''
Alt. I
I49'",4. Temp. 25^5
Tempo
pelo
chronometro
Numero
de
oscillaçôes
Duração
de
amaoscillaçáo
h m ■
m a
3.15.54,5
3,80
3.16.32,5
10
3,75
3.17.10,0
20
3,65
3.17.46,5
3o
3,80
3.18.24,5
40
3,70
3.19.01,5
5o
3,75
3.19.39,0
60
3,75
3.20.16,5
70
3,65
3.20.53,0
80
3,75
3.2i.3o,5
90
3,70
3.22.07,5
100
Media . . 3,7ro
X --5,30.0
341
OBSERVAÇÕES MAGNÉTICAS
DETERMINAÇÃO DA COMPONENTE HORISONTAL X
CHA-CALUMBO
Dia i3 de junho de 1878
Lat. S. ii«».4i/.22'^ Lon. E. Gr. i7*>.58'.3ó'
Alt. 1078 metros. Temp. 26<',5
Tempo
pelo
clironomclro
hm*
2.47.05,0
2.47.42,5
2.48.20,5
2.48.57,0
2.49.35,0
2.50.I2,0
2.50.49,0
2.51.27,0
2.52.03,0
2.52.40,5
2.53.17,5
Numero
de
oscillaçôes
o
10
20
3o
40
5o
60
70
80
90
100
Duração
de
uma oscíllaçâo
RI S
3,75
3.80
3,65
3,80
3,70
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3,80
3,60
3,75
3,70
Media . . 3,725
X = 5,3i3
MONGÔA
Dia 18 de junho de 1878
Lat. S. ii'».34.'o6'/. Lon. E. Gr. i8«.o5'.5a'
Alt. 1106 metros. Temp. 26**.o
Tempo
pelo
chronometro
h m I
3.c6.5i,5
3.07.29,5
3.08.06,0
3.08.43,5
3.09.21,0
3.09.57,5
3.10.34,5
3.11.11,5
3.11.48,5
3.12.25,5
3.i3.oi,5
Numero
de
oscillaçõcs
o
10
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3o
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de
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3,65
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3,70
3,70
3.70
3,60
Media . . . 3,7c
CHA-N'GANJI
Dia I de julho de 1878
Lat. S. ii°.32'.43//. Lon. E. Gr. i8''.i5/.oo"
Alt. 1189 metros. Temp. 28**.©
Tempo
pelo
chrouomctro
h m a
3.08.48,0
3.09.25,5
3.10.02,5
3.10.40,0
3.11.17,5
3,11.54,5
3.12.31,5
3.13.08,5
3.13.45,5
3.14.22,5
3.14.59,5
Numero
de
oscillaçõcs
o
10
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3o
40
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de
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3,75
3,75
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3,70
3,70
3,70
3,70
3,70
Media .. 3,7i5
X- 5,354
NDUMBA TEMBO
Dia 9 de julho de 1878
Lat. S. ii'».2o'.5i'/. Lon. E. Gr. i8''.5o/.oo'/
Alt. i3oo metros. Temp. 26**,o
Tempo
pelo
chronometro
h m s
3.25.41,5
3.26.18,5
3.26.55,5
3.27.33,0
3.28.10,0
3.28.47,5
3.29.24,5
3.3o.o2.o
3.30.39,5
3.3 1.16,5
3.31.53,5
Numero
de
oscillações
00
10
20
3o
40
5o
60
70
80
90
100
X== 5,33o
Duraçáo
de
umaoscillação
m s
3,70
3,70
3,75
3,70
3.75
3.70
3.75
3.75
3,70
3,70
Media . . 3,720
OBSERVAÇÕES
MAGNÉTICAS
343
DETERMINAÇÃO DA COMPONENTE HORISONTAL X
N'DUMBA MUGHANDE
Dia 27 de julho de 1878
<
Dia 25 (
:atuch]
[
ie agosto
de 1878
Lat. S. ii".o5^ooV. Lon. E. Gr. i8«.55'.oo"
Lat. S. io«.46'.oo'/. Lon. E. Gr. içf*.d&f.oo'f
Alt. 1340 metros. Tcmp. 26*',o
Alt. 122Ó metros. Tcmp, 29'*,5
Tempo
pelo
chronomelro
Numero
de
oscillações
Duração
de
umaoscillaçáo
Tempo
pelo
chronomelro
Numero
de
oscillações
Duração
de
uma oscillaçáo
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4.17.22,0
60
3,60
3.45.36,0
70
3,70
4.17.58,0
70
3,70
3.46.13,0
80
3,70
4.18.35.0
80
3.75
3.45.50,0
90
3,70
4. 19. 12.5
90
3,65
3.47.27,0
100
Media . . . 3,72
4.19.49,0
100
Media ... 3,71
X = 5,335
x= 5,389
(
:atuch]
[
de 1878
TCHIQUILLA
Dia II de setembro de 1878
Dia 16 (
Je agosto
Lat. S. io«.46'.oo'/. Lon. E. Gr. I9°.o8'.oo//
Lat. S. io«.33'.io./' Lon. E. Gr. i9<».o6/.oo'/
Alt. 122Ó metros. Tcmp. 29®,5
AU. 1180 metros. Temp. 28*»,5
Tempo
pelo
chronomctro
Numero
de
oscillações
Duração
de
umaoscillaçáo
Tempo
pelo
chronomctro
Numero
de
oscillações
Duração
de
umaoscillaçáo
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3.06.23,0
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3.10.46,0
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3.07.00,0
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3.11.23,0
20
3,70
3.07.38,0
20
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3.12.00,0
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3,70
3.08.16,0
3o
3,70
3.12.37,0
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5o
3,70
3.i3.5o,o
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3.10.08,0
60
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3.14.27,5 •
70
3,65
3.10.45,0
70
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3.15.04,0
80
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3.11.23,0
80
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90
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3.16.17,0
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3.12.36,5
100
Media . . 3,735
X = 5,476
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METEOROLÓGICAS
337
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VOL. 11
23
OBSERVAÇÕES
. MAGNÉTICAS
33()
DETERMINAÇÃO DA COMPONENTE HORISONTAL X
>
BENGUELLA
Dia 27 de outubro de 1877
Dia 18 de
DOMBE
novembro de 1877
Lat. S. i3».3V.i7'/. Lon. E. Gr. i3«>.25'.i5//
Lat. S. 12*».55/.12//. Lon. E. Gr. i3<'.07/.45//
Alt. 6 metros. Tcmp. 2b",o
Alt. 98 metros. Tcmp. 29<',o
Tempo
Numero
Duração
Tempo
Numero
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de
de
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de
chronometro
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oscillações
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1.36.38,0
5o
3,80
1.38.59,5
5o
3,80
1.37.10,0
60
3,80
1.39.37,5
60
3,85
1.37.54,0
70
3,75
1.40.16,0
70
3,70
1.38.3 1,5
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1.40.53,0
80
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1.39.08.5
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1.41.30,5
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X. 39.46,0
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Dia 6 de
novembrc
dezenibr
de 1877
Lat. S. I2».34'.i7//. Lon. E. Gr. l3^25^I5/
Lat. S. i4°.o3'. Lon. E. Gr. i4«.oo'.o5//
Alt. 6 metros. Temp. 28^,0
Alt. 869 metros. Temp. 28^,5
Tempo
Numero
Duração
Tempo
Numero
Duração
pelo
de
de
pelo
de
de
chronometro
oscillações
umaoscillaçáo
chronometro
oscillações'
uma oscillação
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h m s
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2.44.38,0
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2.45.15,5
10
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0.49. 19,0
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3,80
2.45.52,0
20
3,70
0.50.27,0
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3,75
2.46.29,0
3o
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2.47.05,0
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0.51.43,0
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2.47.48,0
5o
3,70
0.52.21,0
60
3,65
2.48.19,0
60
3,60
0.52.57,5
70
3,85
2.48.55,0
70
3,70
0.53.30,0
80
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2.49.32,0
80
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0.5.^.14,0
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2.5o.o8,5
90
3,65
0.54.51,5
100
•Media . . 3,780
2.50.45,0
100
Media . . 3,670
X=5,ii3
X=5,«o
l
OBSERVAÇÕES
. MAGNÉTICAS
33y
DETERMINAÇÃO DA COMPONENTE HORISONTAL X
*
BENGUELLA
Dia 27 de outubro de 1877
Dia 18 de
DOMBE
novembro de 1877
Lat. S. 13«.3V.I7'/. Lon. E. Gr. i3« 25/.i5//
Ut. S. I2«.55^i2//. Lon. E. Gr. i3<'.07/.45//
AU. 6 metros. Tcmp. 2b" ,0
Alt. 98 metros. Temp. 29^,0
Tempo
Numero
Duração
Tempo
Numero
Direcção
pelo
de
de
p.lo
dj
de
chronometro
oscillaçõcs
umaoscillaçáo
chronometro
oscillaçócs
umaoscillaçáo
b m ■
m s
h m s
m s
1.33.28,0
3,73
1.35.49,5
3,90
1.34.05,5
10
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1.36.28,5
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1.34.41,5
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1.35.21,5
3o
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1.37.4^,0
3o
3,85
1.35.59,5
40
3,85
1.38.22,5
40
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1.36.38,0
5o
3,80
1.38.59,5
5o
3,80
1.37.10,0
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1.39.37,5
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Media . . 3,780
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X = 5,i24
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lNGUELI
.A
) de 1877
Dia 22 de
ILLENGl
JES
Dia 6 de
novembrc
dezembr
de 1877
Lat. S. 12^34^I7". í'On- E. Gr. l3^25^I5/
Lat. S. i4°.o3'. Lon. E. Gr. i4*>.oo'.o5//
Alt. 6 metros. Temp. 28^,0
Alt. 869 metros. Temp. 28^5
Tempo
Numero
Duração
Tempo
Numero
Duração
pelo
do
de
pelo
de
de
chronometro
osci Ilações
umaoscillaçáo
chronometro
osci Ilações'
umaoscillaçáo
h m s
m *
h m s
111 9
0.48.33,5
3,75
2.44.38,0
3,75
0.49.11,0
10
3,80
2.45.15,5
10
3,65
0.49. 19,0
20
3,80
2.45.52,0
20
3,70
0.50.27,0
3o
3,75
2.46.20,0
3o
3,60
o.5i.04,5
40
3,85
2.47.05,0
40
3,70
0.51.43,0
5o
3,80
2.47.48,0
5o
3,70
0.52.21,0
60
3,65
2.48.19,0
60
3,60
0.52.57,5
70
3,85
2.48.55,0
70
3,70
0.53.36,0
80
S80
2.49.32,0
80
3,65
0.54.14,0
90
3,75
2.5o.o8,5
90
3,65
0.54.51,5
100
Media . . 3,780
2.50.45,0
100
Media . . 3,670
X=5,i»3
X = 5,440
340
OBSERVAÇÕES MAGNÉTICAS
DETERMINAÇÃO DA COMPONENTE HORISONTAL X
QUILLENGUES
Dia 23 de dezembro de 1877
Lat. S. i4*'.oo'.o3'^ Lon. E. Gr. I40.oo^o5^'
Alt. 869 metros. Tcmp. 28°,5
Tempo
Numero
Duração
pelo
de
de
chronomctro
oscillações
uma oscillaçâí
h m a
m 1
3.34.4^,5
3,70
3.35.25,5
10
3,70
3.36.02,5
20
3,65
3.36.3o,o
3o
3,75
3.37.16,5
40
3,60
3.37.52,5
5o
3,70
3.38.29,5
60
3,55
3.39.05,0
70
3,65
3.39.41,5
80
3,65
3.40.18,0
90
3,60
3.40.54,0
100
Media . . 3,65f
X=5,486
CACONDA
Dia 17 de janeiro de 1878
Lat. S. i3«.44'.53^/. Lon. K. Gr. i5°.o2'.35'
Alt. 1642 metros. Tcmp. 25'',o
Tempo
Numero
Duração
pelo
de
de
clironometro
oscillações
uma oscillaçãc
h m 1
m s
3.00.10,0
I
3,5o
3.oo..|5,o
10
3,70
3.01.22,0
20
3,70
3.01.59,0
3o
3,5o
3.02.34,0
40
3,60
3.o3.io,o
5o
3,5o
3.03.45,0
60
3,70
3.04.22,0
70
3,5o
3.04.57,0
80
3,60
3.05.33,0
90
3,5o
3.06.08,0
lOU
Media . . 3,58v
X = 5,704
CACONDA
Dia 25 de janeiro de 1878
Lat. S. i3".44^53'/. Lon. E. Gr. i5*».o2'.35'/
Alt. 16 12 metros. Temp. 26*^,0
Tempo
pelo
chronomctro
h tn I
3.29.10,0
3.29.^6,0
3.3o,23,o
3.3o.58,5
3.31.35,0
3.32.10,5
3.32.46,5
3.33.22,5
3.33.58,5
3.34.34,0
3.35.09,5
Numtro
de
oscillações
I
10
20
3o
40
5o
60
70
80
90
100
X = 5,664
Duração
de
uma oscillaçáo
m s
3,60
3,70
3,55
3,65
3,55
3,60
3,60
3,60
3,55
3,55
Media . . 3,5^5
TCIIIMBUIOCA
Dia 28 de fevereiro de 1878
Lat. S. i2«.53'.oo'^ Lon. E. Gr. i6''.2i'.oo"
Alt. i6r<7 melros. Tcmp. 2I^o
Tem|X)
Numero
Duração
pelo
de
de
chronomctro
oscillações
uma oscillaçáo
h m it
tn 9
3.26.30,5
I
3,70
3.27.07,5
10
3,70
3.27.44.5
20
3,85
3.28.33,0
3o
3.70
3.29.00.0
40
3,75
3.29.37,5
5o
3,75
3.3o.i5,o
60
3,70
3.3o.52,o
70
3,80
3.3i.3o,o
80
3,65
3.32.0(3,5
90
3,80
3.32..n,5
100
Media . . 3.740
X=-5,2i5
OBSERVAÇÕES MAGNÉTICAS
341
DETERMINAÇÃO DA COMPONENTE HORISONTAL X
BIÈ
Dia 3o de março de 1878
Lat. S. I2».22^Io'^ Lon. E. Gr. i&^.Sof.ooff
Alt. 1573 metros. Tcmp. 25°,o
Tempo
pelo
chronomctro
h m I
4.58.45,0
4.59.22,5
5.00.00,0
5.00.38,0
5.01.16,0
5.01.53,0
5.02.3 1,0
5.o3.o8,5
5.03.45,5
5.04.23,5
5.o5.oo,5
Numero
oscillaçócs
Duraaáo
de
umaoscillaçáo
X = 5,2i7
BIÈ
Dia 18 de abril de 1878
Lat. S. ii«.22/.io/^ Lon. E. Gr. i6°.5o/.oo'/
Alt. 1573 metros. Temp. 23'',5
Tempo
pelo
chronomctro
h ra 9
3.38.o6,o
3.38.44,0
3.39.22,0
3.39.59,0
3.40.37,0
3.41.14,5
3.41.51,5
3.42.29,5
3.43.07,5
Numero
de
oscillaçócs
o
10
20
3o
40
5o
60
70
80
Duração
de
umaoscillaçáo
m s
3,80
3,80
3,70
3,80
3j5
3,70
3,80
3,80
Media . . 3,7('»9
X = 5,i6i
QUITEQUE
Dia 23 de maio de 1878
Lat. S. I2®.i7'.04'/. Lon. E. Gr. i7<'.02'.xoV
Alt. 1464 metros. Temp. 25",o
Tempo
pelo
clironometro
h m I
3.14.23,0
3.1 5.00,0
3.i5.38,o
3.i6.i5,o
3.16.52,5
3.17.30,0
3.18.06,5
3.18.44,0
3.19.21,5
3.19.58,5
3.20.35,5
Numero
de
oscillaçócs
Duraçiío
de
umaoscillaçáo
X«= 5.299
CU-ANZA
Dia I de junho de 1878
Lat. S. Il0.53^29/^ Lon. E. Gr. i7».37^45'/
Alt. ii49"',4. Temp. 25",5
Tempo
pelo
chronomctro
h m s
3.15.54,5
3.16.32,5
3.17.10,0
3.17.46,5
3.18.24,5
3.19.01,5
3.19.39,0
3.20.16,5
3.20.53,0
3.2i.3o,5
3.22.07,5
Numero
de
oscillaçócs
o
IO
20
3o
40
5o
60
70
80
90
100
X--5,2ço
Duração
de
ama osclllaçáo
m 9
3,80
3,75
3,65
3,80
3,70
3,75
3,75
3,65
3,75
3,70
vlcdia . . 3,7ro
342
OBSERVAÇÕES
MAGNÉTICAS
DE 1 ERMINAÇÃO DA COMPONENTE HORISONTAL X
CHA-CALUiV
IBO
de 1878
CF
Dia I (
ía-nganji
Dia i3 de junho (
de julho de 1878
Lat. S. u^.4if.22". Lon. E. Gr. \f.5S'W
Lat. S. ii°.32'.43//. Lon. E. Gr. i8''.i5/.oo"
Alt. 107S metros. Temp. 2C<*,5
Alt. iiS() melros. Temp. 28^0
Tempo
pelo
chronometro
Numero
de
oscillações
Duração
de
uma oscillação
Tempo
pelo
chronometro
Numero
de
oscillações
Duração
de
uma oscillação
li m a
m %
li m •
ni s
2.47.05,0
3,75
3.08.48.0
3,75
2.4742,5
10
3.80
3.09.25,5
10
3,70
2.48.20,5
20
3,65
3.10.02,5
20
3,75
2.48.57,0
3o
3,80
3.10.40,0
3o
3,75
2.49.35,0
40
3,70
3.11.17,5
40
3,70
2.5o. 12,0
5o
?J0
3.11.54,5
5o
3,70
2.50.49,0
60
3,80
3.12.31,5
60
3,70
2.51.27,0
70
3,60
3.1 3.08,5
70
3,70
2.52.o3,o
80
3,75
3.13.45,5
80
3,70
2.52.40,5
90
3,70
3.14.22,5
90
3,70
2.53.17,5
100
Media .. 3,725
3.14.59.5
100
Media ..3,715
X-5,3i3
x= 5,354
J
MONGOL
de 1878
NDL
Dia 9 <
IMBA TE
:mbo
Dia 18
de junho
de julho de 1878
Lat. S. ii''.34./o6//. Lon. E. Gr. !8«.o5'.5?/
Lat. S. ii°.2o'.5i//. Lon. E. Gr. i8«.5o/.oo'/
Alt. 1 106 metros, lemp. 26^.0
Alt. i3oo metros. Temp. 26^o
Tempo
pelo
chronometro
Numero
de
oscillações
Duração
de
uma oscillaçár
Tempo
pelo
chronometro
Numero
de
oscillações
Duração
de
uma oscillação
h m •
m t
h in f
Dl t
3.c6.5i,5
3,80
3.25.41,5
00
3,70
3.07.29,5
10
3,65
3.26.18,5
10
3,70
3.08.06,0
20
3,75
3.26.55,5
20
3,75
3.08.43,5
3o
3,75
3.27.33,0
3o
3,70
3.09.21,0
40
3,65
3.28.10,0
40
3.75
3.09.57,5
5o
3,70
3.28.47,5
5o
3,70
3.10.34.5
60
3,70
3.29.24,5
60
3.75
3.11.11,5
70
3.70
3.?0.02,0
70
3.75
3.11.48,5
80
3,70
3.30.39,5
80
3.70
3.12.25,5
90
3,60
3.3 1.16,5
90
3.70
3.13.01,5
100
Media . . . 3,7c
3.31.53,5
100
Media . . 3,720
x= 5,396
X = 5,33o
OBSERVAÇÕES MAGNÉTICAS
343
DETERMINAÇÃO DA COMPONENTE HORISONTAL X
N'DUMBA MUGHANDE
Dia 27 de julho de 1878
(
Dia 25 (
:atuchi
ie agosto
de 1878
Lat. S. lI».o3^oo'/. Lon. E. Gr. I8^55^oo''
Lat. S. io''.46'.oo'/. Lon. E. Gr. i9®.o8/.oo7
Alt. 1340 metros. Tcmp. 26^,0
Alt. 1226 metros. Tcmp, 29'*,5
Tempo
pelo
chronomelro
Numero
de
oscillações
Duração
de
uma oscillação
Tempo
pelo
chronomctro
Numero
de
oscillações
Duração
de
uma oscillação
b m •
m •
b m s
m •
3.41.15,0
.0
3,70
4.i3.38,o
3,80
3.41.52,0
10
3,80
4.14.16,0
10
3,75
3.42.30,0
20
3,70
4.14.53,5
20
3,70
3.43.07,0
3o
3,80
4.i5.3o,5
3o
3,65
3.43.43,0
40
3,70
4.16.07,0
40
3,70
3.44.22,0
5o
3,70
4.16.44.0
5o
3,80
3.4459,0
60
3.70
4.17.22,0
60
3,60
3.43.36,0
70
3,70
4-17.58,0
70
3,70
3.46.13,0
80
3,70
4.18.35,0
80
3.75
3.45.30,0
Qo
3,70
4.19.12,5
QO
3,65
3.47.27,0
100
Media . . . 3,72
4.19.49,0
100
Media ... 3,71
X = 5,335
x= 5,389
(
:atuch]
[
de 1878
TCHIQUILLA
Dia 1 1 de setembro de 1878
Dia 16 (
ie agosto
Lat. S. ioo.46'.oo'/. Lon. E. Gr. i9».o8'.oo'/
Lat. S. lo^33^lo.// Lon. E. Gr. ig'>.o6f.oo'f
Alt. 122Ó metros. Tcmp. 29*',3
Ali. 1180 metros. Tcmp. 28*,5
Tempo
pelo
chronomctro
Numero
de
oscillações
Duração
de
uma oscillação
Tempo
pelo
chronomctro
Numero
de
oscillações
Duração
de
uma oscillação
h m •
m ■
h m" s
m •
3.10.09,0
3,70
3.06.23,0
3,70
3.10.46,0
10
3,70
3.07.00,0
10
3,80
3.11.23,0
20
3,70
3.07.38,0
20
3,80
3.12.00,0
3o
3,70
3.08.16,0
3o
3,70
3.12.37,0
40
3,65
3.08.33,0
40
3,80
3.i3.i3,3
5o
3,65
3.09.31,0
5o
3,70
3.i3.5o,o
60
3,75
3.10.08,0
60
3,70
3.14.27,5
70
3,65
3.10.45,0
70
3,80
3.15.04,0
80
3,65
3.11.23,0
80
3,60
3.15.40,5
90
3,65
3.11.59.0
90
3,75
3.16.17,0
100
Media . . . 3,68
i
3.12.36,5
100
Media . . 3,735
x= 5,476
X = 5,3i7
34+
OBSERVAÇÕES MAGNÉTICAS
DETERMINAÇÃO DA COMPONENTE HORISONTAL X
TCHIQUILLA
Dia 22 de setembro de 1878
Lat. S. 10^33'. 10'^ Lon. E. Gr. i9°.o6^oo'/
Alt. 1180 metros. Tcmp. 26,5
Tempo
Numero
pelo
de
chronometro
oscillaçócs
h m •
2.41-33,0
2.45.10,0
10
2.45.47,0
20
2.46.25,0
3o
2.47.01,0
40
2.47.38,5 .
5o
2.48.15,5
60
2.48.51,0
70
2.49.29,5
80
2.5o.o6,o
90
2.50.42,0
100
Duração
de
uma oscillaváo
ni «
3,70
3,70
3,80
3,60
3,75
3,70
3,55
3,85
3,65
3,60
Media . . .
RIO SANGUENJE
3,69
X = 5,45i
TCHIQUILLA
Dia 22 de setembro de 1878
Lat. S. I0^33^Io'/. Lon. E. Gr. ig^oô^.oo'/
Alt. 1180 metros. Tcmp. 26,5
Dia 3 de outubro de 1878
I,at. S. lo'•.23'.3o'^ Lon. E. Gr. i9<'.oo'.oo"
Alt. 1194 metros. Temp. 22,5
Tempo
pelo
chronometro
li m •
2.51.19,0
2.5i.55,o
10
2.52.32,0
20
2.53.09,0
3o
2.53.45,0
40
2.54.23,0
5o
2.54.58,5
60
2.55.35,5
70
2.56.12,0
80
2.56.48,0
90
2.57.25,5
100
Numero
de
oscillações
Duração
de
umaoscillaçáo
m •
3,60
3,70
3,70
3,60
3,80
3,55
3,70
3,65
3,60
3,75
Media . . 3,663
Tempo
pelo
chronometro
hm*
3.08.33,5
3.09.10,0
3.09.47,0
3.10.24,0
3.11.00,0
3.11.37,0
3.12.13,5
3.i2.5o,o
3.13.28,0
3.14.03,5
3.14.40,0
Numero
de ^
oscillações
o
10
20
3o
40
5o
60
70
80
90
100
Duração
de
uma osci ilação
m s
3,65
3,70
3,70
3,60
3,70
3,65
3,65
3,80
3,55
3,65
Media . . 3,665
X = 5,494
SOBA CAMBOLLO
Dia 14 de outubro de 1878
Lat. S. i9«.53'.oo/'. Lon. E. Gr. i8°.26'.3o'/
Alt. 961 metros. Tcmp. 24,5
X=»5,45i
lempo
pelo
chronometro
Numero
de
oscillações
Duração
de
uma oscillaçáo
li m f
2.58.25,0
m s
3,60
2.59.01,0
2.59.39,0
3.00 i5,5
10
20
3o
3,80
3,65
3,65
3.00.52,0
3.01.29,0
3.o2.o5,o
40
5o
60
3,70
3,60
3,70
3.02.42,0
3.o3.i8,o
70
80
3,60
3,65
3.03.54,5
3.04.31,5
90
100
3,70
.Media . . 3,CC5
X-3,5o8
OBSERVAÇÕES
MAGNÉTICAS
345
DETERMINAÇÃO DA COMPONENTE HORISONTAL X
CASSANJE
CASSANJE
Dia 23 de outubro de 1878
Dia 19 de novembro de 1878
Lat. S. 9«.35'.o6'/. Lon. E. Gr. i7».57'.oo//
Lat. S. 9'».35'.o6". Lon. E. Gr. if^^.bf.oo''
Alt. 9-15 metros. Temp. 28®,o
Alt. 945 metros, Temp. i7®,o
Tempo
pelo
Numero
de
Duração
de
Tempo
pelo
Numero
de
Duração
de
chronometro
oscillações
uma oscillação
chronometro
oscillações
uma oscillação
b m ■
m •
h m ■
m •
0.41.38,0
3,60
3.01.36,0
3,60
0.42.1.1,0
10
3,60
3.02.12,0
10
3,70
0.42.50,0
20
3,70
3.02.49,0
20
3,70
0.43.27,0
3o
3,60
3.03.26,0
3o
3,60
o..44.o3,o
40
3,60
3.a|.02,o
40
3,75
0.44.39,0
5o
3,60
3.04.39,5
5o
3,60
0.45.15,0
60
3,53
3.05.1 5,5
60
3,65
0.43.50,5
70
3,65
3.o3.52,o
70
3,70
0.46.27,0
80
3,5o
3.o<3.29,o
80
3.63
0.42.02,0
90
3,65
3.07.05,5
90
3,65
0.47.38,5
100
Media . . 3,6o5
3.07.42,0
100
Media ... 3,66
X = 5.716
x= 5,546
CASSANJE
FUCHI-IA-CACALLA
Dia 27 de outubro de 1878
Dia 23 de dezembro de 1878
I.at. S. 9''.33^o6/^ Lon. E. Gr. if.b-jf.oof'
Lai. S. 9°.32^oo'^ Lon. E. Gr. l8^l3^oo//
Alt. 9.45 TTieiros. Temp. 26" ,0
Alt. 892 metros. Temp. 23^5
Tempo
pelo
Numero
de
Duração
de
Tempo
pelo
Numero
de
Duração
de
chronometro
oscillações
uma oscillação
chronometro
oscillações
ima oscillação
h m •
m •
h m •
m 1
0.24.49,0
3,70
3.27.03,0
3,75
0.25.27,0
10
3,60
3.27.40,5
10
3,70
0.26.03,0
20
3,75
3.28.17,5
20
3,60
0.26.40,5
3o
3,70
3.28.53,5
3o
3,70
0.27.17,5
40
3,65
3.29.30,5
40
3,60
0.27.54,0
5o
3,70
3.3o.o6,5
5o
3,60
0.28.31,0
60
3,60
3.30.42,5
60
3,70
0.29.07,0
70
3,70
3.3i.io,5
70
3,53
0.29.44,0
80
3,65
3.3i.55,o
80
3,70
o.3o.20,5
90
3,60
3.32.32,0
90
3,60
0.3o. 56,5
100
Media.. 3, 663
3.33.08,0
100
Media . . . 3,65
X- 5,520
x= 5,567
346
OBSERVAÇÕES
MAGNÉTICAS
DETERMINAÇÃO DA COMPONENTE HORISONTAL X
CASSANJ]
de 1879
Dia 12 (
VLANDULA
Dia 5 de
fevereiro
de março
de 1879
Lat. S. 9''.28/.34". Lon. E. Gr. i6''.55'.3o'/
Ut. S. 9*>.27.'57'/. Lon. E. Gr. i6".32'.oo^/
Alt. 1196 melros. Temp. 25",o
Alt. 1116 metros. Temp. 2o**,5
Tempo
pelo
chronomctro
Numero
de ^
oscillaçôes
Duração
de
umaoscillaçáo
Tempo
pelo
chronomctro
Numero
de
oscillaçócs
Duração
de
uma oscillação
p m s
m 1
p in •
m s
3.10.43,0
3,80
3.06.44,0
3,75
3.11.21,0
10
3,60
3.07.21,5
10
3,65
3.11.57,0
20
3,80
3.07.58,0
20
3,75
3.12.35,0
3o
3,55
3.08.35,5
3o
3.70
3.i3.io,5
40
3,05
3.09.12,5
40
3.65
3.13.47,0
5o
3.80
3.09.49,0
5o
3,75
3.14.25,0
60
3,60
3.10.26,5
60
3,(x>
3.1 5.01,0
70
3,õo
3.11.02,5
70
3,70
3.15.37,0
80
3,65
3.11.39.5
80
3.75
3.16.13,5
90
3,65
3.12.17,0
90
3,0o
3.i6.5o,o
100
Media . . . 3,67
3.12.53,0
100
Media ... 3,69
x= 5,542
X = 5,449
N'D.
ALA SAA
IBA
3e 1879
(
Dia 25 (
3UIMÔCC
)
Dia 5 c
ie março c
de março
de 1879
Ut. S. 9».28/.34". Lon. K. Gr. i6''.55/.3o'/
Lat. S. 9*.22/.oaV. Lon. E. Gr. 16^08'. 00"
Alt. 1 196 metros. Temp. 25*,o
Alt. 1077 metros. Temp. 22*',5
Tempo
pelo
chronomctro
Numero
de
oàcillações
Duração
de
uma oscillação
Tempo
pelo
chronomctro
Numero
de
oscillaçóes
Duração
de
umaoscillaçáo
P m f
m s
p m ■
m s
2.59.33,5
3,60
3.08.33,0
3,60
3.00.10,5
10
3,65
3.09.09,0
10
3,65
3.00.47,0
20
3,75
3.09.45,5
20
3.70
3.01.24,5
3o
3,60
3.10.22,5
3o
3,55
3.02.00,5
40
3,70
3.10.58,0
40
3.70
3.02.37,5
5o
3,65
3.11.35,0
5o
3,65
3.03.14,0
Go
3,65
3.12.11,5
60
3,0o
3.o3.5o,5
70
3.70
3.12.47,5
70
3,03
3.04.27,5
80
3,60
3.13.24,0
80
3,55
3.o5.o3,5
90
3,65
3.13.59,5
90
3,65
3.05.40,0
100
.Media . . 3,6t)5
3.14.36,0
100
Media ... 3,Ò4
..
x= 5,546
X-5,6i5
OBSERVAÇÕES
MAGNÉTICAS
347
DETERMINAÇÃO DA COMPONENTE HORISONTAL X
>
DUQUE DE BRAGANÇA
CAFUCHILA
Dia II de abril de 1879
Dia 17 de maio de 1879
Lat. S. 8^^5^36'^ Lon. E. Gr. iG\u'.oof'
Ut. S. 7^53^lV^ Lon. E. Gr. i6«.5i/.28/'
Ali. loCo metros. Tcmp. 26^o
AU. 657 metros. Tcmp. 29^,0
Tempo
pelo
chronomelro
Numero
de
oscillaçõcs
Duração
de
uma oscillaçãc
Tempo
pelo
chronomelro
Numero
de
oscillaçóes
Duração
de
uma oscillação
h m f
m •
h ni ■
m •
3.14.59,0
'
3,75
3.09.16,5
3,60
3.15.36,5
10
3,65
3.09.52,5.
10
3,65
3.i6.i3,o
20
3,60
3.10.29,0
20
3,55
3.16.49,0
3o
3,75
3.11.04,5
3o
3,65
3.17.26,5
40
3,55
3.11.41,0
40
3,65
3.18.02,0
5o
3,65
3.12.17,5
5o
3,60
3.18.38,5
60
3,70
3.12.53,5
60
3,60
3.19.15,5
70
3,60
3.13.29,5
70
3,55
3.19.51,5
80
3,65
3.14.05,0
80
3,65
3.20.28,0
90
3,55
3.14.41,5
90
3,60
3.21.03,5
100
Media . . 3,64.'
3.15.17,5
100
Media . . . 3,6i
X = 5,622
x= 5,759
DUQUE DE BRAGANÇA
CU-ANGO
Dia 24 de abril de 1879
Dia 29 de maio de 1879
Lat. S. 8°.55^36/^ Lon. E. Gr. i6«.ii/.oo''
Lat. S. f.2of.57ff. L011. E. Gr. i-f.VA^.Zf
Alt. 1060 metros. Tcmp. 26°,5
Alt. 390 metros. Temp. 3i",5
Tempo
pelo
chronomelro
Numero
de
oscillaçóes
Duração
de
uma oscillaçãc
Tempo
pelo
chronomelro
Numero
de
oscillaçóes
Duração
de
uma oscillação
h m ■
m •
h ni ■
m 1
3.05.14,5
3,65
2.54.31,0
3,60
3.o5.-5i,o
10
3,75
2.55.07,0
10
3,65
3.06.28,5
20
3,60
2.55.43,5
20
3,60
3.07.04,5
3o
3,70
2.56.19,5
3o
3,60
3.07.41,5
40
3,70
2.56.55,5
40
3.60
3.08.18,5
5o
3,60
2.57.31,5
5o
3,60
3.08.54,5
60
3,70
2.58.07,5
60
3,60
3.09.31,5
70
3,60
2.58.43,5
70
3,60
3.10.07,5
80
3,65
2.59.19,5
80
3,55
3.10.41,0
90
3,70
2.59.55,0
90
3,65
3.10.2I«O
100
Media . . 3.C63
3.00.31,5
100
Media . . 3,6o5
x= 5,569
x= 5,792
348
OBSERVAÇÕES MAGNÉTICAS
DETERMINAÇÃO DA COMPONENTE HORISONTAL X
CU-ANGO
Dia 6 de junho de 1879
Lat. S. f.o6f.oo'f. Lon. E. Gr. i-f.obLooU
Alt. 38 1 metros. Tcmp. 3o**,5
Tempo
pelo
chronometro
h m ■
2.46.14,5
2.46.50,0
2.47.25,5
2.48.00,5
2.48.36,0
2.49.11,0
2.49.46,0
2.50.21, 5
2.5o.56,5
2.5l.32,0
2.52.07,5
Numero
de ^
oscillaçôcs
o
IO
20
3o
40
5o
60
70
80
90
100
Duração
de
uma oscillaçáo
m s
3,55
3,55
3,5o
3,55
3,5o
3,5o
3,55
3,55
3,55
3,55
Media . . .
5,53
SAMBA CAMBO
X = 6,o38
RIO CUGHO
Dia II de jnnho de 1879
Lat. S. f.22'.4Ç)ff. Lon. E. Gr. i6®.47'.02'/
Alt. 486 metros. Temp. 3o®,o
Tempo
pelo
chronometro
b m I
2.54.30,5
2.55.o5,5
f. 5 5. 40, 5
2.56 17,5
2.56.52,0
2.57.29,0
2.58.04,0
2.58.40,0
2.59.16,0
2.59.51,0
3.00.27,0
Numero
de
oscillaçóes
o
10
20
3o
40
5o
60
70
80
90
100
X = 5,918
Duração
de
uma oscillaçáo
m I
3,5o
3,5o
3,70
3,5o
3,65
3,5o
3,60
3,60
3,5o
3,60
Media . . 3,565
Dia 3 de agosto de 1879
Lat. S. 9''.o3/.39//. Lon. E. Gr. i5«.49/.3o//
Alt. 1037 metros. Temp. 24^,5
Tempo
pelo
chronometro
h m ■
3.01.21,5
3.01.58,5
3.02.35,0
3.o3.i2,o
3.03.49,0
3.04.25,0
3.o5.o2,o
3.05.39,0
3.06.1 3,0
3.06.52,0
3.07.29,0
Numero
de
oscillaçóes
o
10
20
3o
40
5o
60
70
80
90
100
X = 5,552
Duração
de
uma oscillaçáo
m •
3,70
3,65
3,70
3,70
3,60
3,70
3,70
3,60
3,70
3,70
Media . . 3,67?
PUNGO NDONGO
Dia 18 de agosto de 1879
Lat. S. 9«.39'.52'/. Lon. E. Gr. i5''.44'.í6//
Alt. 1020 metros. Temp. 27*',o
Tempo
pelo
chronometro
h m •
2.53.11,5
2.53.49,5
2.54.25,5
2.55.o3,o
2.55.40,0
2.56.16,5
2.56.54,0
2.57.30,0
2.58.07,5
2.58.44,0
2.59.20,5
Numero
de
oscillaçóes
o
10
20
3o
40
5o
60
70
80
90
100
X-5,5j5
Duração
de
uma oscillaçáo
m 9
3,80
3,60
3,75
. 3,70
3,65
3,75
3,60
3.75
3,70
3,60
Media
3,69
OBSERVAÇÕES MAGNÉTICAS
349
DETERMINAÇÃO DA COMPONENTE HORISONTAL X
N'HANGUE
Dia 17 de setembro de 1879
Lat. S. 9°.39^'.2V/. Lon. E. Gr. i5^i2'.oo'
Alt. ()85 metros. Temp. 26*',5
Tempo
pelo
chronometro
Numero
de
osciilações
Duração
de
uma oscillaçãc
h m s
m •
2.38.20,3
3,75
2.38.58,0
10
3,85
2.3c).36,5
20
3,70
2.40.13,5
3o
3,85
2.40.52,0
40
3,80
2.41.30,0
5o
3,70
2.42.07,0
Go
3.80
2.42.45,0
70
3,75
2.43.22,5
80
3,75
2.44.00,0
90
3,75
2.44.37,5
100
Media . . . 3,7;
X = 5,296
DONDO
Dia 3o de setembro de 1879
Lat. S. 90.4o'.3o//. Lon. E. Gr. i4®.3o'.oo'
Alt. 94 mf tros. Temp. 25°,o
Tempo
pelo
chronometro
hm*
2.53.17,0
2.53.53,5
2.54.31,0
2.55.08,5
2.55.45,0
2.56.22,0
2.56.59,0
2.57.36,0
2.58.12,5
2.58.5o,o
2.59.26,0
Numero
de ^
osciilações
o
10
20
3o
40
5o
60
70
80
90
100
X=5.524
Duração
de
uma oscillaçãc
m «
3,65
3.75
3,75
3,65
3,70
3,70
3,70
3,65
3,75
3,60
Media . . . 3,69
LUANDA
Dia 8 de novembro de 1879
Ut. S. 8'>.48'.i5''. Lon. E. Gr. i3«.07/.3o'/
Alt. 40 metros. Temp. 28'',o
Tempo
pelo
chronometro
h in ■
3.26.29,0
3.27.05,0
3.27.42,0
3.28.19.0
3.28.54,0
3.29.31,5
3.30.07,5
3.30,44.0
3.3 1.20,5
3.3i.56,o
3.32.33,0
Numero
de
osciilações
o
10
20
3o
40
5o
60
70
80
90
100
Duração
de
uma oscillação
m s
3,60
3,70
3,70
3,5o
3,75
3,60
3,65
3,65
3,55
3,70
Media . . .
3,64
X = 5,704
OBSERVAÇÕES
Foram desprezadas alyumas observa-
ções, por terem sido feitas em logares
aonde abundavam minas de ferro, c es-
tarem influenciadas por importantes ac-
ções locacs.
Em Lisboa, junho de 1877 (X =4,930
unidade ingleza) a duração de uma oscil-
lação a 25,0 C 3",833. Cooflicicnte de tem-
peratura q = — 0,001.
X é o valor da componente horisoi^I,
correcti da perda do magnetismo da bar-
ra, em consequência das novas observa-
ções feitas com a mesma barra á chega-
da a Lisboa.
<
1
■l
I
■»
35i
RESUMO DAS OBSERVAÇÕES MAGNÉTICAS (i)
Localidades
Bengticlla
Dombc
Quillcngucs (3)
Caconda (3)
T'Chimbuioca
Bio
Quitequc
Cu-anza
Bandua
Chá Calumbo
Mongòa
Cha-N'ganji
N'Dumba Tembo . . .
N'Dumba Mughande
CaUichí
TChiquilla
Rio Sanguengne . . . .
Soba Cambollo (3) . .
Cassanje
Fuchi-ia-Cacalia
NDalla Samba
Calandula
Quimôco
Banza Quiluange —
Duque de Bragança .
Canda-Ria-Massango
Rio Quimbaxe
Calunga N'ganga . . .
Cafuchílla
N'Guenguc
Cu-ango
Mafungo
Cu-ango
RioCugho
r3
«3
2.34
2.55
4.o3
3.44
2.53
2. 22
2.l8
1.53
1.45
1.41
1.33
1.33
1.21
i.o5
0.46
0.34
0.24
9.53
9.35
9.32
9.26
9.28
9.20
9.12
8.56
8.41
8.25
8.04
7.53
7.27
7.21
7.05
7.06
7.21
=1
o /
i3.25
i3.o8
14.05
i5.o3
10.22
16. 5o
17.02
17. 3í)
1744
17.59
18.07
18. i5
18. 5o
19.00
19.08
19.06
19.00
18.27
17.57
18.12
16.57
16.23
16.00
16.01
16.04
16.27
16.29
16.48
16. 5o
17.11
17.13
17.04
17.04
16. 5o
T3
6
(»8
869
1642
1697
1572
1464
1149
1188
1078
1112
1189
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1340
1226
1180
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961
945
882
1126
1100
1100
1029
1060
1319
817
659
657
495
390
395
38i
463
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21. .48
21.44
21.21
20. 58
19.58
18.32
18.23
18.59
18.22
18. 3o
18.06
17.13
19.04
18.55
17.33
18.37
17.56
18.06
17.27
17.44
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•í3
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3o.2Õ
39-41
40.37
40.11
39.55
40.00
39.52
39.00
39.53
39.54
39.39
39.05
39- 14
38.58
37.46
38.22
35.18
35.33
35.33
35.06
35.14
35.00
33.18
33.20
33.03
32.16
C3
5,ii3
3,124
5,463
5,684
5,2i5
5,189
5,299
5,290
5,3i3
5,396
5,595
Õ
£
0,619
6,C63
7,198
7.440
6,799
6,773
6,905
6,807
6,924
7,o33
5,33o
6,923
5,335
6.873
5,432
7,oí3
5,384
6,916
5,494
6.949
S,So8
7.025
5,58i
6,837
5,567
6,870
5,546
6,817
5,449
6,661
5, 61 5
6,874
6b83i
5,7594
5,793
6,o38
5,918
6,890
6,934
7,204
6,999
352
RESUMO DAS OBSERVAÇÕES MAGNÉTICAS
Localidades
Songanlic
Samba Cango. . . .
Bondo-ia Quilcsso
Ambaca
PungoNDongo..
Cabailo
Quibindj
Nhanguc (3)
Dondo
Luanda
7)
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12
^—
4-1
*->
Declinação
W. (2)
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B
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C
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7-í3
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16.17
898
/
17. 28
/
^
_
9.04
15.49
io?7
17.41
35.24
5 552
6,Si2
9.13
15.2G
731
1S.42
—
—
—
9.15
l5.20
—
1S.I9
—
—
—
g.40
15.42
1020
18. 5o
35. ?o
5,525
6,787
9.46
15.59
—
18.04
—
—
—
9.43
16.18
—
18. 3o
—
—
—
9.40
l5.12
692
—
35.15
5,296
6,486
9.40
14.30
93
19.12
36.00
5,525
6,829
8.48
i3.xo
5o
19.18
33.24
5,704
6,833
(1) Os elementos expostos sáo resultante d;is observações directas ou a media d'cs-
tas, quando par i a mesma localidade havia mais de um elemento observado.
(2) No regresso da expedição a Lisboa, determinaram-se no observatório do Infmte
D. Luiz ai: umas dcclin;'çócs magnéticas com o instrumento que para este fim tinha
servido durante a viagem, c pelo confronto d'estas com as determinadas pelos instru-
mentos do observatório, se achou a correcção a fazer aos resultados então obtidos:
correcção esta que, tendo-se agora devidamente applicado, dá origem às dilTerenças
encontradas entre as declinações magnéticas incluídas n'cstc mappa c as que foram
publicadas antes.
Este erro instrumental pôde altribuir-se á falta de concordância da linha de fé da rosa
com o eixo óptico do óculo, á impossibilidade de inverter a agulha magnética, aosattri-
ctos d'esta sobre o seu pião, etc, etc.
(3) Vendo se que este producto divergia consideravelmente das médias obtidas por
um piimeiro reconhecimento feito ás observações, talvez por causas locaes que não se
podem bem precisar, rcsolveu-sc não o incluir no trabalho da rcducção geral das obser-
vações pelo mcthodo dos menores quadrados.
A carta magnética adjunta representa o resultado d'esta reducçáo, sendo porém as
curvas da força total deduzidas dos valores da inclinação e força horisontal, járegularí-
sadas pelo methodo supra.
CAPELLO E IVENS
CARTA SSASNSTICA
I
1 .
J ■ »
subsídios para a fauna e flora
DA
AFRICA CENTRAL E OCCIDENTAL
FAUNA
DE BENGUELLA AO BIÈ-DO BEÈ A CASSANJE'
mamíferos
]'• SOREX, Sp.(?)
Colhido nas proximidades do rio Cu-bango. N. vulgar Onhunga.
2. Heliophobius argenteo-cinereus, Peters.
Dois exemplares, um de Caconda, outro do Biè. Os indígenas
d*aquella localidade chamam-lhe Oneta, e os d'esta Oguim, Vive
debaixo da terra, onde se alimenta das raizes das arvores; os
indígenas comem-o.
3. Galago Monteiri, Bartiet; Proc. Z. S., London, 1868,
p. 23 1, pi. 28.
Na collecção remettida pelos nossos exploradores Capello e
Ivens encontrámos um exemplar d'esta espécie, que já se acha-
va representada no Museu de Lisboa por diversos specimens
provenientes de outros pontos do sertão de Angola. Nem todos
concordam exactamente nas cores com o exemplar typo, que o
sr. Monteiro remettêra vivo para Londres em i8ó3 e ali fora
descripto pelo sr. Bartlet: dois exemplares de Caconda, que de-
vemos ao sr. Anchieta, têem o pello de um cinzento mais puro;
os outros são mais tintos de fiilvo, por ser esta cor a extremi-
dade dos pellos. Os indígenas de Caconda dão a esta espécie o
nome de BobOj segundo nos diz o sr. Anchieta; na etiqueta do
exemplar remettido pelos srs. Capello e Ivens vem indicado o
nome indígena Tchicafo.
' Extracto ào Jornal de sciencias mathematicas, phyticat e naturaet, num. xxvi, Lisboa,
1879. Os productos zoológicos aqui descríptos foram classificados pelo ex.'"^ sr. dr. Barbosa du
Bocage, illustre director do Museu de Lisboa. A primeira remessa fd colligida até ao Biè,
e a segunda do Biè até Cassanje.
TOL. n 13
354 FAUNA
4. Galago senegalensis, Geoff. Saint-Hillaire.
Um exemplar macho. O seu nome indígena é Catoto,
Esta e a precedente são os únicos Lemurideos que até ao pre-
sente temos recebido de Angola. Os outros exemplares que já
tinhamos de G, senegalensis são todos de Caconda, onde lhe dão
o nome de Nono,
5. Vesperus minutus, Temm. (?)
Um exemplar em álcool, e em mau estado de conservação.
6. Kerivoula argentata, Tomes; Proc. Z. S., London, 1 86 1 ,
p. 32.
Uma fêmea, cujos caracteres parecem concordar com os que
o sr. Tomes attribue a esta espécie, salvas as dimensões, que são
inferiores ás mencionadas por este auctor. No seu excellente
catalogo dos Chiropteros do Museu Britannico o sr. Dobson in-
clina-se a que a K. argentata possa ser unicamente um individua
muito adulto ou uma raça local de maior estatura da AT. lanosa,
que vive na costa sueste da Africa, do Zambeze ao Cabo. O seu
nome indigena no sertão de Angola é Ca/uen/uco,
7. Herpestes melanurus, Fraser. (?)
H./ulvescente-rufus nigro punctulatus, capite supra, dorso me-
dio caudaque rubiginosis, abdomine et artubus unicoloribus ochrã'-
ceo-rufis; cauda fere corporis longitudinem aequante, ápice late
nigro, L. /. 53o m.; corporis cum capite 280 m.; caudae 2S0 m.
Assimilha-se na conformação geral, e algum tanto nas cores,
ao Çynictis melanura, Martin, representado na estampa 9.* da
Zoologia typica de Fraser, que é hoje considerado como um
verdadeiro Herpestes com cinco dedos nos membros anteriores e
posteriores; porém faltando-nós exemplar authentico d'esta es-
pécie com que possamos comparar o nosso, não podemos affir-
mar que lhe seja idêntico. N^este a parte superior da cabeça, o
dorso e a cauda, mormente do meio para a extremidade até á
porção terminal negra, são de um ruivo ardente, avermelhado,
que não vejo indicado nas descripções que pude consultar do H.
melanurus, e de que não dá a menor idéa a estampa citada de
Fraser. Já ha annos nos tinha mandado do rio Chimba, no ser-
tão de Mossamedes, o sr. Anchieta outro exemplar de Herpestes,
que também nos parece próximo do H. melanurus e do presen-
te exemplar; mas diifere de ambos por ter a cauda sensivelmente
mais comprida do que o corpo (tronco e cabeça reunidos) e pela
FAUNA 355
muito maior extensão da côr negra na extremidade da cauda;
além d'isso a sua côr é de um ruivo mais baço e pardacento, e
n'este particular concorda melhor com a figura publicada por
Fraser do i/. melanurus.
8. Myoxus (graphiurus) murinus, Desm.
Um só exemplar idêntico a outros que já tinhamos do Duque
de Bragança e Caconda, determinados pelo professor Peters de
Berlim. \,Jom, Acad, Sc. Lisboa, num. x, 1870, p. 126.
Dizem-nos os srs. Capello e Ivens que esta espécie se encon-
tra nas cavidades das arvores velhas, e é conhecida dos indíge-
nas pelo nome de Ca/uenho.
AVES
I. Scops cAPENSis, Smith.
«Nome indígena Caculo. Olhos amarellos. Come ratos e outros
animaes pequenos.»
Concorda perfeitamente nos caracteres com os exemplares
que temos de outras localidades de Angola. V. Om. de Angola,
p. 60.
2. PiONIAS FUSCICOLLIS, Kuhl.
«Nome indígena Tchiquangue* Olhos amarellos. Come semen-
tes.»
D'esta espécie, encontrada por Andersson ao norte da terra
dos Damaras, temos exemplares obtidos pelo sr. Anchieta em
Quillengues e no Humbe.
3. PiONiAS Meyerii, Riipp.
«Nome indígena Ci//^e.»
Dos dois exemplares que recebemos, um vem marcado como
do Cassanje. Parece ser esta a localidade de Africa occidental
mais próxima do equador, onde até ao presente esta espécie tem
sido observada.
4. Dendrobates namaquus, Licht.
«Nome indígena Mangula. Olhos vermelhos.»
Os exemplares d'esta espécie que o sr. Anchieta nos tem man-
dado de outros pontos do sertão de Angola trazem nas etiqu»*
tas um nome indígena um pouco dítferente, Bangula em vez de
Mangula, o qual é indístinctamente applicado a outras espécies
de pica-paus.
356 FAUNA
5. Merops hirundinaceus, Vieill.
«Nome indígena Mutico, Olhos vermelhos. Vive perto dos rios,
e alimenta-se de insectos e outros animaes inferiores.»
Esta espécie, que Monteiro encontrara em 3enguella, foi obser-
vada no Humbe peio sr. Anchieta.
6. Gentropus monaghus, Riipp,
«Nome indígena Mucouco,*
7. Caprimulgus Shelleyi, Bocage.
«Nome indígena Huicumbamba. Olhos pretos. Come insectos.»
Contém um só exemplar d'esta espécie interessante a collec-
ção dos srs. Capello e Ivens. Comquanto deixe a desejar o seu
estado de conservação, não nos resta a menor duvida acerca da
sua identidade com os exemplares de Caconda, que considerá-
mos representantes de uma espécie inédita. V, Jorn, Acad. Sc*
Lisboa, num. xxiv, 1878, p. 266.
8. Bradyornys murinus, Hartl.
«Nome indígena Cesso, Olhos pretos.»
9. Bradyornis diabolicus, Sharpe.
«Nome indígena Mungange.»
IO. DiCRURUS DI VARIG ATUS.
«Nome indígena Mxmgange» Olhos castanho-claros.>»
11. Fiscus Capelli, nov. sp.
F, collari simillimus, vix minor, spatio ante-oculari albo. L. t,
220 m.; alae g2 m,; caudae 118 m,; rostri j6 m.; tarsi 2S m.
Vieram apenas dois exemplares d'esta espécie, um adulto com
a cauda incompleta, reduzida ás duas pennas intermediarias, e
outro completo sem indicação de sexo como o primeiro, em plu-
magem de joven. N'este, em logar da malha branca entre a base
do bico e o olho, de cada lado da cabeça, vê-se já bem distincta
uma malha de um cinzento amarellado.
Dedicamos esta espécie a um dos intrépidos exploradores a
que devemos esta valiosa remessa, o sr. Hermenegildo Capello.
Estes dois exemplares foram colhidos em Cassanje e trazem
nomes differentes, o novo Quiquecuria, o adulto Quimbimbe,
12. Prionops RETzii,Wahlb.
«Nome indígena Céella. Olhos côr de canário.»
FAUNA 357
l3. MeRISTES OLlVACEUS,VÍeÍll.
«Nome indígena Muango. Olhos amarellos. »
14. PicNONOTUS TRICOLOR, Hartl.
«Nome indígena Tumba-camlmngo.»
ib. Crateropus Hartlaubí, Bocage.
«Nome indígena Ceque. Olhos vermelhos.»
16. TURDUS STREPITANS, Smith. (?)
«Nome indígena Quissocola-lôa. Olhos castanhos. Come inse*
ctos.
Veíu um exemplar adulto. Comparado com outros spcimens
áoT, strepitans de diversas procedências, notámos-lhe as se-
guintes diíferenças: é sensivelmente mais pequeno; as regiões
inferiores são de um branco puro sem a menor tinta de ruivo
ou de fulvo; as malhas que lhe cobrem o pescoço, peito e parte
do abdómen, são maiores do que as do T. strepitans, mais con-
fluentes e estendem-se mais pela parte inferior do abdómen.
17. TuRDus LYBONiANus, Smith.
«Nome indígena Quissomda. Olhos pretos.»
18. MoNTicoLA BREviPES,Waterh.
«Nome indígena Tchicamba. Olhos castanhos. Come fructos e
insectos.»
19. MvRMECOaCHLA NIGRA,VÍeÍll.
Dois exemplares, macho e fêmea; esta cor de café e sem dra->
gonas brancas.
•Nome indígena Munhamba.n
20. Pholidauges Verreauxi, Botage.
«Nome indígena Quicé.»
21. Lamprocolius acuticaudus, Bocage.
«Nome indígena Gonve, Olhos vermelhos. Come fructos.»
22. Passer diffusus, Smith.
«Nome indígena Mussuesso*»
358 FAUNA
23. Treron calva, Temm.
«Nome indigena Bun^o, Olhos cinzentos. Come fructos.»
24. Francolinus Schlegeli, Heugl.
«Nome indigena Cambango, Olhos castanhos. Vive no mato.»
É a primeira vez que recebemos esta espécie, ainda hoje rara
nas coUecçóes da Europa; é também o primeiro exemplo da
sua captura em tanta proximidade da costa occidental. Era con-
siderada até aqui como própria de uma região assas limitada
da Africa central, onde a descobriu o celebre naturalista Von
Heuglin. A primeira descripção d'ella foi publicada por este au-
ctor em i863 no Jornal de Cabanis. (V. Jom, /. Omith., i863,
p. 275; e Heugl., Orn. N. O. A/r,, p. 898, tab. xxx.)
25. Ardea rufiventris, Sundev.
«Nome indigena Bouda, íris com dois círculos concêntricos,
um interno amarello, outro externo vermelho. Vive nos rios e
alimenta-se de peixe.»
26. Ardeola minuta.
«Nome indigena Cassoucua. íris cor de canário.»
27. EOBIVANELLUS LATERALIS, Smith.
«Nome indigena Macó. íris amarello claro, pálpebras cor de
canário, a membrana que está por diante dos olhos no terço su-
perior vermelha e no resto amarella. Encontrasse nos logares
pantanosos e vive dos animaes que encontra ali.»
REPTIS E AMPHIBIOS
1. Chameleo dilepis, Hall.
Um exemplar de Caconda, onde é \ailgar.
2. Agama armata, PeterS.
Dois exemplares também de Caconda.
3. Agama pianiceps, Peters.
Um exemplar das proximidades do rio Calae.
4. EUMECES RETICULATUS, PcterS.
Um exemplar sem indicação de procedência.
FAUNA 359
5. EUPREPES BINOTATUS, BoCagC.
Um exemplar de grandes dimensões de Caconda.
6. BoEDON QUADRiLiNEATUM, Dum. & Ribr.
Colhido no Biè.
7. Naja Anchietae, nov. sp.
tNaja haje, L. var. viridis, Poters, Monatsb, k. Akad. Berlin,
mai 1873, p. 411, tab. x, fig. i.
Tête courte; rostrale triangulaire fortement rabatue sur le de-
vant du museau et séparant presque entièrement les naso-fron-
tales; un cercle complet autour de Toeil forme par une sus-or-
bitaire, une pré-orbitaire, deux post-orbitaires et trois ou quatre
sous-orbitaires; sept labiales supérieures, dont la troisième s'arti-
cule par son bord supérieur à la pré-orbitaire ; temporales i-f2.
Dix-sept rangées d'écailles lisses sur le milieu du trone. Plaques
abdominales cent quatre-vingt-onze ; anale simple; cinquante-
quatre paires de souscaudales.
Dimensions. Longueur totale 80 centimètres ; queue 14 centl-
mètres.
Coloration. En dessus d'une teinte brun-olivâtre, plus foncée
sur les bords des écailles; en dessous jaunâtre, varie de taches
brunes. Un large coUier noir ou brun-foncé sur le cou à une
petite distance de la téte.
M. Anchieta nous envoya de Caconda, 11 y a quelque temps,
deux individus de cette curieuse espèce, qui nous semble bien
distincte de la Naja haje d'après Técaillure de la tête. Les in-
digènes de Caconda Tappelent Turulangila,
8. ECHIDNA ARIETANS, Mcrr.
Dois exemplares, um do rio Calae, outro colhido n'uma ilhota
do rio Cabindango. Chamam-lhe os indigenas Buta.
9. Monitor saurus, Laurenti.
«Nome indígena Sangoé^ rio Lu-ando.»
10. Stellio atricollis, Smith.
«Nome indigenaT^c/rico.Vive nas arvores. Come insectos.»
II. EuPREPES IVENSI, nOV. Sp.
Corps à forme cyclotetragone, allongé; membres relativement
courts; queue três longue.Téte petite, à museau court et coni*
36o FAUNA
que. Nasales en contact, triangulaires, la narine s'ouvrant près
de Tangle supérieur; supéro-nasales étroites, également en con-
tact et s*articulant par rextrémité opposée à une freno-nasale,
qui vient s'appuyer sur la première labiale; deux frénales, T^n-
térieure carrée, la postérieure pentagonale et plus grande; in-
ternasale triangulaíre à bord antérieure arrondi, en contact par
ses bords postérieurs avec les freno-nasales ; celles-ci de forme
pentagonale et s'articulant à la frontale, qui est de forme hexa-
gonale et bien développée; deux frontoparietales distinctes, á
peu près de la forme et de la grandeur des fronto-nasales; inter-
parietale en forme de fer de lance, séparant complètement Ics
deux parietales. Rostrale emboitant Textrémité du museau et
présentant en dessus deux bords concaves qui reçoivent les na-
sales ; sep habiales supérieures, les quatre premières quadrangu-
laires, la cinquième située au dessous de Toeil, plus haute et plus
allongée que les precedentes et superposée à la quatrième par
un court prolongement de son bord antérieur, les sixième et
septième de forme plus irrégulière. Ouverture auriculaire gar-
nie à son bord antérieur de trois lobules pointus. Paupière infé-
rieure écailleuse, présentant au centre un petit disque trasparent.
Scutelles digitales carénées, les écailles des paumes et des plan-
tes des pides légèrement tuberculeuses. Trente-deux rangs
d'écailles sur le trone; cdles du dos à trois carènes três distin-
ctes et rapprochées, celles des ílancs lisses.
Dimensions. Le plus grand de nos individus porte une queue
de nouvelle formation assez court ; deux autres plus jeunes Tont,
au contraire, assez longue.Voici les dimensions d'un de ces in-
dividus :
Longueur totale 290 millim.; queue 200 m.; tête i5 m.; memb.
ant. 21 m.; memb. post. 3o m.
Coloration. En dessus et sur les côtés d'un noir-olivâtre, mar-
que de cinq raies longitudinales jaunes; Tune plus large, occu-
pant le milieu du dos, de la nuque à la base de la queue, et
deux de chaque côté, dont la supérieure suit la ligne qui separe
le dos des ílancs, et Tinférieure s'étend de Touverture auriculaire
au ticrs postérieur de la queue. En dessous d un bleu clair uni-
forme.
Habitat. Nos trois individus nous ont été envoyés du Biè, dans
rintérieur de Benguella par MM. Capello et Ivens pendam le
cours de leur voyage d'exploration du Cu-ango. D'après nos har-
dis voyageurs, Tespèce y est connue sous le nom de Mtmtam-
bandonga.
FAUNA 36 I
, —
12. EuPREPES Bayonii, Bocagc.
«Sertão de Cassanje.»
i3. Onychocephalus Angolensis, Bocage.
«Nome indígena Chico-chico. Sertão de Cassanje. Vive na ter-
ra.»
•
14. LiMNOPHis BICOLOR, Gunthcr.
«Nome indígena Mw[u:ço. Rio Lu-ando.»
i5. Leptodira rufescens, Gunther.
«Nome indígena Quintadagila. Sertão de Cassanje.»
ib. Rhagerrhis tritaeniatus, Giinfher.
«Nome indígena Calombolo. Dizem que é venenosa.»
17. Philothamnus heterolepidota, Gunther.
«Nome indígena Calumberembe.»
18. Bucephalus typus. Smith. Var. D. Smith, H. S. Af.
ZooL, reptiles, tab. xi.
«Nome indígena Quilengo4engo. Tida por venenosa.»
19. Causus rhombeatus, Dum. & Ribr.
«Nome indígena Qi/i^o/o-^o/o. Venenosa.»
20. Dactylethra Mulleri, Peters.
«Nome indígena 'Pchiula.*»
21. Dactylethra Mulleri, Peters.
Um exemplar do Dombe. Nome indígena Chimboto.
22. Rana ornatissima, Bocage, nov. sp.
De la grandeur à peu-près de notre R^ temporária d'Europe.
Téte aussi longue que largue, à museau légérement prominent ;
langue large, éctancrée en arrière; deux groups de dents vomé-
riennes situes à Tangle interne des ouvertures postérieures des
narínes et separes par un intervalle ; narines à égale distance de
Textrémité du museau et de Toeil ; tympan distinct, ínférieur en
díamètre à Touverture oculaire; pas de parotides ni de plis glan-
duleux sur le dos; peau íinement granuleuse en dessus et en
362 FAUNA
dessous; membres postérieurs et orteils modérément longs, ceux-
ci reunis à la base par une petite palmure ; le quatrième orteil
beaucoup plus long que le troisième et le cinquième, qui sont
légaux; un tubercule saillant et aplati au bord interne du meta-
tarse.
Dimensions. Longueur de la tête 23 millim. ; du trone 45 m. ;
du memb. ant. 33 m. ; du memb. post. 98 m.
Coloration. II est difficile de bien faire saisir, autrement que
par une figure, le système de coloration, assez complique, de
cette belle espèce. Sur la tête, le dos, la partie moyenne des
ílancs et la face supérieure des jambes règne une teinte d'un
vert-clair que le séjour dans Talcool tend à changer en gris de
plomb ; les ílancs, une partie de la face latérale de la tête et le
bord externe des extrémités sont d'un rose-lilas; les régions in-
férieures sont d'un jáune-verdâtre, qui prend sur Tanus, la face
postérieure des cuisses et la face interne des jambes un ton plus
vif et ocracé. Des taches nombreuses, variées et symétriques,
d'un noir profond se montrent sur le dos et les ílancs, à la face
dorsale des membres et sur la gorge ; telles sont : une large ban-
de partant de Textrémité du museau, traversant Toeil et termi-
nam sur Tangle de la machoire après avoir contourné le tympan,
qui est aussi noir: deux taches allongées formam chèvron sur
le milieu du dos derrière la tête, suivies plus en arrière d une
autre paire de taches allonguées ; des taches variées sur les ílancs;
des taches et des bandes transversales sur les membres; eníin sur
la gorge une tache allongée, au centre, et deux de chaque côté
formem un dessin três caractéristique. Les paumes et les plan-
tes des pieds noirâtres.
Habitat. L'individu unique que nous possédons de cette espèce
a été recueilli au Biè par MM. Capello et Ivens.
23. Phrynobatrachus Natalensis, Smith.
Dois exemplares do Biè.
24. Hyperolius citrinus, Gunther.
Do Biè.
25. Hyperolius Huillensis, Bocage.
Do Biè.
26. Bufo Guineensis, Schleg. (?)
Um exemplar novo do Biè.
FAUNA 363
PEIXES 1
Fam. LABYRINTHICI— Genus Ctenopoma, Peters.
1. Ctenopoma multispinís, Peters; Gthr., Cat. Fishes Brit.
Mus., vol. III, p. 373; Peters, Mossamb. Flussfiche, p.
16; Gthr., Ann. & Mag. Nat. Hist., vol. xx, p. iio.
Dois specimens: a. Comprimento total 100 millim.; b. Com-
primento total 78 millim.
Fam. CHROMIDiE— Genus Chromis, Cuv.
2. Cromis Mossambicus, Peters; Gthr., Cat. Fishes Brit.
Mus., vol. IV, p. 268.
Dois specimens: a. Comprimento total 80 millim.; b. Com-
primento total 88 millim.
3. Chromis Sparrmanni, Smith; Gthr., Cat. Fishes Brit.
Mus.^ vol. IV, p. 269.
Concordância completa com a descrípção do dr. Gunther, ex-
cepto no numero de espinhos dorsaes, que n'este specimen é
i5 em vez de i3 ou 14.
Um specimen, comprimento total 88 millim.
Genus Hemichromis, Peters.
4. Hemicromis robustus^ Gthr.; Proc. Z. S., London, 1864,
p. 3l2.
Um specimen, comprimento total 82 millim.
5. Hemicromis Angolensis, Steind. ; Mem. Ac. Sc. Lisbon,
i865.
Um specimen, comprimento total 90 millim.
Habitat. Rio Cu-anza. Nome vulgar, Moaca.
' Extracto do Jornal de sciencia» mathemaiicat, phyticat e naturaet, num. zxx, Lisbot,
1881 . Foram classificados no Museu de Lisboa pelo ex."® sr. António Roberto Pereira Guima-
rfies, naturalista adjunto.
364 FAUNA
Fam. SILURIDAE— Genus Ciarias, Gronov.
6. Claria anguillaris, Linn.; Gthr., Cat. FishesBrit. Mus.,
vol. V, p. 14.
Dois specimens: a. Comprimento total 20 cent.; b. Compri*
mento total i2,5 cent.
Habitat. Rio Cuito. Nome vulgar Ébande.
Fam. MORMYRIDiE— M)rm^ru5, Gthr.
7. MoRMYRUs Lhuysi, Steliid.; Steindachner, SB. AkWien
1870, LXi, p. 553, tab. 2, fig. 3, Senegal.
O specimen único que temos á vista assimilha-se muito ao
Mormyrus Lhuysi, Steind., não só na forma geral do corpo e
suas dimensões relativas, mas também no systema de coloração ;
diífere porém no numero de espinhos e de escamas.
Assim, o dr. Steindachner n'um specimen do Senegal achou os
seguintes números:
P— 14, D— 20, A— 28, L. lat. 48
emquanto que a formula do exemplar depositado no Museu
de Lisboa é :
P— 10, D— 25, A— 33, L. lat. 53
Um specimen, comprimento total 85 millim.
Habitat. Rio Lu-ando — Nome vulgar Dembe,
Fam. CYPRINIDiE— Genus Barbus, Gthr.
8. Barbus Kessleri, Steind.; Gthr., Cat. FishesBrit. Mus.,
vol. VII, p. 107.
Um specimen, comprimento até á origem da cauda 97 millim.
Ainda nos restam quatro specimens por descrever, um do género
Ctenopoma e três do género Barbus, mas faltam os elementos de com-
paração para o seu estudo.
FAUNA 365
INSECTOS 1
HYMÉNOPTEROS
APIDJE
1. Apis Adansonii, Latr.
Apis Adansonii, Latr., Ann. du Mus, d*hist. nat, v, p. 172, n.« 6.
Apis scutellata, Lep., Hist, nat d. Hym,, i, p. 404.
Apis melMfica, var, Gerst., Insekt. v. Mossamb! p. 439.
a.— c.
2. Anthophora flavicollis, Gerst.
Antkophora flavicollis, Gerst., Insekt, v. Mossamb, p. 445, pi.
XXIX, íig. 5.
a. $. long. corp. i5 millim.
3. Antrophora atrocincta, Lep.
Anthophora atrocincta, Lep., Hist, nat, d. Hym,, n, p. 35.
a.
4. Xylocopa nigrita, Fab.
Xylocopa nigrita, Lep., Hist, nat, d, Hym,, ix, p. 179; (J) Gerst.,
Reis. in Ost-Afr,, p. 314.
a.-?
5. Xylocopa combusta, Smith.
Xylocopa combusta, Smith., Cat, Hym, Ins., p. 35o.
a.
6. Xylocopa inconstans, Smith.
Referimos a esta espécie um exemplar colhido pelos srs. Ca-
pello e Ivens, porque, apesar de não conhecermos a descripçao,
comparámol-o com outro mandado para o Museu de Lisboa pelo
sr. Anchieta, e classificado com este nome, e vimos que ditfe-
ria unicamente em ter pellos amarellos na parte posterior e nos
lados do thorax, bem como no primeiro segmento abdominal;
emquanto que no exemplar do sr. Anchieta estes mesmos pel-
los são brancos.
a. $. long. corp. 33 millim.
' O trabalho que apresentámos sobre insectos d.TemoI-oao ex.*° sr. Alberto Girard, na*
turalista adjunto do Museu de Lisboa.
366 FAUNA
7. Xylocopa calens, Lep.
Xylocopa calens, Lep., Hist nat d. Hym., 11, p. 196. J
a.?
VESPID^
8. EUMENES TINCTOR, Christ.
Eumenes Savignyi, Guérin, Icon. rég, anim. Ins., pi. 72, fig. 4,
Eumenes tinctor, Gerst., Reis, in Ost-Afr., p. 32 1.
a.
9. Belonogaster, sp. (?)
a.
CRABR0N1D.£
10. Hemipepsis vindex, Smith.
Mignimia vindex, Smith, Cat. Hym, Ins,, iii, p. 186. (Ç)
Hemipepsis vindex, Gerst., Reis,, in, Ost-Afr,, p. 327.
a. $ long. corp. 37 millim.
11. Priocnemis, sp. (?)
a.-?
12. Ammophila ferrugineipes, Lep.
Antmophilaferrugineipes, Lep., Hist, nat. d. Hym., in, p. 383. (Ç)
a.(?)
l3. SCOLIA CYANEA, Lcp.
Scolia cyanea, Lep., Hist. nat. d. Hym., ni, p. 525 {$)\ Gerst.,
Insekt. V. Mossamb., p. 494.
a.-?
FORMICID.C
14. Paltothyreus pestilentia, Smith.
a.
i5. Ponera, sp. (?)
a.
16. Formiga maculata, Fabr.
Formica macuta,\Lep,y Hist. nat, d. Hym.y i, p. 2, i5; Gerst.,
Insekt. V. Mossamb., p. 509.
a.
FAUNA 367
CHRYSIDIDiE
17. Stilbum splendidum, Fab.
Stilbwn splendidum, Lep., Hist nat. d, Hym,, iv, p. i5; Gerst.,
Insekt. V. Mossamb., p. 519.
a.— 5. Long. corp. 11 millim.
DIPTEROS
TÀBÀNID^
I. Tabanus exclamationis, nov. sp.
Muito próximo do Tabanus longitudinalis, Lew. (Insekt v.
' Mossamb., p. 2). Cabeça branca, olhos bronzeados com facetas
muito pequenas, intervallo entre elles largo, com duas callosi-
dades vermelhas dispostas em (!) face guarnecida de pellos bran»
cos inferiormente, tromba de um pardo escuro, palpos brancos,
antenas rosadas, primeiro e segundo articulo guarnecidos de pel-
los brancos e alongando-se para cima n'uma ponta negra (o ter-
ceiro falta em todos os exemplares), thorax rosado por cima,
sendo quatro riscas pretas muito approximadas, fazendo quasi
desapparecer o fundo por baixo de uma cor azulada; abdó-
men cónico, começando a estreitar no terceiro segmento, tão
comprido como a cabeça e o thorax reunidos, amarello, sem
pellos, tendo uma linha dorsal castanha, occupando um terço da
largura, tendo no meio e a cada segmento um signal triangular
branco, com um angulo voltado para a base, guarnecido de preto
no segundo segmento, e não existindo no primeiro e no ultimo
e tendo (o abdómen) uma risca lateral estreita da mesma côr
que a dorsal começando no segundo ou terceiro segmento. De-
ve-se notar que emquanto a côr do fundo se torna mais clara
para a extremidade do abdómen, as riscas escurecem, o que faz
com que o ultimo segmento seja quasi preto; ventre amarello, com
as margens lateraes esbranquiçadas, meio dos dois últimos se-
gmentos preto; coxas cinzentas com alguns pellos brancos, abun-
dantes na base; tibias vermelhas; tarsos negros por cima, ver-
melhos por baixo; azas transparentes; nervura costal preta, as
outras castanhas.
Long. corp. 16 a 17 millim, Exp. ai. 34 millim. a.
FAUNA
Julgímoa ao principio que os nouos exemplares se referiam
BO T. longitudinalis, Loew; mas lendo attentamente a descri-
pção, parece^nos, se a comprehendemos bem, que o desenho do
thorax e do abdómen é completamente diãerente, assim como
B cãr geral, o que julgámos bastante para separar as duas es-
pécies.
Os Lépidopteros acham-se representados por alguns «fotir-
reaure" de Leyortas, da família Psychidce. São formados por
uma reunião de ramos seccos e delgados, dispostos longitudi-
nalmente e que cobrem e protegem um casulo de seda em que
se acha a lagarta. Monteiro na sua obra sobre Angola dá d'es-
tes casulos uma figura exacta (V. Angola and lhe river Congo
by J.J.Monteiro, London, 1875, vol.n,p. 295, pL xvi, fíg. da es-
querda}.
NÊVHOPTEROS
, Palpares caffer (?), Burm.
Um único exemplar estragado.
ORTHOPTEROS
O sr. D. Ignacio Bolívar publicou ha pouco um trabalho notá-
vel sobre os Orthopteros de Angola que se acham no Museu de
Lisboa, e estudou ao mesmo tempo os exemplares dos srs. Ca-
pello e Ivens.
É este trabalho que transcrevemos aqui, não entrando em
nada, como se vé, o nosso estudo'.
1 . Camoensia ínsignis, Bolívar,, nov. sp.
Jom, SC. math. phys. nat. num. xxx, p. 1 1 1, n.* 18.
Cu-ango (Capello e Ivens).
2. ACRIDIUM TARTARICUM, Litl.
Acridium tartaricnm. Bolívar, loc. cit., p. 112, n.' aa.
Cu-ango (Capello e Ivens).
Vcja-M Jornal dat K
FAUNA 369
HEMIPTEROS
HÉTÉROPTERA
I. SpHíErocoris p^xiLLS, Dallas.
Sphcerocoris pcecilus, Dallas, List. of Hé^nip. insect. in thecolL
ofthe Brtt. Mus., 1, p. 9.
a. b.
2. C(ENOMORPHA NERVOSA, Dallas.
Ccenomorpha nervosa, Dallas, loc. cit., i, p. 192.
a. d.
3. Phillocephala plicata, Reiche et Fairm.
Phillocephala plicata, Reiche et Fairm., Voy. eti Abyss,, iii, p.
447; At. Zool, pi. 29, fig. 2.
a.~?
4. Petascelis, sp. (?)
a.— í
5. MicTis HETEROPus, Latr.
Miciis heteropus^ Schaum., Insekt, v. Mossamb., p. 41.
a.— <J
6. Platimeris guttatipennis, Stal.
Platimeris guttatipenis, Stal. Ofvers, Velensk Akad, Filrrha"
nell, XVI, p. 188.
' a.
7. ACANTASPIS, sp. (?)
a.
8. Appasus, sp. (?)
a.
9. Laccotrephes grôssus, Fab.
Nepa grossa, Amyot. et Serv., Hist. nat, d, ííém,, p. 440.
a.
TOL. n S4
3,0
IO. Laccotrephes BRACHiALis, Gcrst.
Laccotrephes brachialis, Gerst., Reis. in Osl-Afr., p. 421.
li. Belostoma Algeriense, Duf.
Belosíoma Algeriense, Duf., Mént. soe. roy- d. se. de Liége, v.
p. 186, pi. I,
Hydrocyrius herctileus, Gerst., Reis. in. Ost-A/r., p. 423.
a.— c. Long. total. 65 milUm. Larg. 27 millim.
HOMOPTERA
1. Platypleura Capensis, Lin.
Platypleitra Capensis, Amyot. et Serv., Hist. nal. d. Hètn., p. 46b
n.* 3.; Walker., List. o/Homopt. Ins. Brit. Mus., 1, p. 3.
a.-J
b.-S
2. Platypleura, sp. (?)
a.— c.J
d.-S
Os srs. Capello e Ivens reuniram na sua viagem um certo nume-
ro de plantas, que, enviadas para a secção botânica do Museu Na-
■ cíonal, foram encorporadas nos herbarios. Provém todas estas plan-
tas, com excepção de um pet^ueno numero coUigido nas terras baina!
do Dombe, da região elevada do plan'aIto da Africa austral, de Cacon-
da, Biè e do caminho entre estes dois pontos.
O dr. Welwitsch havia já penetrado n'essa região e explorado umí
parte do plan'alto da Huilla, e de sua detida investigação feita com uir
fim exclusivamente botânico resultou o reunir uma magnilica coUec-
çâo de exemplares que hoje se acham pela maior parte estudados <
determinados. Os dois recentes exploradores não podiam dedicar to-
dos os seus cuidados á botânica; occupados de muitos e importante!
assumptos, só incidentemente colligiram algumas plantas. É no emtan-
to muito interessante a collecçáo que formaram. Penetrando na ele-
vada rcgtáo central, mais ao norte c muito mais profundamente d(
que havia feito Welwitsch, tiveram occasião de visitar terrenos cu)i
ilora era até hoje absolutamente desconhecida.
FLORA 371
Sc a esta collectjão juntarmos impoitantes remessas que de Cacon-
da tem enviado o sr. Anchieta, o qual, já conhecido como admirável
collector zoológico, se mostra agora collector botânico não menos
zeloso e intelligente, e alguns exemplares reunidos pelo sr. Serpa Pin-
to nas margens do rio Ninda, veremos que as recentes viagens feitas
pelos portuguezes, tão importantes sob outros pontos de vista, for-
necem também um contingente valioso para o conhecimento da vege-
tação africana.
Todas estas plantas serão successi vãmente estudadas e descriptas
em memorias especiaes, tendo eu tido a subida vantagem de collabo-
rar n'este trabalho com o sr. W. P, Hiern, botânico notável e particu-
larmente versado- na Hora tropical africana.
O exame definitivo d'estas plantas é necessariamente demorado,
sendo necessário comparal-as com os specimens conservados em vá-
rios museus da Europa, e por isso só posso dar agora algumas notas,
resultado de uma primeira revisão feita pelo sr. Hiern e por mim, e
destinadas a dar apenas uma idéa da importância da collecção reuni-
da pelos srs. Capello e Ivens.
Contém esta collecção proximamente cento e quarenta espécies di-
versas, representadas na maior parte por exemplares que as tornam
susceptiveis de rigorosa determinação, e que, á parte algumas correc-
ções que um exame mais detido levará a fazer, se distribuem pelas fa-
mílias naturaes do modo seguinte:
Ranunculacp:ak. — Algumas espécies do género Cleinatis, uma das
quaes é porventura nova.
Menispekmaceae. — Uma espécie do género Stepliania.
NiMPHAEACEAE.— Uma cspccie do género Nyiufhaca, proveniente
do Cubango.
Capp.vridaceae. — Uma espécie de Cleome.
PoLVíiAi.EAE. — Espécies do género Polygala, e uma do género Sc-
curidaca.
Malvaceae. — Espécies dos géneros Sida e Hibiscus. As grandes
malvaceas, como, por exemplo, o imbondeiro, não existem a grandes
altitudes. De Quilengues para cima é muito raro, e a 1:000 metros des-
apparece completamente, segundo uma nota dos exploradores.
T1LIACEAE. — Uma espécie de Triumfetta.
Malpighiaceae.— Uma espécie de Sphedamnocarpus.
OcHNACEAE.— Uma espécie de Ochna, talvez inédita.
Meliaceae.— Uma espécie de Ekeber^ia.
Ampelideae. — Espécies de Vitis. Uma d'estas que se encontra com
frequência, e a que os indigenas dão o nome de Quinjuanjua, produz
um fructo comestível e que serve a preparação de uma bebida fermen-
tada.
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372 FLORA
Anacardiaceae.— Uma espccic de Khus.
Leguminosae. — Espécies dos géneros Crotalaria, índigo/era, Tc-
phrosia, Sesbauia, Hermimera, ^Eschynomene, Erythrina, Eriosetiia,
Swart:{ia, Cássia,, Bauhinia, Brachystcgia, e Acácia. As espécies de
Urachystegia provém do Dombe, e formam ahi a base das florestas
atravessadas pelos exploradores. A Hcrminiera foi colhida na mesma
regiáo, e sem duvida nas margens de algum rio.
RosACEAE.— Uma espécie de Parinariunu
Melastomaceae. — Espécies dos géneros T^issotis e Antherotoma.
■j ' Samydeae. — Uma espécie, que provavelmente pertence ao género
! Homaliwn.
Passiflorp:ae. — Uma espécie de Paropsia, provavelmente nova.
Ccci:rbitaceae. — Uma espécie, que provavelmente é do género Ze-
hneria. Exemplar muito imperfeito.
Umbellikerae. — Exemplares pouco completos, parecendo perten-
cer aos géneros Foeniculum e Canmu
Rubiaceae. — Espécies dos g(:Tn:vos Mitssaenda, Oxyanthus, Trycalv-
sia, Vangiteria, Fadogia, Ancylanthas, Gnanilca e Spettiiacoce,, sendo
algumas d'estas espécies muito interessantes e sem duvida novas.
C0MPOSITAE. — Espécies dos géneros Ventania, Cony':fa, Hclichry-
stnu, Aspilia, Coreopsis, Bidens, Emilia, Bo'kheya, Pleioíaxis, e ^iat-
ma, algumas das quaes são inéditas.
Ebenaceae. — Uma espécie de ^iospyros, e uma de Euclca.
Asclepiadeae.— Espécies do género Asclepias.
Gentianeae. — Uma espécie do género Chironia.
Solanaceae. — Uma espécie de Daiura.
Scrophularineae. — Espécies que parecem pertencer aos géneros
Striga e Sopubia.
Pedalineae.— Uma espécie de Sesamothamr.us,
Acanthaceae. — Espécies de Barleria.
Verbenaceae. — Espécies dos géneros Lantana, Vitex e Clcrodendron.
Labiatae. — Uma espécie de Tinnea.
P0LYGONACEAE. — Uma espécie de Polygonum.
Proteaceae. — Exemplares imperfeitos, parecendo pertencer a esta
familia.
Thymaeleaceae. — Espécie de Gnidia e Lasiosiphon, que é provavel-
mente nova.
EupHORBiACEAE.— Espccics dc BridcUa, Phyllanthus, Manihot, Aca-
lypha e Ricinus,
Orchideae. — Uma espécie provavelmente do género Habenaria.
Irideae.— Espécies de Gladiolm e de Moraea, algumas das quaes
são provavelmente novas.
S.MiLACEAE. — Uma espécie de Smilax.
ri-ORA 373
LiLiACEAE.— Espécies de Asparagus e de Btãbinc..
Cyperaceae.— Espécies de Çypents,
Gramineae. — Espécies, entre outros, dos géneros Panicwn, Andropo-
gon e Eleiísine.
FiLiCEs. — Espécies em pequeno numero, quatro apenas.
Esta lista, resultado de uma primeira e muito rápida revisáo, está
sujeita avarias correcções e alterações; pôde no emtanto dar idéa do
valor e interesse da collecçáo. No trabalho definitivo serão aproveita-
das as notas, sobre nomes vulgares e usos de algumas d'estas plantas,
que acompanhavam os exemplares e muito interessam a sciencia.
Lisboa, junho de 1881.= Cow^íe de Ficalho,
^
DIALECTOS DIVERSOS
375
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DIALECTOS DIVERSOS
PRONOMES EM SEIS DIALECTOS AFRICANOS
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VÓS
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Jeei . . .
N'andt.
Btífo. . .
Behenu.
Báo, Ba-bonse
k-na.
Runa
Quim
Quibona
Oanò . .
Guiohé.
Vona-luíi
DECLINAÇÃO DOS PRONOMES DA LÍNGUA NBUNDA '
— emè.
INom.
Gen. — ia-mò.
Dal. — cu-mè.
Ahl. -mi.
íNom. — eií.
iGen. — i-È ou ri-t.
Segunda Jij^j_ „cu-i-è.
pessoa Ivoc.-ekM
[Abl. — e, iè.
(Nom.— enè ou munÈe
TercsiralGen. ~oÈ ou iè
pessoa jDat. — cu-ène
Abi.
-Ètu.
(Abl.
-oèo
iè
Nom. — Ènu.
Gen. — i-ènu.
Dat. — cu-èmi.
Voe, — enuÈ!
Ab!. — ènu.
Nom. — ène.
Gen. — iènc.
■muÈne Dat. — cu-Ènc.
Abl. —Ène.
CONJUNCÇOES
E— Né. Que— Na. Também — Oé.
De dor -Ail
De admiraçáo-Ao-ah! E-o
Deafflieçáo..-Ai-0-è!
De espanto. .-Hé!
De dar, espanto, etc, .-Mame!
De silencio -T'chibi
Para applaudir -Qui-o-a
Para chamar -Chè!
VOCABULÁRIO N^BUNDA
Abaixar, cu-butalala, cu-butama.
Abalar, cu-cumuna.
Abalroar, cu-balacanha.
Abanar, cu-buquirila.
Abcesso, qui-jimbo.
Abelha, n'hique.
Abelhas, ji-nhique.
Abóbora, ri-nhango*.
Aborrecer, cu-zemba.
Abortar, cu-secula.
Abraçar, cu-ribubala.
Abraço, n'dando.
Acabar, cu>azuba, cu-assuca,cu-bua.
Acabou-se, iabo (quando o sujeito
é masculino ou feminino), cu-abo
(quando é neutro); bu-abo, signi-
fica acabou-se aqui, mu-abo quan-
do se trata de cousa contida em
um vaso.
Accender, cu-bia, cu-uica.
Achar, cu-aquimona, cu-sanja.
Acompanhar, cu-batessa.
Acordar, cu-toma.
Acostumar-se, cu-irila.
Adiantar-se, cu-rianga.
Adivinhar, cu-suma.
Adoecer, cu-cata.
Afastar, cu-songoloca.
Afogar-se, cu-fua-mu-menha.
Agradecer, cu-tondela.
Agua, menha.
Agua doce, menha-matome.
Agua salgada, menha-malula.
* Ri ou li índistinctamente pronunciado.
Águia, n*jinji.
Ajudar, cu-cuatessa.
Ajuntar, cu-cula, cu-bongolola.
Alegre, leia.
Aleijado de nascença, n'gonga.
Aleijado por moléstia, n'mana.
Aleijão, qui-nema.
Algodão, mujinha.
Aloés, quicalango.
Altercar, cu-richinga.
Alto, leba, zangura.
Alumiar, cu-muica.
Amadurecer, cu-bia.
Amamentar, cu-amuissa.
Amanhecer, cu-cuaque.
Amante, n'bassa.
Amargo, lula.
Amigo, ri-camba.
Ancião, qui-culacaje.
Andar, cu-enda.
Andar depressa, cu-longa.
Andar devagar, cu-riomba.
Andorinha, piápia.
Animal, qui-ama.
Anno, muvo(?)
Anoitecer, cu-lembeca.
Apagar, cu-jima.
Apalpar, cu-babata.
Apanhar, cu-bonga.
Apertado, colo.
Apertar, cu-colessa.
Apontar, cu-riquiza.
Approximar-se, cu-sueta e cu-zu-
cama.
Aprender, cu-rilon^a.
Aquecer, cu-temessa.
Ar, mulenghe.
Aranha, qui-jandanda.
Arco-iris, congolo.
378
VOCABULÁRIO
Arder, cu-t'chichima.
Areia, qui-sequele.
Arma, uta.
Arrancar, cu-catula.
Arrecadar, cu-luca.
Arregaçar, cu-zacula.
Arriar, cu-tuluca.
Arvore, mu-lemba (?)
Aspirar, cu-fenta.
Assar, cu-ribia, cu-zuza,
Assentar-se, cu-t'chicama.
Assoar-se, cu-bemba.
Assustar, cu-atucumuca.
Atar, cu-cuta.
Atirar, cu-tacula.
Atmosphera, cu-cama (?)
Atravessar, cu-cangalala.
Atraiar-se, cu-n'guenica.
Atrever-se, cu-buma.
Atrevido, mucu-an^ganje.
Atrevimento, n'ganje.
Aturar, cu-amburila.
Aurora, cú-guia.
Avarento, ca-cória.
Ave, ii'jila.
Avistar, cu-amutala-
Avô ou avó, cuco.
Aia, ri-zaza.
Azas, ma-zaza.
Azedo, r.'gangama.
Azeite, maji.
Azeite de dendem, maji-ma-dendé.
Azeite doce, maji-ia-puto.
Azeite de rícino, maji-ma-mono.
B
Baba, zeza.
Babar, cu-riuzila.
Bacia, ri-lo nga.
Baço, candjila.
Baile, n'gon)a.
Baixo (adjectivo), abulo.
Banana, ri-conjo.
Bananeira, ma-conjo (?)
Banhar- SP, cu-rissulula.
Banquete de carne humana,
congo ou di-congo.
Bao-bab, imbondo-
Barba, muezo ou olonjeri (?)
Barrete, cajinga.
Barriga, ri-vumo.
Barroca, ri-cungo.
Basso, mu-toto.
Bastão, m'bassa ou m'bassi.
Bater, cu -bunda.
Bêbado, cólua.
Beber, cu-nua.
Beiço, mu -zumbo.
Beliscão, qui-n'fonjo.
Beliscar, cu-jangona.
Bel lo, euába, uába.
Bexiga, qui-sut'chÍno.
Bexigas (variola), quin'gongo.
Bezerro, mona-ia-n*gombe.
Bico, mu-sungo.
Boba, qui-tanga.
Boca, ri-cano.
Boçal, mu-zenza.
Bofes, n'zalazala.
Bofetão, hutche.
Bofetões, ]i-hutche.
Boi, n'gombe.
Bom, m'bote.
Borboleta, qui-ml>iámbia.
Borbula, bulo.
Borrifai, cu-sassa.
Bosque, mu-chito.
Bracelete, ma-lunga.
Braço, qui-cuaco.
Branco (adjectivo), izela.
Branco (homem), mu-n'delc.
Branco (plebeu), ca-n gundo.
Brando, lenduca.
Bravo, tema.
N BUNDA
•»
Hraza, ri-cala, ri-tubia.
Hrazas, ma-cala, ma-tubia.
Brigar, cu-zoca.
Brincar, cu-toncca.
Brinco ^adorno), qui-n gucrcnguéle.
Buraco, ri-zungo.
Buscar, cu-tocana, como synonymo
de trazer; cu-sóla, como synony-
mo de procurar.
c
(Jabaça, ca-binda.
(Cabeça, mú-tuc.
Cal>cllo, n'demba.
Cabo, m'binhc.
Cabra, n'combo.
Caça, n'hanga.
Caçador, ri-nhangá, ri-cong.).
Caçar, cu-losa, cu-nhango.
Cadeado,- ri-cumba.
Cadeia ou corrente, ri-bambo.
Cadeira, qui-alo.
Cadeira de bambu, n*benza.
Cair, cu-ribala, cu-nóca.
Calar a boca, cu-richiba.
Calcar, cu-bata, cu-banda.
Calcular, cu-ricanda.
Caldo, mu-zongué.
Calor, n'tema.
Calva, ri-bala.
Cama, ri-londe.
Camaleão, ri-mugucna.
Caminho, njila, coca.
Campo, ri-canga.
Cânhamo, ri-amba ou li-amba.
Canoa grande, dongo.
Canoa pequena, qui-m'bola.
Cansado, n'buila.
Cansar-se, cu-buila.
Cantar, cu-imba.
Cantiga, mu-imbo.
Cão, imboa.
Capim, iango.
Capinar, cu-combcla.
Capital, n'banza.
Cara, n'polo.
Caranguejo, qui-ala.
Carabana, qui-buca.
Careca, ri-bala.
Carga, m'bamba.
Carne, t'chit().
Carneiro, m'buri.
Caroço, n'tendo.
Carrapato, ri-bata.
Carregar, cu-ambata, cu-loga, cu-
tuta.
Carvão, ri-cala.
Casa de palha, cubata.
Casa de pedra, lumbo.
Casar, cu-socana (?) Este verbo tam-
bém significa trabalhar, mas so-
mente trabalhos domésticos, de
mulher casada.
Casca de arvore, qui-bato.
Casca de fructo, qui-ango.
Caspa, qui-biache.
Castigar, cu-beia, cu-muba.
Cauda, mu-quila.
Cavacos, jibato.
Cavar, cu-canda.
Caximbo, mpciche.
Cego de nascença, qui-Iembo.
Cego por moléstia, qui-fofo,
Ceremonia, n'sonhe.
Certo, leno.
Cesto, qui-nda.
Céu, iulo.
Chamar, cu-ambela, cu-cola.
é
Chamma, qui-lecuca.
Chegar, cubichila, cu-zucama.
Chegar (na accepção de ser bastan-
te), cu-atena.
Chegar-se, cu-suela.
Cheia, izala.
I
Clit'ir;ir, cu-fcnha.
Cheiro, ri-zumba.
Chibo (cabrito), n'coinbo.
Chifre, n'guela.
Chorar, cu-rila. (Este verbo expri-
me também o grito de todos os
animaes.)
Chover, cu-noca,
Choviscar, cu-sucomuca.
Cho visco, suco-suco.
Chuço, mu-songo.
Chupar, cu-l 'chiba.
Chuv;
'vula.
Cigarra, m'bangarnla.
Cinto, n'ponda.
Cintura, canho nga (?)
Cinza, otucua.
Circumcisão, saia.
Circum cisar, cu-sáia.
Ciúme, ri-fuba.
Clarear, cu-n'zcla.
Claro, n'zcla.
Cobra, nhoca.
Cobre, londu.
Cobrir, cu-futu.
Coçar, cu-asa.
CocOga, hugota.
Cola (fruclo), ri-tjueso.
Colher, n'guto.
Começar, c«-mateca-
Começou o luar, m'begcia tctama.
Comilão, qui-riacaje.
Commercio, uendji.
Compatriota, mu-cuache.
Compor-se, cu-ricotecn (fallando de
lollclte).
Comprar, cu-sumba, cu-senga.
Comprido, seba.
Coiiiprimentar, cu-menequena.
Comprimento (medida), cu~Ie1ia.
Concha, qui-quesse.
Concha (moeda do Congo}, n'jimbo.
er
Conhecer, cu-ijia.
Conselheiro, n'pung:i-
Consentir, cu-amhurila.
Consorte (feminino), mu-ca
Consorte (masculino), mu-li
Contar, cu-tanga. (Este v*
gnilica também
rar.)
Capado, nzanda.
Coração, n'/undo.
Corda, mu-cólo-
Cordão, qui-bo.
Applica-se igualmente ao c
umbilical.
Coroa, qui-landa.
Correr, cu-lenga, cu-songueln
Cortar, cu-batula.
Coruja, ca-coco.
Coivo, qui-lombc-lomhe-
Coser (a costura), cu-tunga.
Costas, ri-cunda,
Costellas, m'banje.
Costume, quifa.
Cotovelio, qui-pomuna.'
Couro, qui-ba.
Cousa, qui-ma.
Cova, ri-cungo.
Coxa, ri-catacaia.
Coxear, cu-tcngunha.
Cozitihar, cu-ulamba.
Creança, n 'dengue.
Crear, cu-sassa.
Creoulo, buchilo.
Crepúsculo, n'guióchc.
Crer, cu -t 'chicana.
Crescer, cu-cula.
Crime, qui-iuchc-
Crista, qui-coacoa.
Criticar, cu-iongolola.
Crocodilo, n'gando.
Cuidar, cu-fica.
Cultivar, cu-rima.
Cunhado, n'u(.Te.
Cunhados, ji-uyrt.
Curandeiro, *]ui-n'l'anda.
Curral, qui-búDga.
Curto, buto.
Curvar-sc, cu-bolama.
Cuspir, cu-tamatc.
D;ir
, qui-i
, cu-quina, cu-hc-k-hi.
Dansiir (batuque;, cu-stinba.
LWr cu-ubana.
);ir nó, cuta-ribumbo.
IX-do, mu-!embo.
Dcltar-se, cu-zcca, cu-zcndalalu.
Dtixar, cu-ambula, cu-rechiisa.
Deixar pass;ir, cu-bitcssa.
Dente, ri-jo.
Dentes, ma-jo.
Depositar, cu-tula.
Derradeiro, suquínína.
Desagradar, cu-ibila.
Desatar, cu-ji[una>
Desbocado, qui-sebuisso.
Descansar, cu-nhoca.
Descansar a carga, cu-tula.
Descarregar, cu-longorola, cu-tu-
Dcscascar, cu-tela.
Descer, cu-toluca.
Descobrir, cu-rirolumunu.
Desdobrar, cu-futumuna.
Desfazer, cu-sangumuna.
Desgostar, cu-zemba.
Desgraça, cu- 1 "chichi ma, lamba.
Desmanchar, cu-bula, cu-sangumu-
Despedir, cu-zula.
Despedir-se, cu-t'chakssn.
Despejar, cu-lund ulula.
Desperto, chichc.
Desprender-se, cu-sutumuca.
Destinar, cutchinda,
Hestruir, cu-jimonuna.
Deus, n"zambi,
Dc\'astar, cu-bunda.
Dever, cu-Jeva!a.
Diarrhea, m a la-m anhinga.
Dinheiro, qui-tqre.
Dinheiro de conchas, njimbo.
Direito, Julama.
Disirahir-se, cu-laleca.
Diurno, ia-luanha.
Dividir, cu-uana.
Dizer, cu-amba.
Dobrar, cu-bunjica.
Doce, tola, toalela.
Dócil, lenduca.
Doença, cu-cata.
Doende, cu-zumbi.
Doente, ache, ucate.
Poer, cu-cata.
Dono, mu-áre.
Dor, n "gongo.
Dormir, cu-zeca, cu-lambarala.
Duro, colo, colocota.
Duvida, pata.
Duvidar, cu-cachicana.
Dysenteria, mala.
Echo, cu-dumina.
Elephantc,n'zamba.
Elogiar, cu-ch imana.
Embora, maie, mê.
Emprenhar Cverbo neutro), c
límprcnhiir (verbo ;ictivo), cu-cmc-
EscHpto, mu-canda.
linu.
Escuridão, cumuda.
Kmpurrar, cu-t'chiiigiiicc-
Escuro, n'vundo.
Knciílhiir, cu-cuúcií.
Escutar, cu-bulacana, cu-ivi
lOncíintiimcntfi, ()ui-liuis:i.
Esfolar, cu-tala.
KiichtT, cu-izalfssa.
Esfregar, cu-t'chissa.
Encolher, cu-riconhii, cu-cutec;i, cu-
Esfriai-, cu-talala.
cunana.
Esmagar, cu-bonda.
Kncontnir, cu-tacana.
Esmigalhar, cu-tutula.
Kncontrar-sc, cu-l'chann;nt;na.
Espaço, bulubo.
Kndireiíar. cu-rinica.
Espada, mu-cuúU.
Enfeitado, quembo.
Espalhar, cu-muanga.
Knfeilar, cuquemba.
Espancar, cu-bcta, cu-muba
Enfeite, cu-qucmbii.
Espantar, cu-atucumuca.
Enpinar, cu-fumha.
r.spcrar, cu-quinga.
Engasgiir-se.cu-vimenha.
Espernear, cu-ri bonda.
Engordar, cu-nctcssa.
Esperteza, qui-muca.
Engulrr, cu-minha.
Esperto, muca.
Enrolar, cu-burica.
Espetar, ca-sona, cu-soneca
Ensinar, cu-lnnga.
Espinheiro, mu-banga.
Entender, eu-Írua.
Espinho, manha.
Enterrar, cu-funda.
Espirrar, cu-gachacha.
Entornar, i;ii-t"chamuna.
Esposa, mu-caje.
Entrar, cu-bociila.
Envenenar, cu-loa.
Espraiada, quin-íenza.
Enxada, ri-temo.
Esprcguiçar-se, cu-visonun;
Enxadas, ma-temo.
Espremer, cu-i'china.
Enxugar, cu-outa.
Espuma, quifulo.
Errar, cu-tundala.
Esquecer, cu-jan-.ba.
Escama, qiti-beretete-
Esquentar, cu-temessa. ■
Escamar o peixe, cii-banga-ni'biji.
Esquerdo, quiasso-
Escapar, cu-laia.
Eslaca, ri-taca.
Escapar-se, cu-sentcmuca.
Esiar, cu-a, cu-ala, cu-cala.
Escarnecer, cu-seba, cu-muelela.
Esteira, ri-chissa, luando, g;
Escolher, cu-nona, cu-sola.
Estender, cu-sonuna,
Esconder, cu-guana.
Estender a scccar, cu-aocca.
Escorrciíndiço, tchanana.
Estéril, m'baco, cavale.
Escorregar, cut'clianana.
Esticar, cu-nana.
Escorrer, cu-sonsumuna.
Estimar, cu-sola.
Escravo, mlsica.
Estômago, mu-t'chima.
Escrever, cu-soneca. (Este verbo
Estourar, cii-baza.
significa propriamente espetar.
Esirada, n'jila.
cravar.)
Estranho (forasteiro), qui-n'
y
y^
NBUNDA
383
Estreito, sossa.
Estrella, tetémboa.
Estremecer, cu-tequéta.
Estúpido, t*chimba.
Excellente, poena.
Expulsar, cu-lundumuna.
Extinguir, cu-ljimonuna.
Faca, n'poco.
Fado (sorte), mut'chinda.
Faisca, sosso.
Falcão, olococo.
Falhar, cu-burica.
Fallador, asueri.
Fallar, cu-zuela.
Fallar em segredo, cu-feta.
Faltar (não apparecer), cu-monequè.
Faltar (ter falta de qualquer cousa),
cu-camba.
Fardo, ri-cuba.
Farinha, fubá.
Farrapos, ma-nhango.
Fatigar-se, cu-builia.
Fazer, cu-banga.
Fazer queixa, cu-funda.
Fazer-se tolo, cu-ritobessa.
Fealdade, cu-iba.
Fechar, cu-jica.
Feio, iba.
Feiticeiro, mu-roje.
Feitiço, uanga, izango.
Feixe, qui-ta.
Feliz, zelúa.
Fêmea, mu-hato.
Ferir, cu-tua, cu-cuama.
Fermentar, cu-bóta.
Ferro, itari.
Ficar, cu-it*chala, cu-cala.
Figado, izavo.
Filho, mo-na.
Filho ultimo, ca-súla.
Filhos, a-ana.
Fino, atolo (?)
Flexivel, lenduca.
Fogão, ri-jico.
Fogo, túbia.
Folhas, ma-fo.
Fome, n'zála.
Fomentar, cu-jola.
Força, n'guzo.
Formiga, qui-t*chiquinha.
Formiga branca, ri-talamena.
Formiga grande, qui-sonde.
Formiga preta, íindja-songo.
Fortaleza, qui-mbaca.
Forte, colo-suina.
Fraco, berequete.
Frente, pólo.
Fresco, talala.
Frigir, cu-canga, cu-canghela.
Frio (adjectivo), talala.
Frio (substantivo), n*bambe.
Frondoso, n^zanda.
Froxo, n'zoza.
Fugir, cu-alenga, cu-toleca.
Fumar, cu-nua.
Fumo, ri-t'chi.
Funeral, itame.
Furar, cu-tubula.
Furo, ri-zungo.
Furtar, cu-nhana.
Furúnculo, cazangambo.
Fuso, n*zelele.
Gabar, cu-t'chimana.
Gafanhoto, qui-n'jongo.
Gallinha, sanji.
Gallo, corombolo.
Ganhar, cu-vua.
Ganho, n'gamba.
Garbo, tolomba.
Garça, n'dele.
384
VOCABULÁRIO
Garganta^ qul-quelengo, mu-ino.
Gargantas, mino.
Gato do mato, t'chiinba.
Gemer, cu-quema.
Gémeo, n 'gongo.
Gémeo que nasce primeiro, ca-cuto.
Gémeo que nasce em segundo Io-
ga r, ca-baça.
Gengiva, cufufuoha.
Genro, olome.
Gente, mun-tu.
Giboia, mu-ma.
Gomma, oasso.
Gordo, neta.
Gostar, cu-nabela<
Governar, cu-iumina.
Grande, onène.
Grandeza, mu la la.
Grelo, ri-esso.
Grelos, m'esso.
Grelo de abóbora, mu-^ngueleca.
Grelo de mandioca, qui-zaca.
Grilo, ri-zenze.
Gritar, cu-ricóla.
Grosso, n'jimba.
Guardar, cu-lunda.
Guela, qui-quelengo.
Guerra, n'jita.
Guloso, benga, laluve.
H
Habilidade, n'dungue-
Habitar, cu-cala.
Habituar-se, cu-ijiríla.
Herva, m'boa.
Hervas, ji-m'boa.
Hiena, qui-malanca.
Hippopotamo, n'guvo.
Hombro, qui-suche.
Homem, rí-ala.
Hospede, mu-sonhe.
I
ídolo, qui-teque.
{gual, suquela.
Igualar, cu-suquela.
Ilha, qui-sanga.
Ilharga, miocoto.
Immundicie, cut'chila.
Impertinente, temanana.
Incendiar, cu-bambuca.
Inchado, n'jimba.
Inchar, cu-jimba.
Inclinar-se, cu-hetama.
Incommodar, cu-temanana.
Infeliz, mundama.
Ingrato, n'gulá.
Inhame, qui-ringo, quiá, n'zai)
Inimigo, n'guma.
Insultar, com palavras, cu-rtt'
Inteiro, n'vimba.
Inveja, lungué.
Ir, cu-enda, cu-á.
Ir-se, cU'ianiage-ia-mé.
Ir-sc para sempre, cu-endezelí
Ira, n'jenda.
Iras, )i-n'jenda.
Irmão, á, pangué.
Isca (engodo), qui-t'chica.
Isolado, ubeca.
tda, m 'bimba.
loelho, qui'pomuna.
logo, m' bamba.
loven, n'zanga, n'zangala.
iramento, loca.
irar, cu-ricuba, cu-loca. |
verbo somente se applica ac
ramentos feitos ante os n'gaD
Justo (certo), tena, suquela.
N BUNDA
385
K
Kagado, m*bache.
Lábio, mu-zumbo.
Lábios, ri-zumbo.
Laço, ri-bumbo.
Lacraia, n*gueínga.
Lado, m^banji.
Ladrão, mu-ije.
Ladrar, cu-boza.
Lagarta, m'bamba.
Lagartixa, ri-tende.
Lagarto, sengué.
Lago, ri-zanga.
Lagosta, qui-ala.
Lagrima, ri-soche.
Lama, ri-cúa.
Largar, cu-ambula.
Largo, sancomuca.
Largura, cu-sanzamuca.
Lavar, cu-sucula.
Leão, hoje.
Lebre, cabulo.
Lembrar, cu-t*chinguenca.
Lenha, ji-ninhe.
Levantar, cu-balumuca, cu-betula.
Levantar-se, cu-fundumoca.
Levar, cu-beca.
Leve (ligeiro), lenguluca.
Limpar, cu-conda, cu-sucula.
Limpo, n^zela, n'conda.
Lingua, ri-mi.
Línguas, ma-rimi.
Lobo, qui-n'bungo.
Lodo, ri-lua.
Lombriga, ri-buca.
Louco, lage.
Louva-adeus, capopolo, mucondo.
VOL. U.
Louvar, cu-t'chimana.
Lua, ri-ége.
Lua (A) mostra-se sem nuvens, ri-
cge iato.
Luz, luanha.
M
Maca, oanda.
Macaco, ima.
Machado, n'guimbo, guit'chalo.
Macho, ri-ala.
Macio, lenducatete.
Madrugar, cu-rimeneca.
Maduro, iabi.
Mãe, mama.
Magia, qui-leroba.
Magro, n*bela.
Maior (em idade), ri-cota.
Mal, iba.
Maldizer, cu-longolóla.
Mamar, cu-ámoa.
Mandar, cu-tuma, cu-zuela.
Mandioca, qui-ringo.
Manhã, qui-menemene.
Manilhas, malunga.
Mão, maço.
Mão direita, maco-mu-cúria.
Mão esquerda, maco-ma«quiasso.
Mar, lunga.
Marca, m^bica.
Maré, n'vula.
Maré cheia, nVula iata. •
Maré vasia, n'vula iabo.
Marrar, cu-luica.
Mastigar, cu-)anguta.
Matar, cu-jiba.
Mato, mu-chito.
Mau, tema.
Medir, cu-zonga.
Medo, uóma.
Meio, uachachc.
Mel, uique.
i5
386
VOCABULÁRIO
Menina, ca-quiáto.
Menino, ca-iala.
Mentir, cu-tamacuto.
Mentira, macuto.
Mercado, qui-tanda.
Mergulhar, cu-ta-m'fimba.
Mergulho, m'íimba.
Mestre, messéne.
Metade, cachache.
Metter, cu-ta.
Mez, m'beje.
Miar, cu-rila.
Mijar, cu-sassa.
Mijo, masso.
Milho, ri-sa.
Milhos, ma-sa.
Milho miúdo, massa-m'bala.
Miolos, hongo.
Misturar, cu-funga.
Mó, mu-isso.
Moeda, m*bongo.
Moedas, jim-bongo.
Moer, cu-nocona.
Moita, ri-vunda.
Molhado, n'zula.
Molhar, cu-zula.
Molle, nengana.
Mondar, cu-sonzuela.
Monte, mu-lundo.
Monturo, ri-chita.
Morar, cu-cala.
Morcego, qui-m'biambire.
Morder, cu-lumata.
Morno, lubuca.
Morrer, cu-fua.
Morte, cúfiia.
Morto, (feminino), iafo.
Morto (masculino), uafo.
Mosca, n'je.
Moscas, jin-je.
Mostrar, cu-riquiza.
Mover, cu-tengueita.
Mudo, ri-bubú.
Mugir, cu-zila.
Muito, dumba.
Mulher, mu-hato, n'çási.
Mulher casada, mu-hato.
Mulher que trabalha, mu-ocana.
Multidão, qui-puche.
Mundo, mugongo.
Muro, lumbo.
N
Nadar, cu-coqueá.
Nádega, ri-taco.
Nádegas, ma-taco.
Namorar, cu-ta-ríbassa.
Namoro, ri-bassa.
Nariz, ri-suno.
Nascer a planta, cu-sabuca.
Nascer o homem, cu-rivala.
Negar, cu-rituna.
Negocio, uenje.
Negro (adjectivo), itchi-querela.
Negro (substantivo), m'bundo.
Névoa, ri-mume.
Ninho, qui-anzo.
Nó, ri-bumbo.
Noite, o-suco.
Nome, ri-jina.
Nora, baracaje.
Novo, iobe.
Nú, uazula.
Nua, iazula.
Nuca, ri-cuche.
Numeroso, dumba.
Nuvem, ri-tula.
o
Obrigado, saquirila.
Obscenidade, n'daca.
Obscenidades, jin-daca.
Obsceno, n'daca.
Observar, cu-tongueinica.
N BUNDA
387
OíTensa, malebo.
Officio, mufumo.
Officios, miíiimo (?)
Oiro, ulo.
Olhar, cu-tala, cu-tongueinina.
Olho, n*isso.
Olho do pé, quínama.
Olhos, ma-isso. (Pronuncía-se més-
so.)
Onça, hingo.(Designa-se em geral a
panthera ou leopardo).
Orelha, ri-tue.
Osso, qui-fuba.
Outono, cu-samano.
Ouvir, cu-ivua.
Ovo, ri-caque.
Ovos, má-iaque.
Pae, tatá.
Pagar, cu-futa.
Paiz, coche.
Palavra, mu-longa.
Palha, t' chita.
Palma, mu-soco.
Palma da mão, ri-cunda-ria-macu.
Palmas, mi-soco.
Palmeira, dende, rié.
Panella, imbia.
Panno, mulele.
Panno tecido de vegetaes, mabella.
Pão, m'bolo.
Papagaio, n'cusso.
Papo, ri-colocumba.
Papyro, mabú.
Parar, cu-imana.
Parasita, lua.
Parir, cu-avala.
Partir (ausentar-se), cu-catuca.
Partir (dividir) cu-uana.
Partir de noite, cu-lcmbeca.
Passar, cu-bila.
Pátria, coche.
Pau, mu-chi.
Paus, mi-che.
Pé, qui-nama.
Pedaço, qui-chinhe.
Pedir, cu-binga, cu-bomba.
Pedra, ri-tave.
Pegada, ri-canda.
Pegar, cu-cuata.
Peito, n'tulo.
Peito (seio de mulher), ri-éle.
Peixe, m'bije.
Peixe fresco, m'bije-ia-lelo.
Peixe mulher (Manatus), qui-anda.
Pellado, cunuca.
Pelle, qui-conda.
Pendurar, cu-nhingue éneca.
Peneira, qui-sessalo.
Peneirar, cu-sessa.
Penna, qui-sala.
Pensar, cu-banza, cu-fíca.
Pequeno, ofele, tete.
Perder, cu-jimberila, cu-fula.
Perdiz, n*guáre.
Perguntar, cu-ibula.
Perna, qui-nama.
Persevejo, qui-isso.
Pesado, cneme.
Pesar, cu-eneme.
Pescar com anzol, cu-lôa.
Pescar com rede, cu-tamba.
Pescoço, ri-t'chingo.
Pessoa, mun-tu.
Pessoas, a-to ou ban-tu.
Pezar, mahulo.
Pilão, qui-no.
Pimenta, n'dungo.
Pingar, cu-buba.
Pintar, cu-t'chissa.
Piolho, ina.
Pisar com o pé, cu-riata.
Plantar, cu-cuna.
Pobre, ri-ama. .
388
VOCABULÁRIO
Poço, i-t'chima.
Pôde ser (talvez), t^chila, cu-cala
ngó.
Poder, cu-atena.
Podre, n'bolo.
Pólvora, fundanga.
Pomba, ri-cmbe.
Ponta, ri-sunga.
Pôr, cuta, cutula-cu-ata.
Pôr de parte, cu-mughenga.
Pôr fóra, cu-teche.
Porco, n'gulo.
Porco espinho, qui-saca.
Porco montez, ianvo.
Porrinho, n*ghimbo.
Porta, ri-bito.
Portas, ma-bito.
Possuir, cu-ava.
Posta de peixe, tumba.
Pote, ri-sanga.
Pouso (de viagem), fundo.
Povo, mun-tu.
Povoação, sanza; quando capital de
soba, banza.
Prato, ri-longa.
Preceder, cu-rianga.
Precipitar (depositar), cu-quenzama.
Precisar, cu-messena.
Preguiça, usuri.
Preguiçoso, suri.
Prender, cu-cuica.
Prensa, calaquelle.
Preparar, cu-banga.
Presença, polo.
Presença (Na) de alguém, mu-polo-
ia-muntu.
Preso, cuica.
Pretender, cu-acana.
Primavera, cu-tano.
Primeiro, ri-anga.
Primo, panghé.
Principe, mani, muene.
Principiar, cu-mateca.
Privação, obunga.
Privado, quibunji.
Procurar, cu-sota.
Produzir, cu-ima.
Prompto, longo.
Provar, cu-lóla.
Próximo, zucama.
Publicar, cu-fumanena.
Pular, cu-tumbuca, cu-subuca.
Pulga, ina-ia-imboa.(Do mesmo mo-
do piolho de cão.)
Puro, cucuto.
Puxar, cu-sunga, cu-mana.
Quarto, inzo, monzo.
Quarto de dormir, monzo-ia-quilo.
Quebrar, cu-burica, cu-bula, cu-tu-
lola.
Queda, cu-ribala.
Queimar, cu-bia, cu-sumica.
Queixada, n'gandelo.
Queixo, mu-ezo.
Quente, temo.
Querer, cu-andala, cu-t'chicana, cu-
messena.
Quiabo, qui-n*gombo.
Quitandeira, mu-bare.
Quitandeiras, a-bare.
R
Rã, qui-n'gololo.
Rachar, cu-bassa.
Raia (peixe), papa.
Raio, n'zaje.
Raiva, n'jcnda.
Raivas, ji-n*jenda.
Raiz, n*danje.
Ralhar, cu-basela.
N BUNDA
389
Ramo, n^tango.
Rapariga, qui-lucmba.
Rapaz, n*zanga, n'zangala.
Rápido, mulengo.
Raposa, m'bulo.
Rasgar, cu-tandula.
Raspar, cu-colola.
Rato grande, ri-bcngo.
Rato pequeno, mun-dongo, ca-mun-
dongo.
Rato do mato, n'puco.
Rato de palmeira chitWjanghcle.
Rebentar, cu basa.
Receber, cu-tambulula.
Recontar, cu-tangulula.
Recostar-se, cu-sendalala.
Rede (maca), oanda.
Relâmpago, cuteluca.
Remediof milongo.
Remela, qui-póta.
Repugnância, n'ghenghe.
Resina, cocoto.
Respirar, cu-buima.
Responder, cu-curobulula.
Revirar, cu-bilula.
Revistar, cu-ongola.
Ribombar, cu-cumina.
Ribombo, cumina.
Rico, nVama.
Rio, mu-guije.
Riqueza, cu-vúa.
Rir, cu-elela.
Riscar, cu-canda.
Risco, mu-canda.
Risonho, mu-ema.
Rivaes, a-cajina.
Rival, mu-cajina.
Roca, qui-fuco.
Roçar mato, cu-sola.
Roças, a-rimo.
Roda, conda.
Roer, cu-cunha.
Rogar, cu-bomba.
Rola, ri-embe.
Rolar, cu-cundumuna.
Roncar, cu-cona, cu-mucona.
Rua, n'zunga.
Rugir (o leão) cu-rila.
Saber, cu-ijia.
Sacerdote, n'ganga.
Sacudir, cu-cumuna.
Sair, cu-tunda.
Sal, múngua.
Saltar, cu-tumbuca, cu-somboca.
Sangue, manhinga.
Sanguesuga, ri-zaie.
Sanguesugas, ma-zaie.
Sapo, ri-sundo.
Sarampo, caíife.
Sarna, cáhana, )i-cáhana.
Saudar, cu-menequena.
Seccar, cu-cucuta.
Secco, cucuta.
Sede, rinhota.
Segredar, cu-cufeta.
Segredo, feta.
Segurar, cu-cuata.
Semente, m'buto.
Sementes, ji-m'buto.
Senhor, n'gana, fumo, muave.
Senhora, n'ga-muáto.
Sentar-se, cu-t'chicama.
Sentar-se de pernas cruzadas, cu-
t'chicama ma-cáta.
Sentir, cu-riusa.
Separar, cu-mughenga.
Sepultar, cu-funda.
Sequestrar, cu-bunda.
Sertanejo, mucu-ia-tunda.
Sw-rtão, tunda.
Silencio, rit^chibiena.
Sino, n'gunga.
Soberbo , ri-tula.
Sgo
VOCABULÁRIO
Sobrar, cu-subuca.
Sobrinho, muebo.
Socar, pilar, cu-sula.
Soffrer, cu-n'gonga.
Soffrimento, n'gongo.
Sogro, ocué.
Sol, ricumbe.
Sol (O) poz-se, rícumbe-riafo.
Soltar, cu-jituna.
Solteiro, ri-cure.
Soluçar, cu-t*chucomuca.
Soluço, qui-t'chuco-t*chuco.
Sombra, qui-lumbequeta.
Somno, quilo.
Sonhar, cu-anda-n*zoje.
Sonho, n'zoje.
Soprar, cu-bussa.
Sorte, muchinda.
Sovaco, mu-cábia.
Subir, cu-banda.
Suja, iat'chirc.
Sujar, cu-chirissa.
Sujo, uat^chire.
Sumir-se, cu-jiquinina.
Surdo, mu-chilo.
Surra, muchinga.
Surrar, cu-chinga.
Suspender, cu-betula.
Susto, uóma.
Tabaco, macanha.
Taboleiro, qui-tanda.
Tábua, ri-baia.
Tamarindeiro, mu-tamba.
Tamarindo, ri-tamba.
Tambor, n'goma.
Tanque, it*chima.
Tapar, cu-futa.
Tartaruga, qui-covo.
Tecer, cu-leca.
Tecto, hongo, ianzo.
Teimar, cu-n'jiza.
Teimoso, n'jisa.
Tempo, ri-cumbe.
Tenda ou barraca, casassamba.
Tenro, n'zeta, tete.
Ter, sê, saia, cu-cala, cu-ala.
Terminar, cu-assuca.
Terra, mapo, dunda.
Tigela, ri-tamina.
Tingir, cu-teca.
Tio, tia, século.
Tirar, cu-calula.
Tirar do sol, cu-lola.
Tocar, cu-t*chica.
Tolice, cutoba.
Tolo, toba.
Tomar, cu-tambula, cu-zama.
Tomar sentido, cu-aluca.
Tomate, mate. •
Tomates, ji-mate.
Tornozelo, risso-ria.
Torrar, cu-canda.
Torto, n^hunga.
Tossir, cu-cocôna.
Tosse, quichinda.
Trabalhar, cu-calacala, cu-socana.
(Este verbo significa também os
trabalhos domésticos da mulher
casada.)
Trapo, n^bomba.
Trapo de toilette, n'zumbi.
Travesseiro, n'peto.
Trazer, cu-beca, cu-tama.
Tremer, cu-tequéta.
Trilho, pambo ?
Tripa, mu-ria.
Tripas, mi-ria.
Tronco, muche.
Tropeçar, cu-ribucana.
Trovão, n'vula.
Trovejar, cu-tonóca.
Tubarão, mu-ando.
Tumulo, qui-bila.
N BUNDA
391
u
Ubre (de vacca), qui-ele.
Ultimo, suquinina, quinguinina.
Umbigo, n'gombo.
Unha, qui-ala.
Universo, mugongo.
Untar, cu-t'chissa.
Útero, qui-saje.
Vaccinar, cuta qui-n'gongo.
Vadiar, cu-laleca.
Vadio, qui-lalo.
Vagaroso, qui-muanho.
Valiado, nTjamba.
Valente, qui-n'danda.
Vara, ri-bamba.
Varíola, qui-n'gongo.
Varrer, cu-comba.
Vasar, cu-baba.
Vasio, cucuto.
Vassoura, qui-ezo.
Veia, mu-t*chiba.
Velho (adjectivo), ocúlo.
Velho (substantivo), qui-culacaje.
Vender, cu-sumbissa.
Veneno, oanga.
Vento, qui-tembo.
Ventosa, n'zungo.
Ventre, ri-vumo.
Ver, cu-mona, cu-tanghilila.
Verdade, quiri.
Verde, uisso, acansa.
Vergonha, sonhe, ri-jino.
Verme, m'bamba.
Verruga, t*chimbolocoto.
Vestir, cu-zuata.
Vida, muenho.
Vinho de milho, u-ala.
Vinho de palmeira, maruvo.
Vingar-se, cu-rifuta.
Vir, cu-iza.
Virar, cu-biluca.
Viscosidade, n*zeza.
Visitar, cu-acumunequena.
Viuvo, mu-ture.
Viúvos, a-ture.
Viver, cu-muenha.
Voar, cu-luca, cu-nhunga.
Voltar, cu-vutuca.
Vomitar, cu-lussa.
Vou por terra, n*ghia-cu-tunda.
Voz, rí-zue.
l
VOCABULÁRIO NUENJI'
Apodrecer, cu-poriré.
Apparecer, cu-támobona.
Aprender, cu-líluta.
Arder, cu-t'chÍ2a.
Areia, messeque.
Arimbo (lavra), mu-zimo.
Arma, toboro.
Arma de carregar pela culatra, to-
boro-iá-cutoani.
Arvore, (pau) cota.
Assar, cu-bessa.
Assentar, cu-na.
Atar, cu-tama.
Avarento, afani.
Azeite, mafura.
B
Beber, cu-nôa.
Comer, cu-t'chia.
Correr, cu-titima.
D
Dormir, cu-lubala.
Fugir, cu-saba.
Fumar, cu-zuba.
H
Haver, cu-tabona.
I
Ir ou andar, cu-zamaia
Parar, cu-luquema.
Q
Querer, cu-abata.
Elephante, li-tou.
Saltar, cu-tura.
Ver, cu- bona.
Vestir, cu-apára.
* Os dialectos N'jenji e Cariuiana, i2o os faltados, ao que julgámos, na grande regifio do
Barôze, sendo o ultimo talvez usado pelos amigos ma-cok>Io.
i
!
li
li
VOCABULÁRIO GARANGANJA
Alegre, liatócs.
Algodão, mu-lecana.
Alma (mortos), va-mufo.
Alto, cu-leha.
Alumiar, cu-minica.
Amanhecír uaquerílôa.
Amante, mu-cut'chia.
Amargo, ussoca.
Amarrar, cu-uba.
Amigo (xneuj, muno-oamí.
Andorinha, cafifia,
Anno, muaca.
Anoitecer, UU-cu-íiicula.
Apagar cu -z ima.
Apanhar, cu-lola.
Apartar, ulaja-niculitulila.
Apertado, Uacossa.
Apodrecer, cu-iabóra.
Apontar cu-inica.
Apparecer, cu-mobona.
Aprender, cu-libula.
Aquecer, cu-tumessa.
Arco (sertã), lu-cassa.
Arder, cu-ratetna.
Areia, masseque.
Arimbo (lavra), mu-rimi.
Arma, tobola.
Arranhar cu-suenha.
Arremessar cu-ela.
Arrependido, nalípupa.
Arvore (pau),qui-ti.
Assar cu-sóca.
Avarento, u-latana.
Azas, ma-cara.
A/eite, mafuto.
Despir, cu-rula.
Dormir, cu-laia.
Fugir, cu-fiuca.
Fumar, cu-péha.
H
Haver, cu-lobassL
I
Ir ou andor, cu-jia.
s
Saltar, cu'ZOmboca
V
Ver, cu-lola.
Vestir, cu-apára.
í
p
I
I
i
I
VOCABULÁRIO QUIOCO
Abelhas, ma-puca.
Agua, meia
^ Alma, uafa.
Arco-iris, congólo.
Arma, uta.
Arvore, (paus) mi-tondo.
Assentar, cu-tuama.
Avô, caca.
Avó, cuco-mama.
B
Banco, mu.
Barbas, uenvo.
Barriga, d'jimo.
Beber, cu-nôa.
Beiços, ni-vumbo.
Boca, canoa.
Boi, n*gombe.
Bonito, m'pema.
Branco (cor), t*chitoma.
Branco (homem), d*jungo.
Braços, móce.
Cabeça, mutoè.
Cabellos, n cambo.
Cabra, m*pembé.
Cachimbo, m*peixe.
Cadella, boloa-cáôa.
Calor, matocota.
Cama, mu-ghela.
Cão, cáôa.
Capim, muhambo.
Cara, maquille.
Carneiro, m'panga.
Casas, mu-n'zúo.
Cavallo (marinho), n*guvo.
Chapéu de sol, caíiianda.
Chuva, nvula.
Cobra, lulóca.
Comer, cu-ria.
Coração, bunguè.
D
Deus, nzambi?
Dentes, ma-se.
Dia, tangua.
Doente, canaínd)e.
Dormir, cu-pomba.
Elephante, n'djamba.
Estrellas, tugonoche.
Farinha, lupa.
Feio, mupi.
Filha, cuemba.
Filho, camiquè.
Fogo, caghia.
Formiga, tunguenha-guenha.
Frio, t*chica.
Fumar, cu-ma.
Gallinha, cassumbi.
Gallo, demba-cassumbi.
398
VOCABULÁRIO QUIOCO
H
Homem, sunga.
I
Ir ou andar, cu-enda.
Irmã, dum-boame.
Irmão, ouèto.
Lado direito, cut'chi-zumé.
Lado esquerdo, cut'chi-meso.
Leão, tamboé ou temboé.
Lua, cacuje.
Luz, deia.
M
Mãe, mã-ma.
Mandioca, mucamba.
Mão direita, zumc.
Mão esquerda, messi.
Mãos, minue.
Mar, calunga.
Meio dia, nonga-eimoala.
Mel, uit*chi.
xnei, uii cm.
Mulher, pó.
N
Nariz, n*zuio.
o
Olhos, messo.
Orelhas, má-t'chi.
Pae, tala.
Peito, pambo.
Pernas, mólo.
Pés, mi-uoé.
Pescoço, cota.
R
Rio, n*guije.
Rola, catelia.
Sal, múngua.
Sangue, manhenga.
Soba, muene-n*gana.
Sol, muálua.
Sul, culuanda.
Tabaco, macanha.
Terra, mutifut*chi.
Tia, tata-pó.
Tio, mat*cho.
Tipóia, uanda.
Trovão, djoji.
Trovoada, íundji.
u
Unhas, djala.
Vacca, n*bôlo.
Veias, ma-chahá.
Verdade (É), fchaquênc.
VOCABULÁRIO LUNDA
Agua, meme.
Agulha, càtumo.
Amanhã, diamachica.
Amante, mu-caje ; plural, a-caje.
Amigo (meu), mu-run'ame.
Amigo (teu), mu-run'ei.
Amigos (meus), arun'ame.
Amigos (teus), a-run'ei.
Anoitecer, cu-t'chuco.
Arco (seta), djiriau. (Setas?)
Arma, uta ; plural, muta.
Arvore, mu-tondo, (pau) mi-tondo.
B
Boi, n'gombe.
Boi, (silvestre), m'bau.
Branco (homem), mona-cu-meme
(íilho da agua).
Cabellos, d'ji-n'suque.
Cabra, m*pembé.
Caça (em postas), dji-riama.
Caça, nama.
Caças, a-nama.
Cama, ulálo.
Camas, ma-lálo.
Caneca, lu-passa.
Canecas, dji-en'passa.
Canoas, ma-oato.
Cão, cabo; plural, a-tubua.
Capim, massuco.
Carneiro, mu-cóco.
Carneiros, ama-coco.
Carregador (tipóias), t*chimangata.
Casa, t'chi'cumbo.
Casas, i-cumbo.
Cavallo (marinho) n'guvo.
Copo, lu-sumo.
Copos, d'ji-sumo.
Corça, n*cai.
Corpo, mu-djumba.
Coser (com agulha), cu-t'chima.
Cosido (Está) uássuca.
Cozinhar, cu-suca.
D
Dia, dichuco.
Dias, ma-chuco.
Dormir, cu-langala.
E
Elephantes, n'zovo.
Enxada, lu-casso.
Enxadas, djin'casso.
Faca, n'passa.
Facas, djin^passa.
Fazendas, ma-suma.
Feijão n*zengo.
Feiticeiro, mu-ladji.
Fogo, n^casso.
Folhas, ma-iji.
Fumo, cunanga.
400
VOCABULÁRIO LUNDA
Gallinhas, a-n'zollo.
H
Homem, icunguè.
Homens, ama-cunguè.
Hontem, n'galoche.
I
Infundi, nico.
Lenha, n'cunhe.
Longe (É), palepe.
M
Machado, ca-sau.
Machados, tu-sau. (?)
Mandioca, candínga.
Mão, t'chi-cassa.
Mãos, ma-cassa.
Mulher, mi-n^banda.
Mulheres, n'banda.
N
Nuima (oryx), m'chilla.
Nuimas, ama'chilla.
Nuima garella, m'ceifo.
Nuimas, ama*ceifo.
O
Olho, di-ce.
Olhos, mô-ce.
Orelha, di-to.
'■ Orelhas, ma-to.
Palanca antilope, t*chi-fembe.
Palancas, i-fembe.
Pé, mu-nto.
Pés, mi-ento.
R
Rio, u-ita.
Rios, ma-uita.
Setas, dji-ineu.
Sim senhor, muán-ini.
Sol, mutenhe.
Tabaco, ruanda.
Terra, divo.
Tipóia, moa.
VOCABULÁRIO CA-LUIANA
Cavallo (marinho), n'gufo.
D
Dormir, cu-langana.
Feio, oatama.
Feiticeiro, urot*chL
Feitiço, n'ganga.
Feixe, icundi.
Fêmea, m^banda.
Filho, moana.
Flor, li-cumbi.
Flores, mia-cumbi.
Fogo, quesse.
Folha, li-fo.
Folhas, ma-fo.
Folies, miniba.
Fome, n*dala.
Força, n'gofo.
Formiga, tumôe-môe.
Fraco, gufone.
Fresco, t'cha6sosoma.
Frio, t*chissica.
Fugir, cu-temoca.
Fumar, cu-féba.
Fumo, t*chisse.
Furar, cu-fumla.
Furtar, cu-combe.
Fuzo, t chitina.
Gafanhoto, bimba.
Gallinha, n'zolo.
Gallo, li-corombollo.
Gallos, ma-coromboUo.
Gato do mato, caonzo.
Gémeos (o que nasce primeiro),
nhana-ca-cu-sema; (o que nasce
segundo), nhana-ca-cu-atama.
Gemer, cu-ima.
Gengiva, caluvira.
Giboia, boma.
Gordo, oanuna.
Grande, oénene.
Grilo, canzenzL
Gritar, cu-moanga«
Grosso, chacatambi.
Guardar, cu-sueca.
Guellâ, caraça.
Guloso, oassupa«
Guerra, n'jita.
H
Herva, t'chicoco«
Hombro, t'chi-péoca.
Homem, n'jára.
Hyena, n'ganga.
I
Ilha, li-seque-íatimda.
Ilhas, ma-seque-iat\mda«
Inchado, t'chanana.
Infeliz, oabindamoa.
voL. n
402
VOCABULÁRIO CA-LUIANA
Inimigo, oatama.
Inveja, ulinoa-ca-noquenje.
Ir ou andar, cu-cnda.
Irmã, mana-oaiala.
Irmão, mana-cueto.
Joelho, mendo.
Lábio, cano.
Laço, luobi.
Lácraia, carique.
Lado direito, sinarui.
Lado esquerdo, canibau.
Ladrão, u-combe.
Lagartas, ma-cubi.
Lagarto, cambo.
Lago, cana-ca-calunga.
Lagrimas, ma-zossi.
Lama, iloba.
Largo, clucatambe.
Lavar, cu-cussa.
Leão, mu-nhime.
Lebre, calumba.
Leite, maiére.
Lenha, itiabo.
Leve, t'chapepera.
Limpar, cu-combora.
Lingua, lilaca.
Lobo, quimbo.
Lodo, iloba.
Lombriga, caboba.
Louco, oassaluca-coloba.
Lua, n'zoro.
Luz, moera-cuessi.
M
Macho, iára.
Macio, t'chassenena.
Maduro, cuia.
Mãe, ma-mãe.
Magro, oago-cama.
Maior, t*chicatampe.
Mamar, cu-atama.
Mandioca, macamba.
Manhã, tete-mena.
Manilha, m'buro.
Mão direita, t'chaculida.
Mão esquerda, quimosso.
Mãos, ma-cassa.
Mar, calunga-munêne,
M assar, cu-cassa.
Mastigar, cu-polocota.
Matar, cu-t'cha.
Mato, micula.
Medir, cu-esseca.
Medo, uoma.
Mel, ut'chi.
Menino, cauzi.
Mentira, oalimba.
Mestre, gangura.
Metade, cat'chibele,
Mez, n'zolo.
Milho, cabaça.
Miolos, quipuji.
Molhado, chazula.
Monte, pide.
Morcego, capapa.
Morto, mufo.
Mosca, cadeanc.
Mosquito, camama.
Macaco, buia.
Machado, sirepe.
Querer, cu-t'chinga.
Ver, cu-bona.
índice
Âbba, alto-azimuth, 25.
Acampamento, abalada do, 3o.
Acampamentos, modo por que eram
construídos, 7.
Acantaceas, em Quicongo, 88.
Adansonia, género, 88.
África, considerações sobre a escra-
vatura, 54 e 55; observações geo-
graphicas, magnéticas, meteoro-
lógicas, etc, de, 269 a 352; subsí-
dios para a fauna e flora de, 353
a 373; dialectos em, 375 a 399.
Alimentação, considerações sobre,
157 e i58.
Ambaca, morros de, 41 ; Lu-calla
em, 182; producções cm, i85.
Ambaquistas, considerações sobre
os, 38 a 40.
Aquiionda (lago), 144; considera-
ções sobre, 145.
Arachnidios, 28.
Arundo phragmites, no Su-i, 10.
Ateuchus africanuSj 28.
Athene perlata, 184.
Auctores, sua alimentação, 8; dis-
curso feito aos ma-hunga, 76.
Avelino Fernandes, 224.
Aves, no N'guri, 1 5.
B
Ba-congo, tribus dos, 87.
Bale, riacho do, 12; perigo das mar-
gens do, 1 3.
Ban-bondo, terras dos, 5.
Ban-gaia, embaraços dos, 3; terras
dos, 5; tentativa para os illudir,
II.
Bango, morros de Cassanje, 10; de
Malanje, 40; sua ascensão, 41.
Ban-sumbi, seus soí&imentos, 1 10.
Banza-e-Lunda, em Cassanje, 12.
Bao-babs, em Cassanje, 10; em Am-
baca, 186.
Basaltos, na serra Hengue, 1871
404
índice
Bembc, caminho de Encoge, 148.
Binda, loó.
Boceta, 21.
Bondo-ia-Quilesso, sitio de, 182; im-
bundeiros em, 182.
Borassus, 87.
Buccorax caffer (?) no N*guri, 1 5 e
210.
Bulo Jango, sitio de, 182; vegetação
e terras de, 182.
Bondos, tabaco nos, 26; entomolo- ' B\imb2L^jagga de Cassanjc, 10.
gia dos, 28; arvore perigosa dos,
120 e 121.
Buphaga erythrorrhyncha, 211.
Burseraceas, em Quicongo, 88-
Caballo, cachoeira de, 195.
Cabcnda-Candambo, i5i.
Cabeto, sitio de, 209.
Cabullo, cataracta de, 199.
Caçadores, furtivos, 104; fugida dos,
107.
Cachingc, serras de, 189.
Cacol-Calombo, grutas em, 2o3.
Caculo-Cabaça, i53; guerras com,
i63.
Cafuchila, primeiro soba do Hungo,
68; confusões sobre, 69; questão
com o guia em, 75.
Cajinga, districto de, 10.
Calamus florus, 86.
Calanduia, do Ca-quilo, 12.
Calundo, trilho de, 2o3.
Gz/un^a-Canjimbo, soba, i52.
Calunga-Kbotíáo^ presente força-
do, 66 e 67.
Calunga (N*Dombo Acambo), rei de
Jinga, 5i.
Camaxe, rio, i53; imprevidência fu-
nesta, 154.
Camba, rio, 141.
Cambamba, libata de, 89.
Cambaxe, soba, 63.
Cambo, rio de, 24; suas origens, 25;
seu percurso, 26; partida de, 29;
rio, 141.
Cambollo (Cangonga), jagga, 6;
ban:{a do, 6; descripção da ha-
bitação, 9; idéa sobre o jagga,
9; presentes.
Camicungo, rio de, 37.
Camoaxi, rio de, 37.
Gzni^-ia-Legho, 49.
dnia-ria-Massango, na Jinga, 57.
Candas, na Jinga, 52.
Cawia-ia-Canzella, questão em, 57
e58.
Candumbo, senzala de, 195.
Canna, no Danjc, 148.
Cannabis sativa, 26; seus effeitos,
27.
Canoas, em Porto Real, i83; de
m*badji, i83.
Capambo (Tabanus), 19.
Capanda, trilho por, 208.
Capata-ieu, ninhos dos, 28
Capelles, na Jinga, 52.
Capiangos, 16.
Capricórnios, 28.
Caprimtãgidoe, familia, 180.
Caprimulgos Shelleyi, 180.
Capuchinhos, 145.
Capulca, seus afazeres no campo, 7;
proezas de, 55 e 56.
Caquilla, ilha de, 195.
Caríombo, rio, de 182.
índice
4o5
Carregadores, fiiga de, 6i ; morte de
um, 154; numero dos mortos em
viagem, i56; enumeração dos, 195
e 160.
Cassai, filho da, 9.
Cassai, rio, 100.
Cassalla, morro de, 10.
Cassanje, ultimo dia de residência
em, i; carrapatos em, 3; atalho
de oeste, vegetação, quadro pit-
toresco em, 5; insalubridade de, 6 ;
clima de, 23.
Cassasio, serra de, 216.
Cassoqui, estabelecimentos em, 2 1 8.
Catalla Canjinga, 26.
Catanha, terra de, 14; ao longo de,
58.
Cateco, o guia, 49; sua exposição,
5o; na Jinga, 52; questões com, Sj,
Catenda, serras de, 189.
Catenha, morro de, 197.
Catraio, o ajudante observador, 4;
vigésima fuga da esposa, 4; seu
esquecimento, 17; descuidos de,
174 e 175.
Catuma Caimbo, soba, i5i.
Catuma Cangando, soba, 148; re-
cepção e um incidente curioso,
149.
Cauali, rio, 145.
Canda-ia-Lumbomho^ na Jinga, 60.
Caughi, logar de, 209.
Caxita, pedras de, 141.
Celli, sertão do, 97.
Cemitérios, em Cassanje, 6*
Cha-cala, senzala de, 128.
Cha-Landa, soba, 38.
Cha-Massango, trilho por, 91,
Chamcerops, 87.
Chiça, 36; túmulos no, 37.
Chili, pimenta do, 8.
Chromis mossambicus, 200.
Chromis Sparmanni, 197.
Chronometros, considerações sobre,
201 e 202.
Cicadas, 28.
Climatologia, da flora, 146.
Cobras, encontro de, i3; susto pro-
vocado por, 14.
Cochlospennum angolensis^ 210.
Comitivas, modo por que marcham,
1 5 ; quibucas e m*bacas, 17 e 2 1 3 ;
encontro de, 214.
Concelhos da provincia, 2o5.
Conclusão, 227 a 268.
Condo, cataracta do, 199; conside-
rações sobre, 199.
Copla gentilica, i5i.
Coradas espatulata, iii.
Corythaix paulina, 28.
Cosinetomis vexillarius, 160 e 180.
Cosmogonia gentilica, 157.
Costume curioso entre ma-hungo,
l52.
Creanças, considerações sobre os
infantes gfricanos, 166 e 167.
Crocodilos, historia de um, i56.
Cryptogamicas, em Cassanje, 6.
Cu-ango, cataractas do, 26; perdi-
dos na margem do, 1 1 1 a 1 16; far-
tura de mantimentos em, 119;
hyppopotamos, fermentação pú-
trida ali, 128; em lácca, 141.
Cu-anza, considerações sobre, 195;
fauna do, 196 a 198; duas palavras
sobre, 222.
Cu-gho, descoberta do, 87; aífluen-
cia do Fortuna, 10 1 ; chegada a,
137; origens do, 144.
Cu-iji, rio de, 35.
Cu-ilo, rio, 68 ; ponto de entrada no
Cu-ango, i33.
Cunga, viagem para, 223.
Cimga-ria-Cunga, cachoeira de, 141.
Cu-viji, rio, 93.
Çynocephalus porcarius, 86.
4o6
índice
D
Danje, districto de, 145; canna e
tabaco do, 148; nascentes do cau-
ali, do Sussa e do Luando no, 1 52 ;
subdivisão de Jinga, 5o.
Danjc-ia-menha, sitio de, 217.
Decamera-tonantis, 210.
Dembe (Monnyrus Lhuisi), 200.
Dembo (Naboangongo), 82.
Dembos, terras dos, i53.
Diário, extracto do, 64, 65, 102, i23
a 126, i35 e i36.
Domingos (carregador, N'jinji), 4;
chorosa despedida de, 4.
Dondo, chegada a, 221 e 222.
Dongo, subdivisão de Jinga, 5o; che
gada a, 221 e 222.
Dumba (soba), terra do, 217.
Duque de Bragança, concelho de,
5; chegada a, 44; partida de, 47,
posição do, 162; seu estabeleci-
mento, i63; fertilidade e clima,
164; povoadores, 164; volta ao,
168; explicações sobre, 169; fogo
no acampamento do, 171 a 174;
partida do, 178; insectos em, 206.
Dembei, na Jinga, 52.
Edetnonas, no Lu-i, 10.
Elais, 87.
Eleini, 86.
Empacaceiros, 211 e 212.
Encoge, pambo de, 148.
Ento:foarios, notável exemplar, 206.
Eriodendron anf., em Quicongo, 88,
148 e 210.
Erithrinas, 210.
Eschinomenes, no Lu-i, 10.
Euphorbiaceas, em Quicongo, 88.
Euprepes Ivensi, 197.
Extractos do diário, cm 6 e 7 de
maio, 64 e 65; em 26 de maio,
102; em 28 de maio, i23 a 126;
em 8 e 10 de junho, i35 e i36.
Faba, rápidos de, 44.
Fauna, subsidios para a fauna afri-
cana, 353 a 370.
Fetos, nó Lu-i, 10.
Figueiredo (António de), 57.
Finde, plateau do, 146; caminho do,
147.
Flora, zonas climatológicas no Hun-
go, 146; subsídios para a flora afri-
cana. 370 a 3'73.
Formigas, espécie mal cheirosa, 2c.
Fortuna, mu-sumbi, 97.
Fortuna, rio, 96; descoberta do, 97;
perdidos nas margens do, 98.
Fructos indígenas, 33; perigos dos,
34.
Fugeras, em Quicongo, 88.
Funante, 24.
Funda-Imbi, senzala de, i5i.
Fundamento, em Cassanje, 6.
Fundos, sua disposiçãc, 7.
Futa, terras de, 87.
índice
407
Gamba, rio, 19.
Gongôlo, 28.
* Guingas, pedras de, 190 ; limite leste
de Pungo N'dongo, 191.
H
Hango, terreiro do, 182.
Heleji, rio, 188; bifiircação dos ca-
minhos, 188.
Heinichromis angolensis, 200.
Hcngue, basaltos em, 187.
Hcrminiera E,y i3.
Holo, trilho do, 82 e 148.
Horários, no Duque, 161.
Huicwnbamba (Caprimulgo Shel-
leyij, 180.
Flunga, porto de, 192.
Hungo, terras do, 71 ; seus habitado-
res, cores, penteados, uso do ta-
baco, processo para favorecer o
inhalamento, 72; as mulheres, 78;
desprezo pelo vestuário, habita-
ções, 74; vegetação ali, 89; limite
do, 90; ílora no, 148; porto do,
192; distracções em, 194.
Hyphcene, 87.
I
lácca, 91 ; informações acerca d'este
povo, seus usos e originalidade
dos penteados, 1 23 a 126; o rom-
per do dia ali, 127.
Ibari N'Kutu, 141.
leú, 28.
Imbundeiro, notável em Pungo
N'Dongo, 192; no trilho do Don-
do, 210.
Indígenas, considerações sobre, 214
e 2i5.
longo, districto de, 12.
Jagga, Cambollo, G, 8 e 9; Bumba,
10; dos Bondos, 12; presente do,
14-
Jimbolamento, no Cambollo, 9.
Jindiingo, pimentas, 8.
Jinga, projecto de atravessar a, 4; a
caminho da, 48 ; descnpçáo da, 5o ;
população, monarcha, aristocra-
cia, 5i e 52; chuvas na, 61.
Jingas, algibeira dos, 53 ; sua desi-
gnação, 53; pannos dos, 59; habi-
tação dos, 60.
José de Seabra da Silva, 192.
José, o guia, 4; novo processo de
afastar as cobras, 14; um tio de,
36 ; descobertas importantes, ale-
gria que produziu o aparecimento
de, 104 e io5.
4o8
índice
Landolphias, cm Quicongo, 89.
Lcmba (a mulher de Mutu), 117 e
119.
Liamba, 26.
Lianzundo, cataracta de, 44.
Li vingstone, curiosa descoberta, 199.
Lombe, rio, 190; ponto de aflluen-
cia no Cu-anza, 190; cm Caballa,
202; do Motta, 202.
Lu-amba, terras de, i52.
Luanda, noticia sobre, 223 ; chegada
a, 224; recepções c distincçóes ali
recebidas, 224 e 225.
Luango (senzala), 10.
Lu-angue, rio, 1 00.
Lubenda, senzala de, 129; dansas
em, 129.
Lu-calla, rio, 44; margens do, 48;
origem do, i52; valles e campos
marginaes do, i56.
Lucta, entre indígenas, 24; conside-
rações sobre, 25.
Luena, serra de, 220.
Lnghias, 32.
Lu-handa, rio, lagoas salgadas, 14.
Lui-i, rio em Cassanje, 5; suas mar-
gens e vegetação, 10.
Luiza, quedas, 141.
Lungue, divisão do, 1S8.
Lu-oje, rio, 147.
M
Macacos, no Hungo, 8G.
Macolo, rio, i3i.
Macume-N^jimbo, terras de, 87 e 144;
nascente do Cu-gho, 87.
Ma-cunhapamba, 28.
Mafungo, senzala de, 128.
Mahabo, senzala de, 66.
Ma-hungo; 72 : discurso dos, 76; cer-
cados por, 80; exigência dos, 82 ;
discussões com, 83.
Malanje, concelho de, 37; chegada
a, 40.
Ma-libimdo, 29.
Ma-hmga, na J ingá, 52.
Maluvo, brindes de, 106; processo
para extrahil-o, 143.
Malvaceas, no Quicongo, 88.
Manatus senegalensis, 1 98.
Ma-n^cuba, 3.
Mandioca, gosto da, 25.
Mangongo, libata de, 89.
Man tis, 28.
Mapemba, rio, 107.
Marchas, modificações nas, 192 e
193.
Mariangas, em Cassanje, 5 ; na li-
bata de Cambollo, 9.
Ma-songo, comitivas de, 1 5 ; discus-
sões com, 16.
Matamba, subdivisão daJinga, 5o;
districto de, 147 e i52.
Ma-tomu^umos, na Jinga, 52.
Ma-tutatinwi (Atexichiis africamis),
28.
Ma-inn'!, 28.
Afbacas, em Africa, 17.
M'bangarala (Cicadas), 28.
M*brichc, rio, 148.
Mctroxilon, varas da, 92.
Moaza-N*gombe, rio, 100.
índice
409
Mocambe, ao longo da serra de, 228.
Mona-N'Gola, denominação dos j in-
gás, 53.
Monnyrus IJndsi, 200.
Mortalidade emMalanje e Cassan-
je, 37.
Mosca, do boi, 19.
Mpafu, 86.
M'pembas, na Jinga, 52.
Miiaca (Hemichromis angolensis),
200.
Mu-an^a, 32.
Mu-canda, dos ambaquitas, 40.
Mu-cano, 6.
Mucari, rio, 37.
Mu-chito, no Hungo, 86; em Qui-
corigo, 92.
Muco N'Gola, denominação dos jin-
gas, 53.
Mucole-Maiale, senzala de, i5i.
Mucole-Quipanzo, senzala de, 86.
Mucuna, rio, 66; perdidos em, 66.
Mu-curulumbia, 28.
Muene Puto Cassongo (Quianvo),
120.
Muen^iche, na Jinga, 52.
Mu-liamba, de ambaquista, 40.
Muhambo, rio, 10; chuva em, 10.
Muhunzo, serra, 41.
Munda, senzala de, i52.
Muntalandonga (Euprepes Ivensi),
198.
Mussalla, rio, 122.
Muta, sitio de, 216.
Mutemo-Ambuilla, i52.
Mu-topa, 26.
Mutu, 119.
Mutula, rápidos de, 194.
N
Naja (?) i3.
N'burututo, 210.
N'cusso, 125.
N'Dala Quissua^ jagga dosBondos,
24.
N'Dala Samba, 36; linha divisória
de aguas, 37.
Ndengue, 4.
N'dui (Decamera-tonantis), empre-
go que lhe dão os indígenas, 210.
Negocio, tendência dos indígenas
para o, 16.
Ncnuphares^ em Cassanje, 5.
Ncphila bragantina, 28.
Ngana Nzendo, soba, i52; óbito
em, i52.
N' ganga- ia-puto, 43; considerações
sobre, 43.
Nganga Nzumba, soba, 14.
Nganga, riacho, 124.
Ngola-n^bóles, na Jinga, 56.
Ngola Quituche, soba, 194.
N golas (Quilluanjes Quiassambas),
5i.
N*gumbe, 28.
N^gungiiachito, 210.
N'guri, districto do, 10; viagem para
o, 12; diíTiculdades do caminho,
12.
Nhangue-ia-Pépe, cabeços e cerros
de, 216.
N^hongos districto dos, 216.
Niger, bacia do, 233.
Nimia Luco-em (?), 232.
Noitibós, 180.
Nota explicativa dos methodos em-
pregados nas observações, 283 a
287.
Nymphaceas, em Quicongo, espé-
cies numerosas de, 88.
410
índice
O
Obsen'açóes meteorológicas, 290 a ! Orchideas epidendres, 88.
337; magnéticas, 339 a 349. Otubo, encargo especial, 7; roubos
Odonata, 28. de, 172.
Pacaça Aquibonda, divisão da Jin-
ga, 5o; districtode, i52.
Palanca, pedras de, 216.
Palancas, em Quicongo, 109.
Pamba, visita a, 1S4; descripção e
considerações sobre, i85 e 186.
Pambo, 60.
Panibo, de Encoge, 148.
Pambos, no Dondo, 221.
Papa, serras de, 182.
Papyrus, em Cassanje, 5.
Paschoal (Narciso António), 4.
Pedras Negras, a caminho de, 186.
Peinde, terras do, 21.
Peixe mulher (Manatus senegalen-
sis), 198.
Pelopceus spirifex, 2q; noticia so-
bre, 20.
Penteados, em lácca, 121 e 12 5.
Petro, senzala, i5i.
Porto Real, i83; novo género de
canoas, i83
Praça velha, i83.
Processos, systema seguido em Afri-
ca, 56 e 57.
Ptyelus olivaceus, 179.
Pulex penetrans, 206.
Pungo N'Dongo, pedras de, 189,
constituição geológica, 190; con-
siderações sobre, 190; notáveis
pegadas em, 191; villa de, 192;
ventos em, 207 ; partida de, 208.
Queimadas, no Hungo, 85.
Quiangolo, ilha de, 195.
Quianvo (Muene Puto Cassongo),
120; residência do, i33.
Quibinda, logar de, 199.
Quibucas, em Africa, 17; luctas, 24.
Quicanga, senzala de, i5i.
Qui-colos, 195.
Quicongo, districto de, 87; aspecto
e vegetação, 88; perdidos em, 92;
desertos de, 94; sofTrimentos ali
experimentados, 95; novamente
perdidos em, 102 ; rápida fermen-
tação em, 129; sofrimentos em,
i3o; luctas com o guia, i3i.
Quicunji, cachoeira do Cu-ango,
140 e 141.
Quifíicussa, soba, 26.
Qui-jinga, na Jinga, 52.
Qidlluanjes, na Jinga, 52.
Quilulo, serras de, 189.
Quimana, aldeia de, 148.
Quimbamba (Cosmetornis vexilla^
riusj, 180.
índice
41 1
Quimbaxe, rio, 64 e 178.
Quinbungo Quiássama, 5o.
Quissaquina C aboco, cachoeira de,
216.
Quissongo, velho do Biè, i55.
Quitanguca, aldeia de, i5i.
Quitaxe, cachoeira de, 199.
Quiteca-N*bungo, terras de, 87.
Quitoche, pedras, de 190.
Quitoeto, morros de, 197.
Qitituche, 6.
Quitumba-caquipungo, banza de
Cassanje, 12.
Qui'Vwi, 137.
Quizau Malunga, senzala de, 87.
Quizengamo, quilolo do Quianvo,
122; primeira vizita na margem
do Cu-ango, 12 3.
R
Rana ornatissima, 201.
Raparigas, da caravana, 117; con-
siderações sobre, 118; «casamen-
tos, 1 19.
Raphael Gorjáo (Manuel), 223.
Raphias, no Hungo, 86; em Quicon-
go, 88; zonas onde existe, 146.
Rãs, ruido especial das, 5.
Resumo das observações magnéti-
cas, 35i e 342.
Rios, difficuldade da sua passagem,
89; no Cu-gho, 89.
Roberto Franco (José), 225.
Riíbiaceas, em Quicongo, 88.
Sá da Bandeira, mappa de, 199.
Samba Cango, 181; notável edital,
181.
Sanza Manda, sitio de, 209.
Sapos, ruido dos, 5.
Scarabens, 28.
Schutt (Otto), II.
Sciencias naturaes, resumo dos tra-
L alhos, 353 e 370.
S^:ops leucotis, 184.
Scopus umbretta, 21 1.
Seda, em Africa, 188.
Sengue, sitio de, 216.
Serpa Pinto, primeira noticia sobre,
192.
Shinge (Xinge?), terras do, 21.
Silva Americano, vapor, 223.
Silvério (A.), 44; sua residência, 45 ;
chefe do Daque de Bragança, 1 58 ;
lantar com, 164; animaes de, 179;
despedida, 208 e 209.
Sobas, um compadre, i65; cegos,
194.
Sobetas, questões com, 38.
Songanhc, aldeia de, 148.
Songo, planicies do, 196.
Sosso, naturaes do, 145.
Sousa (António de), 223.
Spathodea campanulata, 148.
Spirostreptus gongòlo, 28.
Suco-ia-muquita, cataracta do Cu-
ango, 126. 141.
Suco-ia-n'bundi, cataractas do Cu-
ango, 26.
Sussa, rio, 147.
Sy cômoros, em Cassanje, 2.
Synagris comuta, as suas mordedu-
ras, 19 e 28.
412
índice
Tabeliãs, de temperaturas e profun-
didades, 263 a 266; de determina-
ções geographicas, 270 a 279; de
altitudes, 281 ; de instrumentos em-
pregados, 287; de observações
magnéticas, 339 a 349; de obser-
vações meteorológicas, 390 a 397.
Tacula, na Jinga, 58; emprego da,
59.
Tala-Mogongo, quebrada de, 5 ; ata-
lho em, 20; sua vegetação, 20.
Tanagra erythrorrhyncha, 210.
Telphusa AnchietiVj 196.
Telpltusa Bayoniana, 196.
Tembo Aluma, soba, 3o.
Thalweg, dos riachos de Cassanje,
5.
Thyphos, em Cassanje, 5.
Tibre, lagoa do Hungo, 78; consi-
derações á beira de, 79; perse-
guidos por ladrões, 80.
Tipóias, perigos das, 187.
Tira-olhos, 28.
Tito (Pedro de Almeida), 224.
Tuaza, cachoeira de, 141.
Tunda, sertão da, 97.
u
Umba (namorada de Domingos), 4.
lindado, na Jinga, 52.
Unguiji, rio, 106.
Uta, i3.
Uta-ia-ma^a, i3; processo feiticeiro
para a afastar, 14.
Utumba, immenso charco, 33; que-
da no, 33.
Vasco Guedes de Carvalho e Me-
nezes, 223.
Viagens, cm Africa, 114; sofFrimen-
tos experimentados nas, 144; con-
siderações sobre as, r 1 5 ;
Viajantes, modificação de caracte-
res, 99; considerações, 100.
Viciarias, em Cassanje, 5.
Viduas paradiseas, 180.
Vocabulários, de n'bunda, 377 a 391;
de difiTerentcs dialectos, 392 a 399.
Von Mechow, encontro com, 218;
dialogo estabelecido, 219; despe-
dida, 219.
Fwwiíi-ia-Buta, na Jinga, 63; soba,
i53; valor da vida de um homem
ali, i55.
Fwwiti-ia-Cassanda, i56.
Vwída-iti-Ebo^ enterro em i56.
Ti/nij-ia-Miquenha, na Jinga, 03.
Fi/wirt-ia-Navuia, na Jinga, 63.
rwwJa-ia-N^gola-Quilluanje, na Jin-
ga, 63.
FM;í4fa-ia-T'chirimbimbe, ió6.
Fwniti-ia-Vimda-N*gola, soba. im-
portante, l52.
Vundas, na Jinga, 5i.
Vunji, serra de, 182.
índice
4i3
X
XilophageSj 28.
Xinge (Shlnge), terras de, 21.
Zamba, cataracta, 141.
Zombo, naturaes do, 145.
Zt/nJo-ia-Cassungo, na Jinga, 60.
Zw?íio-ia-Faco, 48; aptidões marce-
neiras, 49.
Zundos, na Jinga, 52.
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4
285
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286
12
286
38
ERRATAS
ERROS CORRECÇÕES
fDasypogon Capambo ?J ( Tabanus Capambo)
Luba Lisboa
declinação inclinação
intensidade consiste na intensidade é mínima no
minima do globo globo
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Tabeliãs, de temperaturas e profun-
didades, 263 a 2ÓÒ; de determina-
ções geographicas, 270 a 279; de
altitudes, 28 1 ; de instrumentos em-
pregados, 287; de observações
magnéticas, SSq a 849; de obser-
vações meteorológicas, 890 a 397.
Tacula, na Jinga, 38; emprego da,
59.
Tala-Mogongo, quebrada de, 5 ; ata-
lho em, 20; sua vegetação, 20.
Tanagra erythrorrhynchãj 210.
Telphusa Anchietcv, 196.
Telphusa Bayoniana, 196.
Tembo Aluma, soba, 3o.
Thalweg, dos riachos de Cassanje,
5.
Thyphos, em Cassanje, 5.
Tibre, lagoa do Hungo, 78; consi-
derações á beira de, 79; perse-
guidos por ladrões, 80.
TipoiaSj perigos das, 187.
Tira-olhos, 28.
Tito (Pedro de Almeida), 224.
Tuaza, cachoeira de, 141.
Tunda, sertão da, 97.
u
Umba (namorada de Domingos), 4.
UudadOj na Jinga, 52.
Unguiji, rio, 106.
Uia, i3.
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Uta-ia-ma:^a, i3; processo feiticei
para a afastar, 14.
U tumba, immenso charco, 33; que-
da no, 33.
Vasco Guedes de Carvalho e Me-
nezes, 223.
Viagens, em Africa, 114; soffrimen-
tos experimentados nas, 144; con-
siderações sobre as, 1 1 5 ;
Viajantes, modificação de caracte-
res, 99; considerações, 100.
Victorias, em Cassanje, 5.
Vidiias paradiseas, 180.
Vocabulários, de n'bunda, 377 a 391;
de differentes dialectos, 392 a 399.
Von Mechow, encontro com, 218;
dialogo estabelecido, 219; despe-
dida, 219.
Twwífj-ia-Buta, na Jinga, 63; soba^
i33; valor da vida de um homem
ali, i55.
Fimífii-ia-Cassanda, i36.
FM;7ifa-ia-Ebo, enterro em i56.
T «7;íía-ia-Miquenha, na Jinga, 03.
Fwwíía-ia-Navuia, na Jinga, 63.
rimífa-ia-N'gola-Quilluanje, na Jin-
ga, 63.
Fw;ííídi-ia-T'chirimbimbe, 166.
í'w;ít/í2-ia-Vunda-N'gola, soba- im-
portante, l52.
Vundas, na Jinga, 5i.
Vutijij serra de, 182.
índice
4i3
X
Xilophages, 28.
Xinge (Shinge), terras de, 21.
Zamba, cataracta, 141.
Zombo, naturaes do, 145.
Ztmio-ia-Cassungo, na Jinga, 60.
Zim^o-ia-Faco, 48; aptidões marce-
neiras, 49.
ZúndoSj na Jinga, 52.
ERRATAS
PAG. LIN.
ERROS
CORRECÇÕES
19 4 fDasypogon Capambo?) (TabanutCapambo)
385 i3 Luba Lnboa
286 13 declinação inclinação
386 38 intensidade consiste na intensidade c minima no
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